Ministro do STF é responsável por inquéritos que pesam contra Bolsonaro e aliados; trégua do presidente após o Sete de Setembro não chegou a três meses
Por Davi Medeiros
A retomada das críticas do presidente Jair Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, é o mais recente capítulo de uma relação tumultuada com a própria Corte e alguns de seus integrantes em especial. Os alvos preferenciais do presidente têm sido o próprio Moraes e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso. Após a derrota do voto impresso na Câmara, os ataques públicos a Barroso diminuíram, e Moraes ganhou destaque à frente de processos que podem atingir Bolsonaro e seus apoiadores. Em resposta a decisões do magistrado, o presidente sobe ou baixa o tom das críticas, incluindo xingamentos e palavrões.
O ápice da tensão ocorreu no último Sete de Setembro, quando o presidente Bolsonaro chamou o ministro de "canalha" e ameaçou tentar afastá-lo do cargo diante da uma multidão na Avenida Paulista.
Dias antes, Moraes havia expedido ordem de busca e apreensão contra apoiadores do presidente, como o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) e o cantor Sérgio Reis, além de bloquear as contas bancárias de entidades suspeitas de financiar os atos a favor do mandatário e contra a Corte.
"Sai, Alexandre de Moraes, deixe de ser canalha, deixe de oprimir o povo brasileiro", disse, à época, o chefe do Executivo. "No nosso Supremo Tribunal Federal, um ministro ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos, um ministro que deveria zelar pela nossa liberdade, pela democracia, pela Constituição, e faz exatamente o contrário. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair."
As palavras de Bolsonaro e a ameaça de descumprir decisões judiciais repercutiram tão mal que o presidente se viu obrigado a divulgar uma "Declaração à Nação", elaborada com auxílio do ex-presidente Michel Temer, dois dias após as manifestações. No texto, Bolsonaro afirma que nunca teve "intenção de agredir quaisquer dos Poderes". "Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news", escreveu. "Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia. Por isso, quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum."
Meses antes, em fevereiro, Moraes mandou prender o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), aliado do presidente, após ele publicar um vídeo com ameaças à democracia e pedindo a destituição de ministros do Supremo. O parlamentar também fez apologia ao AI-5, o que configura crime.
Inquéritos
Moraes é relator de inquéritos em que o presidente e vários de seus aliados aparecem como investigados. O mais recente deles é o que investiga Bolsonaro por associar as vacinas contra a covid com a contração do vírus HIV, causador da Aids.
Foi este inquérito, aberto na semana passada, que motivou o fim de uma breve trégua de Bolsonaro ao ministro. Após mais de três meses sem explicitar suas objeções ao ministro, o presidente voltou a atacá-lo em entrevista nesta quarta-feira, 8, descrevendo sua atuação como um "abuso" e o acusando de violência contra seus apoiadores.
Além da investigação sobre a declaração sobre vacinas, Bolsonaro também é alvo de inquéritos sobre ataques às urnas eletrônicas, vazamento de dados sigilosos da Polícia Federal, atuação de uma suposta milícia digital contra a democracia e disseminação fake news, todos relatados por Moraes no Supremo.
Em julho, Bolsonaro chamou o ministro de "otário" ao comentar o inquérito sobre ataques à democracia. O presidente fez referência à sentença de Moraes contra defensores do AI-5, como Daniel Silveira.
"Inclusive, o senhor Alexandre de Moraes tem que respeitar o artigo 142. 'O cara levanta AI-5'. Que que é AI-5? Não existe AI-5. E alguns acham que quero dar o golpe. Fala para esse otário que eu já estou no poder. Importante refletir, pessoal. A liberdade não tem preço."
Em agosto, o ministro mandou prender o ex-deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, também aliado de Bolsonaro, no inquérito das milícias digitais. Já em outubro, o ministro expediu ordem de prisão contra o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, defensor do chefe do Executivo e criador do portal Terça Livre.
Num embate que envolve decisões judiciais de um lado e, do outro, discursos, lives e mobilização nas redes, Moraes e Bolsonaro usam argumentos distintos para justificar seus atos. O presidente alega perseguição por parte do magistrado e diz que sua prioridade é defender a "liberdade". Já Moraes tem evitado entrar em polêmica pública com o presidente e se manifesta por meio de suas sentenças.
Antes de centrar fogo em Moraes, o chefe do Executivo já havia xingado o ministro Luís Roberto Barroso. "Imbecil", "idiota" e "filho da p." foram algumas das expressões utilizadas pelo presidente para se referir ao magistrado em meio ao debate para a adoção do voto impresso nas próximas eleições.
Veja principais aliados do presidente que já foram alvos de ordens de prisão ou busca e apreensão por Moraes:
Allan dos Santos
Daniel Silveira
Otoni de Paula
Roberto Jefferson
Sergio Reis
Zé Trovão
Wellington Macedo