Ainda embaralhada por conta da pandemia e das eleições internas, a fila reúne interesses de interesse do Centrão, do governo e da oposição
Por Victor Ohana / CartaCapital
As prioridades no Congresso Nacional para 2021 ainda estão embaralhadas. Há os reflexos da segunda onda de Covid-19 e a corrida pela vacina. Espera-se ainda o resultado da eleição para os presidentes da Câmara e do Senado, em 1º de fevereiro – Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) deixas as respectivas cadeiras ainda neste mês. Na Câmara, o candidato de Maia, Baleia Rossi (DEM-SP), abocanha parcela do Centrão e tem o apoio de maior parte da oposição. Do outro lado, há o nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL). No Senado, há mais de dez parlamentares de olho no cargo.
Uma agenda que parece cada vez mais improvável é a do impeachment de Bolsonaro. Em junho do ano passado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-RR) dizia que o impedimento era “mais do que viável, imperioso”. O presidente, entretanto, entra no 3º ano de mandato passando ileso por mais de 50 pedidos.
A depender dos resultados das eleições, há quem cogite ao menos a análise do tema, que começa sempre pela Câmara e passa depois pelo Senado. Depende dos resultados das eleições das”Arthur [Lira] já entra com o compromisso de não pautar nada”, diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-RS). Mas nada garante que Baleia Rossi tope abrir o processo. O deputado não firmou esse compromisso nem mesmo para atrair o apoio do PT.
CartaCapital reuniu a seguir outros 10 assuntos que estão na mira do Congresso neste ano, ou que pelo menos haja significativo interesse externo para que entre na agenda de discussões dos parlamentares. Confira.
Oposição quer ampliar transferência de renda
Com o fim da validade do Decreto de Estado de Calamidade Pública, em 31 de dezembro de 2020, o Brasil volta a ser obrigado a cumprir o teto de gastos em 2021. O governo não dá sinais, até agora, de que o decreto será prorrogado. Maia também advoga pela manutenção do teto de gastos para este ano.
Ainda assim, a oposição mantém conversas para, ao menos, estender o auxílio emergencial por alguns meses, mesmo que a transferência da renda exija disposição maior de verbas públicas. O benefício, voltado para trabalhadores informais e desempregados, acabou em dezembro. O governo diz já ter gastado mais de 250 bilhões com 68 milhões de beneficiários das parcelas mensais de 600 e 300 reais.
O economista David Deccache, assessor econômico do PSOL na Câmara, dá como certa a aprovação de alguma medida de ampliação de transferência de renda ainda no primeiro trimestre. Estão em abertas as condições e o modelo da medida – por exemplo, estender o auxílio emergencial ou redesenhar o Bolsa Família. “O formato ainda está totalmente em aberto: valores, grupos de exigibilidade e afins. Tudo vai depender da correlação de forças interna e externa”, avalia.
Centrão, direita e governo defendem autonomia do Banco Central
O debate sobre o Banco Central estava parado no Senado fazia pelo menos 30 anos. Foi na pandemia que os senadores viram a oportunidade de votar sobre o tema, por meio de um projeto de lei que dá “autonomia” à instituição. Uma das principais propostas é garantir que os mandatos da diretoria do BC comecem e terminem em datas que não coincidam com a posse do presidente da República.
Agora, só falta a matéria ser aprovada pela Câmara para entrar em vigor. Sob autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o texto chegou na Casa em 11 de novembro e pode tramitar junto com uma proposta do governo. O relator é o deputado Celso Maldaner (MDB-SC), que já sinalizou a possibilidade de reunir tudo em um texto só.
A oposição, que votou contra o PLP no Senado, ainda vê chance de barrá-lo na Câmara. Será preciso evitar uma reprise do placar fracassado de 56 a 12 entre os senadores.
A discussão divide opiniões. Defensores da “autonomia” acreditam que o Banco Central deve ser afastado de pressões políticas do governo. Já os críticos argumentam que a instituição não pode ser “independente” do Executivo, porque deve cumprir a agenda econômica que foi eleita nas urnas.
Nova Lei do Gás está perto da aprovação
O PL 6407/2013, batizado de Nova Lei do Gás, tem o objetivo de aumentar a participação de empresas privadas no mercado de gás natural no Brasil, hoje controlado pela Petrobras.
Para o governo, o estímulo à concorrência vai reduzir o preço ao consumidor – principalmente para as indústrias e termelétricas. A mudança concreta está no transporte de gás natural. Atualmente, a operação ocorre sob o regime de concessão. Com a nova lei, o regime passa a ser de autorização.
Não há consenso entre especialistas sobre o projeto. Críticos não creem na redução de preços e teme que as empresas privadas controlem a atual estrutura, erguida sobre investimentos públicos, sem perspectivas de real expansão.
De autoria do ministro Paulo Guedes, a proposta foi aprovada em 1º de outubro na Câmara e em 10 de dezembro no Senado. Com as alterações dos senadores, o texto volta para revisão na Câmara, que só pode votar os trechos que sofreram mudanças.
