Depois de uma “escolha difícil”, Estadão chama PT de diabo

Posted On Segunda, 25 Outubro 2021 07:25
Avalie este item
(0 votos)

Jornal publicou artigo de opinião criticando "a falta de autocrítica" do partido e atacando Lula e Dilma. Texto foi alvo de críticas nas redes sociais (leia o editorial completo no final)

 

Por Carolina Forte

 

O bom desempenho do ex-presidente Lula nas pesquisas para a Presidência de 2022 começa a incomodar uma parte da mídia.

 

Três anos depois de publicar “Uma escolha muito difícil”, editorial que comparava Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (Sem Partido), o jornal “O Estado de S. Paulo” divulgou um artigo de opinião em que chama o PT de “diabo” e diz que o partido “não se desculpa pelos seus erros”.

 

Intitulado “O diabo não desiste”, o texto começa culpando o Partido dos Trabalhadores pela “precipitação” da “maior crise econômica, política e moral da Nova República”.

 

Depois, afirma que, já em campanha eleitoral, a sigla “se mostra incapaz de propor uma agenda positiva para o futuro, muito menos de reconhecer os erros do passado”, e que vai “repeti-los”, “implodindo o teto de gastos que estancou a hemorragia fiscal deflagrada no governo Dilma Rousseff”.

 

Citando Gleisi Hoffmann, o Estadão declara que o PT quer “apagar os crimes dos quais foi cúmplice”, usando como exemplo acusações envolvendo a Petrobras, a OAS e a Odebrecht.

 

Com falas de Lula e Dilma, o artigo também faz críticas baixas aos ex-presidentes, chamando Dilma de “ex-poste de Lula” e dizendo que os marqueteiros do PT “vilanizaram sordidamente Marina Silva e todos os brasileiros vilipendiados como ‘fascistas’ simplesmente por recusarem o culto a Lula da Silva”.

 

“O despudor com que o PT tenta reescrever a história do País para edulcorar sua trágica passagem pelo poder rivaliza com o sistemático embuste bolsonarista, o que permite prever que a campanha de 2022, mantido o favoritismo de Lula e Bolsonaro, fará corar o próprio Pinóquio”, finaliza.

 

Artigo recebeu críticas

 

O editorial foi alvo de uma série de críticas nas redes sociais. Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, lembrou a reportagem publicada ontem pela “Folha de S. Paulo”, que ignorou a participação de Lula e Dilma ao citar estudo elaborado pelo Insper que mostra que a diferença social no Brasil caiu de forma ininterrupta entre os anos 2002 e 2015.

 

“Enquanto a Folha publica reportagem sobre a queda da desigualdade de renda no Brasil entre 2002 e 2015 sem citar Lula e Dilma, o Estadão obra editorial intitulado “O diabo não desiste”, satanizando o PT. A mídia burguesa vai jogar pesado nas eleições de 2022. Nada de salto alto!”, escreveu Altamiro.

 

“Em 1959 os donos do Estadão se uniram a educadores, mobilizados por Anísio Teixeira e Florestan Fernandes. O objetivo era defender a educação laica e pública. Hoje o Estadão usa uma alegoria religiosa para comparar o PT ao diabo. Herdeiros perdulários são assim”, afirmou o dirigente pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, professor Daniel Cara.

 

A professora e ativista Lola Aronovich disse que, da mesma forma que o Estadão acusa o PT, o jornal nunca fez autocrítica e “defendeu ditaduras”. “Lula deve desistir de sua candidatura porque o mercado (apoiado pela grande mídia) não gosta dele. Sua opinião é muito importante pro país, Estadão”, escreveu.

