Vídeos de depoimentos à PGR trazem acusações do lobista contra o presidente, detalhes sobre a atuação criminosa de Eduardo Cunha e revelação sobre contrato com Joesley Batista para 'comprar'seu silêncio
Com IG a Agência Brasil
Os vídeos dos depoimentos prestados em agosto pelo lobista Lúcio Funaro à Procuradoria-Geral da República (PGR) foram revelados nessa sexta-feira (13) pelo jornal Folha de S.Paulo , que obteve o material até então mantido sob sigilo.
Nas gravações, o ex-corretor de valores Lúcio Funaro detalha uma série de atividades criminosas envolvendo o presidente Michel Temer e outros nomes de peso do PMDB, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Parte dos fatos narrados por Funaro embasa a denúncia oferecida no mês passado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Temer . Entenda aqui os principais pontos de sua delação.
"Certeza" de repasse de propina a Michel Temer
Num dos trechos dos depoimentos de Funaro, o lobista diz ter "certeza" de que o ex-deputado Eduardo Cunha repassava ao presidente Michel Temer um "percentual" da propina que arrecadava. "Tenho certeza que parte do dinheiro que o Eduardo Cunha capitaneava em todos os esquemas que ele tinha, dava um percentual também para o Michel Temer ", garantiu Funaro.
O doleiro afirmou aos procuradores que não chegou a fazer entregas pessoalmente a Temer e que o presidente nunca retirava valores ele próprio, com "receio de se expor". Ainda assim, Funaro diz que outra pessoa que atuava como emissário de Cunha, Altair Alves Pinto, relatou ter feito entregas no escritório de Temer na zona sul de São Paulo. Funaro afirmou ainda que o ex-assessor e amigo pessoal do presidente, advogado José Yunes, "arrecadava dinheiro para o Michel".
"O Altair às vezes comentava que tinha que entregar um dinheiro para o Michel", relatou Funaro. "O escritório do Michel é atrás do meu escritório. Era um lugar muito bom para o Eduardo [Cunha] porque era próximo ao escritório do José Yunes, que era uma das pessoas que às vezes arrecadava dinheiro, que ia pegar dinheiro para o Michel Temer", relatou o doleiro.
As afirmações foram feitas durante depoimento sobre a atuação criminosas de alas do PMDB na Caixa Econômica Federal. O esquema é investigado em ações penais que tramitam na Justiça Federal em Brasília e envolve, além de Funaro e Cunha, o ex-ministro Geddel Vieira Lima.
Segundo o delator, Geddel recebeu "entre 60% e 65%" do valor de cada operação autorizada pela Caixa no período em que ele ocupou o posto de vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco estatal, a partir de 2011. "O resto eu e o Cunha meiávamos", declarou Funaro.
Temer e a MP dos Portos
Em outro trecho de sua delação, Funaro afirma que Temer teria orientado Eduardo Cunha a acompanhar de perto a tramitação da Medida Provisória dos Portos, em 2013, a fim de favorecer três empresas que faziam doações regulares ao seu grupo político: a Rodrimar, o grupo Libra e a Santos Brasil.
O lobista conta que soube, a partir de Eduardo Cunha, que Michel Temer instruiu o então deputado a fazer alterações na redação da MP "para que o negócio não saísse do controle".
Segundo Funaro, a maior preocupação de Temer e Cunha seria o possível impedimento ao grupo Libra de renovar suas concessões portuárias uma vez que a empresa tinha débitos inscritos em dívida ativa – situação que, pela redação original da MP, impediria a renovação da concessão. Após os pedidos de Temer, Cunha teria conseguido incluir no texto da MP uma cláusula que autorizava a renovação desde que a empresa "ajuizasse arbitragem para discutir este débito tributário".
Além desse episódio de 2013, a relação do presidente Michel Temer com administradoras de portos também é alvo de inquérito em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo a edição do chamado decreto dos Portos , em maio deste ano. A suspeita é de que o peemedebista teria favorecido ilegalmente a Rodrimar na concessão do Porto de Santos.
Eduardo Cunha como "banco de corrupção"
Ainda sobre a atuação do ex-presidente da Câmara dos Deputados, o lobista afirmou que Cunha "funcionava como se fosse um banco de corrupção de políticos".
De acordo com o delator, Eduardo Cunha buscou doações via caixa dois para favorecer candidatos de seu interesse que disputavam o cargo de deputado federal na eleição de 2014. Em troca, Cunha cobraria no início de 2015 o apoio desses parlamentares para ser eleito presidente da Câmara naquele ano – o que veio, de fato, a ocorrer.