Reforma administrativa traz mudanças no serviço público
O governo enviou ao Congresso Nacional em 3 de setembro a PEC da reforma administrativa, para alterar normas que regem os direitos dos servidores públicos.
O Palácio do Planalto promete reduzir gastos, diminuir a burocracia, aprimorar o serviço e extinguir privilégios, dando fim, por exemplo, à estabilidade desses trabalhadores. Especialistas afirmam que a reforma pode desproteger o servidor de assédios do governo, afastar profissionais mais qualificados e, em essência, retirar o Estado das políticas públicas.
Para Marcos Verlaine, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o fato de a PEC ter sido apresentada pelo governo não significa que ele esteja à frente da articulação pela sua aprovação – a reforma representa amplos interesses do Centrão. É por convicção dos líderes do Congresso, portanto, que a medida tem altas chances de ser aprovada neste ano.
“Essa vai ser a prioridade do Congresso, o governo não controla isso”, diz Verlaine. “Toda essa pauta de cunho econômico e fiscal tem sido aprovada porque havia um consenso entre os parlamentares, como na reforma da Previdência. A mesma coisa vai acontecer com a reforma administrativa.”
Reforma tributária: Há chances de votar taxação de fortunas?
As mudanças na legislação que regula os impostos públicos já são debatidas há pelo menos duas décadas. Mas, segundo Verlaine, dificilmente o governo e o Congresso conseguirão dar andamento a duas reformas no mesmo ano.
Não se sabe quantos passos serão dados na reforma tributária em 2021. Em junho do ano passado, Paulo Guedes apresentou ao Congresso uma parte do que deseja, via projeto de lei. Duas propostas também tramitam dentro do Parlamento, uma PEC assinada por Baleia Rossi, outra por líderes do Senado.
Para especialistas ouvidos por CartaCapital, todas as ideias apresentadas até agora são insuficientes para combater a desigualdade.
“Ainda há impasses na comissão que discute essa reforma, que dizem respeito a conflitos de interesses entre União, estados e municípios”, diz Verlaine. “A prioridade, na minha opinião, será a reforma administrativa.”
Para o deputado Afonso Florence (PT-BA), vice-líder do seu partido na Câmara, faltam condições para aprovar a reforma proposta pelo governo. Ele lidera a minoria na comissão que debate a nova legislação tributária. Na PEC que veio da Câmara, ele pede a constitucionalização da tributação progressiva da renda e do patrimônio, que inclui, por exemplo, a taxação de lucros, dividendos, grandes fortunas e heranças.
A taxação sobre os mais ricos não entrou no acordo que levou o PT a apoiar Baleia Rossi como novo presidente da Câmara, diz Florence. Mas o petista afirma que Rossi participou de negociações com Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Rodrigo Maia sobre o conjunto da constitucionalização da tributação progressiva da renda e do patrimônio, “entre isso, grandes fortunas”.
“Eles estavam discutindo e estavam topando. Mesmo que não esteja no acordo, eu considero que temos chance real de votar”, afirma.
Governo pressiona Congresso por privatização de estatais
Guedes elegeu a Eletrobras, os Correios, o Porto de Santos e a PPSA, empresa que administra contratos do pré-sal, como as estatais alvo das privatizações de 2021. “São quatro privatizações óbvias”, disse o ministro, em dezembro do ano passado, em entrevista sobre o balanço de fim de ano.
Ele argumenta que a Eletrobras consegue investir apenas 3,7 bilhões de reais anuais, em vez dos 17 bilhões que deveria dispor. O governo teria pouca capacidade fiscal para injetar o que falta. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) rebate. Eletrobras é lucrativa, escreveu em artigo para CartaCapital, tem baixo endividamento e mantém cerca de 15 bilhões de reais em caixa. A privatização da Eletrobras se manteve em banho-maria com Rodrigo Maia na presidência, graças a um acordo político. Mas o futuro é incerto.
Em relação aos Correios, Temer e Bolsonaro vêm apontando supostos prejuízos no caixa. Os críticos à privatização apontam possível queda brutal do serviço no interior do Brasil. Sobre a PPSA, Guedes diz que o trabalho é “patético”, porque os 100 bilhões de reais em contratos administrados pela estatal seriam “um pretexto para a corrupção”. No caso do Porto de Santos, administrado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo , o projeto de privatização é propagandeado pelo governo como um plano de expansão de infraestrutura.
O processo de privatização precisa do aval do Congresso, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2019. Para técnicos da Economia, há um embate de interesses entre o Executivo e o Legislativo nesse tema. Se, até agora, nenhuma privatização prometida por Guedes foi concluída, um processo desses neste ano se torna ainda mais complicado, avaliam parlamentares. Outra estratégia do governo foi vender empresas em fatias, como no caso da Caixa Econômica no ano passado, mas a tentativa também fracassou: a Medida Provisória lançada pelo Planalto em agosto perdeu a validade em dezembro. A conferir.
