O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, disse nesta segunda-feira (2), durante discurso de abertura do segundo semestre do Poder Judiciário, que o respeito às instituições é necessário para a manutenção da democracia. Num discurso com recados indiretos ao presidente Jair Bolsonaro, que tem criticado ministros da Corte que se opõem ao voto impresso, Fux afirmou que "harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições".
Por Edson Rodrigues
Para os analistas, apesar de duro e correto, o discurso de Fux não foi suficientemente direto, ao ponto de frear os ataques do presidente Bolsonaro às instituições do Judiciário, leia-se STF e Tribunal Superior Eleitoral, em busca da volta do voto impresso, colocando em cheque a inviolabilidade da urna eletrônica.
Fux não citou Bolsonaro nominalmente, muito menos o ministro da Defesa, general Braga Netto,que mandou um recado direto, via presidente da Câmara, Arthur Lira, ao TSE, afirmando que “sem voto auditável não haverá eleições em 2022”.
Fux procurou formas, pode-se dizer, educadas demais, para responder a cada ataque ou atacante, calcando seu discurso na harmonia e isonomia entre os Poderes e na manutenção da Democracia, “em respeito aos que deram o sangue e o suor por ela”.
TRECHOS
"Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública. Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente os valores democráticos consolidados ao longo de séculos pelo suor e pelo sangue dos brasileiros que viveram em prol da construção da democracia de nosso país", afirmou Fux no discurso, realizado no plenário do STF e diante de outros ministros da Corte.
"Após trinta anos de consolidação democrática, o povo brasileiro jamais aceitaria que qualquer crise, por mais severa, fosse solucionada mediante mecanismos fora dos limites da Constituição", disse.
Mais à frente, disse que "democracias tendem a ruir" caso não haja respeito às instituições. Sua manutenção, acrescentou, exige "permanente vigilância" e pressupõe também "sociedade civil educada e consciente de seus direitos e deveres", "imprensa atuante e independente", "atores políticos cumpridores das regras do jogo democrático e responsivos aos diversos interesses da população", "magistrados independentes, fiéis à Constituição e às leis", e "instituições fortes, inclusivas e estáveis".
Sobre a relação entre os Poderes, afirmou que não há "superpoderes entre aqueles instituídos pela ordem constitucional". Ele defendeu a atuação dos juízes, que quando "chamados a pacificar conflitos, fazem girar as engrenagens da democracia constitucional". Por outro lado, disse que os magistrados não devem se comportar como atores políticos.
"O bom juiz tem como predicados a prudência de ânimos e o silêncio na língua. Sabe o seu lugar de fala e o seu vocabulário próprio [...] Os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças. Afinal, numa democracia, juízes não são talhados para tensionar", disse.
O presidente do STF voltou logo em seguida a defender a necessidade de diálogo na sociedade. "O brasileiro clama por saúde, paz, verdade e honestidade. Não deseja ver exacerbados os conflitos políticos; quer a democracia e as instituições em pleno funcionamento. Não quer polarizações exageradas; quer vacina, emprego e comida na mesa. Saibamos ouvir a voz das ruas para assimilarmos o verdadeiro diálogo que o Brasil, nesse momento tão sensível, reclama e deseja", disse.
No final, afirmou que o STF não vai abdicar de seus "deveres e responsabilidades", "ainda quando nossas atuações tenham que ser severas".
"Trabalharemos para que, onde houver hostilidade, construa-se respeito; onde houver fragmentação, estabeleça-se diálogo; e onde houver antagonismo, estimule-se cooperação", disse.
FIM DA “BOA VONTADE”
Se pregou “harmonia e isonomia” entre os Poderes por meio do diálogo, dentro do STF, o discurso de Fux é avaliado como um sinal de que Bolsonaro não poderá contar mais com o ministro como uma ponte com a Corte. Até o início do mês passado, o presidente do STF adotava uma postura de apaziguamento, tentando convencer o chefe do Executivo de que era melhor harmonizar a relação com o Judiciário e cessar os ataques.
O recado foi passado na reunião entre os dois no dia 12 de julho. Na ocasião, Fux disse a Bolsonaro que, a partir de então, declarações que jogassem dúvida sobre a realização das eleições de 2022 e ofensas aos ministros do STF passariam a receber respostas mais efetivas.
Como Bolsonaro insistiu no tom agressivo contra os ministros – especialmente Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e também de forma indireta contra seus sucessores no cargo, Edson Fachin e Alexandre de Moraes –, Fux não deverá trabalhar mais internamente, junto aos colegas, para evitar derrotas de Bolsonaro e do governo no STF.