 

O diabo não desiste

 

O PT não se desculpa por seus erros, e aqueles que o partido não pretende repetir, julga ter poder de apagar

 

O Estado de S. Paulo

 

Desde que o PT precipitou a maior crise econômica, política e moral da Nova República, a população esperou em vão por um mísero mea culpa. Após o impeachment de Dilma Rousseff, a única bandeira a unificar seus correligionários foi a denúncia ao “golpe”, logo substituída pelo slogan “Lula Livre”. O PT se opôs a reformas modernizantes como a da Previdência, opõe-se a outras, como a administrativa, e não oferece alternativas construtivas aos desmandos que acusa. Em campanha eleitoral, o partido se mostra incapaz de propor uma agenda positiva para o futuro, muito menos de reconhecer os erros do passado. Ao contrário, afirma que vai repeti-los, por exemplo, implodindo o teto de gastos que estancou a hemorragia fiscal deflagrada no governo Dilma Rousseff.

 

Ainda pior, o PT não só pretende repetir seus erros de gestão, como julga ter poder de apagar os crimes dos quais foi cúmplice. Em entrevista coletiva, a sua presidente, Gleisi Hoffmann, afirmou que nunca houve “corrupção sistêmica”, superfaturamento ou desvio de dinheiro na Petrobras.

 

Boa parte desses delitos foi confessada pelos próprios delinquentes, que devolveram bilhões desviados à Petrobras. Com base em uma auditoria da PriceWaterhouseCoopers, a própria Petrobras admitiu no balanço de 2014 que US$ 2,5 bilhões foram pagos a mais a “um conjunto de empresas que, entre 2004 e abril de 2012, se organizaram em cartel para obter contratos com a Petrobras, impondo gastos adicionais nestes contratos e utilizando estes valores adicionais para financiar pagamentos indevidos a partidos políticos, políticos eleitos ou outros agentes políticos, empregados de empreiteiras e fornecedores, ex-empregados da Petrobras e outros envolvidos no esquema de pagamentos indevidos”.

 

Segundo Gleisi Hoffmann, a PriceWaterhouse foi obrigada pela Lava Jato a atestar as perdas. Não há evidências disso. Por outro lado, é notório que à época o PT pressionou a diretoria da Petrobras comandada por Maria das Graças Foster, executiva de confiança de Dilma Rousseff, a não publicar os dados auditados, levando a um impasse e finalmente à renúncia de Foster e outros diretores. Depois, a Petrobras participou dos processos judiciais como assistente de acusação do Ministério Público, recuperando mais de R$ 6 bilhões superfaturados pelos cartéis.

 

O Tribunal de Contas da União (TCU), atuando independentemente da Lava Jato, expôs uma série de ilicitudes nos contratos da Petrobras. Na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por exemplo, o TCU identificou que o orçamento inicial de US$ 13,4 bilhões foi majorado para US$ 26,3 bilhões. Ao mesmo tempo que o custo final foi dobrado, a refinaria produz apenas metade dos 230 mil barris de petróleo inicialmente previstos. O TCU estimou que as perdas da Petrobras apenas em Abreu e Lima acumularam US$ 19 bilhões.

 

Similarmente, o TCU verificou que a torre Pirituba, em Salvador, inicialmente orçada em R$ 320 milhões, foi construída pela OAS e a Odebrecht por R$ 1,3 bilhão, e que a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – jamais concluída – gerou perdas de US$ 12,5 bilhões.

 

É conhecida a candura com que a ex-presidente Dilma Rousseff expôs os métodos petistas: “Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”. Ironicamente, o PT, ciente de que ninguém fez mais do que Dilma para arruinar o suposto legado de Lula, a incluiu no rol dos erros a serem esquecidos. O ex-poste de Lula é hoje uma ausência garantida nos discursos e comícios do demiurgo de Garanhuns.

 

Lula, por sinal, afetou melindres em suas redes sociais: “Eu sou de um tempo onde a disputa era apenas eleitoral. Você não estava numa guerra. Seu adversário não era um inimigo”. Que o diga a ex-petista Marina Silva, sordidamente vilanizada pelos marqueteiros do PT nas campanhas de 2014, ou todos os brasileiros vilipendiados como “fascistas” simplesmente por recusarem o culto a Lula da Silva.

 

O despudor com que o PT tenta reescrever a história do País para edulcorar sua trágica passagem pelo poder rivaliza com o sistemático embuste bolsonarista, o que permite prever que a campanha de 2022, mantido o favoritismo de Lula e Bolsonaro, fará corar o próprio Pinóquio.