Flexibilizar o porte de armas, um plano de Bolsonaro
Não falta vontade a capitão avançar nas pautas de costumes, como a flexibilização da posse e do porte de armas. Até então, o governo vem agindo com decretos, sem o reforço dos congressistas. Com Arthur Lira, as pautas bolsonaristas podem ganhar fôlego.
Alessandro Vieira, senador pelo Cidadania, acha que a pauta é “de baixa relevância diante dos problemas que o Brasil enfrenta”. O ceticismo se repete entre outros parlamentares.
Mas, em dezembro, Bolsonaro prometeu fazer de tudo para aumentar as liberações para que os brasileiros se armem, especialmente policiais, caçadores, atiradores e colecionadores.
“No que depender de mim… depende do Parlamento muita coisa… a arma vai ser bastante democratizada no Brasil”, disse o presidente, em entrevista ao filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
“Conseguimos liberar 20% do imposto de importação de armamento. Estamos no caminho certo, mas não consigo avançar mais porque dependo de alterações na lei do desarmamento, que estão paradas. De acordo com a futura composição da mesa, em especial os presidentes da Câmara e do Senado, teremos chances, obviamente, de botar esse projeto em votação”, completou.
Voto impresso também vira prioridade
“Sem voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”, disse Bolsonaro em dezembro, a apoiadores de Santa Catarina. Uma PEC da deputada governista Bia Kicis (PSL-DF) trata do tema. A parlamentar exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscitos e referendos no Brasil. As cédulas não substituiriam a urna eletrônica, mas poderiam ser conferidas pelo eleitor e depositadas em urnas para fins de auditoria. Um formato semelhante ocorre na Venezuela.
Eduardo Bolsonaro defende prioridade para a pauta. No entanto, assim como a flexibilização, a instituição do voto impresso é colocada em segundo plano por parlamentares. Primeiro, porque não foram apresentadas provas de fraudes no sistema eleitoral. Segundo, a empreitada demandaria aumento de gastos públicos e mais trabalho ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Será mais uma pauta, portanto, a depender da composição da mesa diretora das Casas Legislativas a partir de fevereiro.
PEC da 2ª instância espera votação de relatório de Fábio Trad
Logo após a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) apresentou a PEC da 2ª instância, a mais promissora entre outros projetos sobre o tema.
O texto ganhou parecer favorável do relator Fábio Trad (PSD-MS), em setembro. Mas a matéria já completou um ano de estagnação no Congresso. Falta apenas uma decisão do presidente da Câmara de reinstalar a comissão especial para votar o relatório. Em seguida, o texto seguiria para o plenário.
Advogado, Trad já chegou a pedir apoio de Bolsonaro para ajudar a criar melhores condições políticas para aprovar a PEC da 2ª instância. A pauta tem o apoio do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, desafeto do governo, mas que ainda tem a capacidade de motivar alguns parlamentares. Em outubro, Maia sinalizou disposição para votar a PEC até o fim do ano passado, o que não se concretizou.
“O tema é fundamental, porque a PEC representa a maior conquista da cidadania brasileira no âmbito do sistema judicial, na medida que reduzirá consideravelmente o tempo para se efetivar uma decisão judicial. É uma PEC de direitos humanos”, diz Trad a CartaCapital. Críticos à prisão em 2ª instância, no entanto, apontam que a ordem de encarceramento nesse estágio pode favorecer injustiças no sistema penal.
Direitos dos entregadores seguem em suspenso
Entregadores de aplicativos fizeram manifestações históricas pelo Brasil no ano passado, e as mobilizações pressionaram o Congresso pela elaboração de uma lei que lhes assegure direitos básicos. Um texto, portanto, foi construído pela bancada do PSOL e relatado por Fábio Trad em setembro.
Ao escrever o PL 1665/2020, Ivan Valente (PSOL-SP) quis ao menos determinar garantias aos entregadores no contexto da pandemia, sem tocar em condições gerais de trabalho. Na prática, o texto diz respeito a assistência financeira durante afastamento por doença e outros itens com enfoque preventivo.
Mas a proposta até agora não foi aprovada na Câmara, apesar de correr sob regime de urgência. Em 2020, Trad lamentou o “retardamento” no percurso do projeto. Meses depois, o relator segue insatisfeito com a demora. Ele diz ter incorporado algumas sugestões apresentadas pelo deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) e aguarda o retorno do parlamentar para “ver se chegamos a um consenso”.
“Há desinformação sobre o conteúdo do projeto. Ele não intervém na economia e passa ao largo de qualquer restrição à livre iniciativa, como apregoam alguns parlamentares. Trata-se de uma proposição que, basicamente, assegura aos entregadores o direito de serem tratados como seres humanos, com respeito à sua condição laborativa. Creio que avançaremos neste tema”, diz.