Divulgar lista de indiciados de inquérito sigiloso ‘não é jurídico, nem ético’, dizem advogados

Posted On Terça, 26 Novembro 2024 03:47
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Apesar de autos estarem em sigilo, Polícia Federal divulgou lista de indiciados em inquérito sobre suposta tentativa de golpe de Estado

 

 

Com Estadão e R7

 

 

Na quinta-feira (21), a PF (Polícia Federal) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 36 em inquérito sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O relatório foi entregue ao ministro relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes. Apesar de a ação tramitar sob sigilo de Justiça, a organização divulgou uma lista com os nomes de todos os indiciados para “evitar difusão de notícias incorretas”. Especialistas ouvidos pelo R7, porém, analisam que a divulgação não é “jurídica” e nem “ética”.

 

“Não é comum, ao contrário, o comum é tornarem públicos os fatos, mas pouparem os nomes de envolvidos. Revelar nomes em uma fase ainda investigativa parece ter clara função de expor esse nomes na mídia. Algo que não é jurídico, nem ético”, explicou o advogado constitucionalista Andre Marsiglia.

 

Conforme Marsiglia, neste momento da investigação, em que há apenas o indiciamento, não uma acusação formal, o que tem que ser preservado “é o nome das pessoas, e não os fatos”.

 

“Os fatos podem e, justamente pela relevância pública, devem ser expostos a nós todos. Agora, o nome dos investigados deve ser poupado. É assim que tem que ser feito. Expõe-se os fatos, pelo menos o que é possível deles, mas poupa-se o nome das pessoas. Ou então, não se expõe nada nem ninguém. Essas pessoas ainda podem sequer ser processadas, justamente por ser uma fase ainda investigativa. E, no entanto, elas já estão expostas”, continuou.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, a ação não é “normal”. “A partir do momento em que as pessoas são indiciadas, o relatório teria que ser disponibilizado publicamente”, ponderou. De acordo com ela, futuramente, tais condutas “poderão ser objeto de nulidade de inquéritos”.

 

A advogada também ponderou que os advogados das partes têm direito a ter acesso ao relatório para poderem elaborar antecipadamente as suas defesas. A maioria dos advogados informou que só vai se manifestar quanto tiver acesso aos autos. Apesar de criticar, Marsiglia classifica como “comum” a falta de acesso ao relatório por parte das defesas no Brasil.

 

“O acesso a eles é garantido por uma súmula do próprio STF, que é a súmula número 14. Uma súmula inclusive vinculante, que diz que advogados e partes tem de ter, não importa se é uma fase ainda investigatória, ou não, acesso aos autos. Então isso deveria ser facultado a eles”, contou.

 

“Nem deveria ser um pedido ou confronto. É um direito das partes e advogados. Essas pessoas têm os nomes expostos, mas não acesso aos autos porque estão e sigilo. Bom, se os autos estão em sigilo, então os nomes também deveriam. Qual é a função jurídica de se divulgarem os nomes, mas não se divulgarem os fatos?”, interpelou o especialista. Ele explicou, porém, que não há prazo para que isso aconteça e nem uma garantia de que as defesas tenham acesso ao processo.

Na quinta-feira (21), a PF entregou a Moraes o indiciamento de Braga Netto, de Bolsonaro e de outras 35 pessoas. A investigação, que durou quase dois anos, passa por declarações de autoridades durante o governo Bolsonaro até o suposto plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o vice-presidente Geraldo Alckmin e Moraes. Segundo a PF, Bolsonaro e aliados teriam o plano de impedir a diplomação e a posse de Lula e Alckmin após o pleito de 2022.

 

Agora, Moraes vai pedir a opinião da PGR (Procuradoria-Geral da República). O órgão pode propor mais apurações, apresentar uma denúncia formal ao Supremo ou arquivar o caso. A procuradoria tem 15 dias para se manifestar após ser acionada pelo ministro.

 

Entenda

Segundo a PF, as provas contra os investigados foram obtidas por meio de “diversas diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas devidamente autorizadas pelo poder Judiciário”.

 

O indiciamento é um ato formal feito pela autoridade policial durante a investigação de um crime. Ele ocorre quando, com base nas provas coletadas, os investigadores identificam uma pessoa como suspeita principal da prática de um delito e formaliza essa suspeita no inquérito.

 

A Polícia Federal identificou que os investigados se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas e a constatação da existência de seis grupos:

 

Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;

Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado;

Núcleo Jurídico;

Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;

Núcleo de Inteligência Paralela;

Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas

“Com a entrega do relatório, a Polícia Federal encerra as investigações referentes às tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, disse a corporação.

 

Veja a lista completa dos indiciados

Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República

Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública

Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional

Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa

Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022

Valdemar Costa Neto, presidente do PL

Alexandre Rodrigues Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Investigação)

Filipe Garcia Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais de Bolsonaro

Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército

Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, coronel do Exército

Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha

Amauri Feres Saad, advogado

Anderson Lima de Moura, coronel do Exército

Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército

Bernardo Romao Correa Netto, coronel do Exército

Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro

Carlos Giovani Delevati Pasini, coronel do Exército

Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército

Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general do Exército

Fabrício Moreira de Bastos

Fernando Cerimedo, consultor político

Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército

Guilherme Marques de Almeida, coronel do Exército

Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército

José Eduardo de Oliveira e Silva, padre

Laercio Vergilio, general da reserva do Exército

Marcelo Bormevet, policial federal

Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército

Mario Fernandes, general da reserva do Exército

Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército

Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, economista e blogueiro

Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel do Exército

Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército

Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército

Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro

Wladimir Matos Soares, policial federal