“Mãe, dia 20 nós não iremos para a escola!”. Assim, de maneira direta e com muita segurança, meus filhos iniciaram o diálogo familiar. Na sequência, relataram que estava rolando a história de uma possível “convocação” para um atentado coletivo, alusivo ao aniversário da tragédia que ficou conhecida como “massacre de Columbine”, ocorrido em 1999. Consenti com a proposta, após me acercar que a motivação era justa e muito distante do desejo de não ir à aula para ficar à toa. O assunto “segurança na escola” continuou durante o jantar, com a lembrança de episódios vivenciados por cada um de nós, em diferentes momentos e lugares nas últimas 5 décadas.
Após o trágico atentado ocorrido em Blumenau, com vidas inocentes bruscamente interrompidas, famílias dilaceradas e uma sociedade abalada, observamos entre a comunidade grande pavor e sensação de vulnerabilidade extrema, especialmente nos primeiros dias que sucederam o ato (5 de abril). Dos gestores públicos (nas três esferas), vimos uma pronta mobilização para “resolver” o problema da “segurança na escola” por meio da presença de homens armados – sejam eles servidores efetivos das forças de segurança pública ou profissionais de segurança privada contratados. Portas giratórias, uso de detectores de metais, botão do pânico, câmeras de monitoramento, aumento de muros e outros equipamentos usados para sugerir a sensação de segurança passaram a ser ventilados desde então.
Enquanto em casa, na noite da tragédia, tivemos uma longa conversa sobre sentimentos e percepção, com direito a fala de todos os membros da família, independentemente da idade, entre os gestores públicos e nas esferas decisórias, pouco ouvi falar sobre aspectos que transitam no campo da segurança emocional. Houve, sim, grande preocupação com a segurança dos corpos físicos de toda a comunidade estudantil, mas poucas ações externadas que levassem em conta a saúde mental de todos os agentes envolvidos no dinâmico e complexo organismo chamado escola. Destaco, aqui, os professores – que estão na linha de frente – e os próprios alunos – o real motivo da existência da escola. Quem demonstrou empatia e preocupação com essas pessoas?
O ambiente escolar vai muito além das suas funções pedagógicas. A escola também é uma espécie de rede, que retém o que há de melhor e o que há de pior da sociedade que a cerca, e também funciona como um “airbag”, que amortece muitas das mazelas sociais – das mais perceptíveis, como a fome saciada com a merenda; até as menos claras (ou propositalmente invisibilizadas), entre elas toda espécie de violência contra crianças e adolescentes que ocorrem na esfera privada do lar. E essa vida comunitária que flui dentro do ambiente escolar requer muito mais, mas muito mais, do que muros altos e seguranças armados. A escola precisa de estrutura física adequada, segura (em todos os aspectos) e saudável, e profissionais habilitados dentro e fora da sala de aula. Há todo um staff previsto para dar suporte para além da sala de aula que deveria estar presente em todas as unidades e, se já observamos a falta de professores essenciais em sala de aula, o que diremos de supervisores, orientadores, psicopedagogos, psicólogos e assistentes sociais (estes dois últimos ainda enfrentam aquele eterno dilema legal se devem ou não estar no quadro da Educação).
Enquanto família, estamos criando filhos para a paz e para o bem e não sujeitos para matar. Além da preocupação com a saúde mental, solicitamos a retirada da mochila de todos os materiais pontiagudos ou de corte e alertamos sobre o mau uso de equipamentos usados para criar; falamos sobre a necessidade de identificar rotas de fuga, sobre o não enfrentamento de pessoas em ato de violência e da importância de nos manter avisados sobre tudo o que soar estranho (no mundo real e digital). Assim, reforçamos os laços de segurança e confiança mútuos.
Mas enquanto mãe e cidadã, me sinto vulnerável e insegura. Não fomos chamados para conversar. Alunos e professores também não estão sido ouvidos em suas angústias. E, nesse sentido, senhores gestores públicos, muito me preocupa os milhões que devem ser investidos na “segurança na escola” nos próximos meses, enquanto o assunto ainda está quentinho nas rodas de conversa. E boa parte desse investimento sairá dos cofres públicos “em regime emergencial” (que no âmbito fiscal tem lá as suas vantagens – sem querer ser leviana). A presença de pessoas armadas no ambiente escolar me fere e desestabiliza emocionalmente. Não apenas pela incerteza de que serão, eles, profissionais preparados para lidar com crianças e adolescentes de todas as idades e hábitos culturais, mas também pela presença de armas no meio dos nossos. É um discurso visual forte e pesado, mesmo que empunhado por humanos empáticos e gentis. Também é uma presença real e concreta de um artefato que pode ser usado a qualquer momento e basta um julgamento equivocado ou um confronto para que outra tragédia aconteça.
E, para reforçar o já dito anteriormente, esse arsenal previsto e efetivo presente não vai resolver o problema da segurança que afeta a nossa sociedade. Mais uma vez, houve pressa em dar respostas questionáveis às consequências da violência que afeta a nossa sociedade, se esquivando de mexer em estruturas profundas, em grande parte favorecidas pela omissão e concessões escusas.
Uma sociedade pacífica se constrói com diálogo, respeito e, acima de tudo, necessidades vitais do ser humano atendidas. Para que possamos avançar rumo a uma sociedade mais humana, há de se cuidar do corpo (que tem fome e sente frio), da mente e da alma. Que possamos olhar para as feridas que ardem e tratá-las com a responsabilidade a cada um de nós atribuída antes que as mesmas contaminem e apodreçam uma estrutura inteira.
Vamos conversar?
Com preocupação e precaução,
Andréa Luiza Collet, mãe de três
Itajaí-SC, 20 de abril de 2023.