A menos de dois quilômetros da avenida no centro de São Paulo onde milhares de evangélicos se reuniram neste sábado (9) para a Marcha para Jesus, o maior evento evangélico do país, no qual discursou o presidente e pré-candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), um pequeno grupo de religiosos produziu um ato batizado de Jesus Está Aqui.
POR FERNANDA MENA
Diante da Catedral da Sé, no coração da capital paulista, lideranças cristãs, como o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, e a reverenda Alexya Salvador, líder da ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana), e o pastor Átila Pastor Augusto, oraram, cantaram, lavaram os pés de pessoas em situação de rua e distribuíram cerca de 2.000 refeições.
O grupo se declara "contrário a fundamentalismos religiosos que têm usado a política para colonizar o povo com suas ideias", explica Alexya Salvador, que discursou durante o ato. "A ideia foi ser um contraponto à Marcha para Jesus, porque entendemos que precisamos estar em marcha com o povo oprimido, perseguido e que passa fome nas ruas da cidade."
Vestindo camisetas em que se lia "Jesus está aqui" e diante de cartazes e faixas com frases como "Jesus mandou alimentar, não armar as pessoas", as lideranças discursaram de maneira crítica ao presidente-candidato e às políticas de combate à fome do governo. Estudo apontou que hoje no Brasil 33 milhões de pessoas estão passando fome, número maior que há 30 anos, quando começou o movimento social de combate à fome no país.
Para a reverenda, que se declara "travesti, preta e periférica", é "uma vergonha para alguns evangélicos que um evento que reúne milhares de pessoas abra espaço para um político que persegue minorias e corpos LGBTQ, de mulheres e de pessoas negras".
Durante a Marcha para Jesus, o presidente Bolsonaro fez discurso em que disse "somos contra o aborto, contra a ideologia de gênero, contra a liberação das drogas e somos defensores da família brasileira".
Para a reverenda da ICM, igreja inclusiva que acolhe sem ressalvas fiéis LGBTQIA+, no ato Jesus Está Aqui, as lideranças cristãs "reafirmaram o posicionamento de que este não é um Jesus em que nós acreditamos".
"Nosso Jesus foi torturado e assassinado pelo poder político de seu tempo. Se Jesus estivesse aqui hoje, o atual governo federal o mataria de novo", diz ela.
Bolsonaro subiu por volta das 10h no trio, com uma comitiva política que incluiu Tarcísio de Freitas, seu candidato a governador paulista, e o deputado Marco Feliciano, ambos do PL de SP. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também estava lá.
"Usar espaço de poder para falar de religião é uma coisa horrorosa", critica.
Alexya relata ter se emocionado durante o ato e diz ter visto muita gente chorando enquanto os religiosos cantavam e prosseguiam com a lavagem dos pés de pessoas em situação de rua. "Cheguei em casa muito impactada e muito mexida. Este foi o exemplo que Jesus nos deixou. Antes de partir o pão, sabendo que seria morto, ele lavou os pés de seus discípulos. Lavar os pés é servir."
O presidente foi à sua primeira Marcha para Jesus em 2018, quando o líder do ato, apóstolo Estevam Hernandes, disse que Bolsonaro faria bem em "pregar mais amor e tolerância". Hoje aliado do presidente, Hernandes diz pensar diferente e afirmou à Folha que, após conhecer o chefe do Executivo, sentiu que era um homem de Deus.