"Todo mundo que precisava de recursos pedia para ele, e ele cedia. Em troca mandava no mandato do cara", disse.
José Yunes e a entrega de R$ 1 milhão
Funaro também garante em seus depoimentos que o ex-assessor da Presidência José Yunes "tinha certeza" que havia dinheiro em pacote recebido em seu escritório em 2014 . A entrega desse pacote já havia sido confirmada anteriormente por um executivo da Odebrecht e pelo próprio Yunes – que, no entanto, sempre negou saber que a caixa continha dinheiro e se referia à remessa apenas como um "pacote".
O lobista explicou que, na ocasião, ele próprio retirou o pacote contendo R$ 1 milhão em espécie pagos pela Odebrecht em 2014 como parte de doação ilegal ao PMDB.
Funaro afirmou que conversou brevemente com Yunes ao visitá-lo em seu escritório de advocacia no Itaim Bibi, bairro da zona sul de São Paulo. Os dois teriam discorrido sobre o "investimento pesado" de Eduardo Cunha para obter maioria na Câmara e ser eleito presidente da Casa no ano seguinte.
"Ele sabia que eu iria lá retirar dinheiro", garantiu o lobista. "Se ele afirmar que foi feito de mula pelo ministro Padilha, que ele não sabia que na caixa tinha dinheiro... É impossível, porque nenhum doleiro vai entregar R$ 1 milhão no escritório de ninguém sem segurança. E ninguém vai mandar entregar R$ 1 milhão sem avisar que está entregando valores. É uma coisa que não existe."
Joesley Batista e a compra de seu silêncio
Funaro relata que, no fim de 2015, quando as investigações da Operação Lava Jato se aproximavam dele, ele assinou um contrato fictício de R$ 100 milhões com o empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo JBS-Friboi.
O lobista explicou que esse contrato visava 'esquentar' notas frias que ele havia emitido para a JBS no passado e forjar sua prestação de serviços à empresa dos irmãos Batista – justificando, dessa maneira, os pagamentos mensais que ele viria a receber para ficar em silêncio caso ele fosse preso.
"A função do contrato o que que era? Dar origem ao que já tinha sido emitido de notas do passado e me dar o direito de ter um documento, um título executivo do valor que ele [Joesley] me devia por serviços prestados", disse Funaro.
"Ficou claro para mim o seguinte: 'Eu [Joesley] estou pondo aqui no papel que eu te devo, dos negócios que você fez para mim, para te assegurar que se acontecer alguma coisa com você, você ter os recursos aí disponíveis, porque é só você executar o contrato'", explicou Funaro à PGR.
Os pagamentos mensais de Batista a Funaro foram assunto da conversa posteriormente gravada pelo próprio Joesley com o presidente Michel Temer, em março deste ano, no Palácio do Jaburu. A suposta anuência do peemedebista para a mesada paga pelo empresário foi um dos fatos que embasaram a primeira denúncia oferecida pela PGR contra Temer – e que teve a admissibilidade rejeitada pela Câmara dos Deputados.
Defesas
Em nota, a defesa do presidente Michel Temer condenou o que chamou de "criminoso vazamento" dos vídeos com depoimentos de Funaro. O advogado Eduardo Carnelós disse ainda que a divulgação do material tem como objetivo “insistir na criação de grave crise política no País” e classificou as acusações do lobista como “vazias” e “sem fundamento”.
“É evidente que o criminoso vazamento foi produzido por quem pretende insistir na criação de grave crise política no país, por meio da instauração de ação penal para a qual não há justa causa”, diz a defesa de Michel Temer.
Já a defesa do ex-deputado Eduardo Cunha afirmou que Funaro "atribui a outros participação em atos criminosos cometidos por ele".
O advogado de José Yunes, José Luis Oliveira Lima, disse que Funaro já faltou com a verdade em inúmeras oportunidades e não tem credibilidade. “José Yunes, ao contrário de Funaro, goza de credibilidade. Tão logo esses fatos ficaram públicos procurou a PGR e prestou todos os esclarecimentos devidos", afirmou o advogado, acrescentando que Yunes irá processar Funaro por denúncia caluniosa.
Lúcio Funaro está preso na Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, desde julho do ano passado. Mas seu acordo de colaboração com a Justiça (que já foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal) prevê que ele permaneça apenas mais dois anos no regime fechado. Após esse período, ele deverá cumprir outros seis anos em prisão domiciliar com liberdade progressiva. Além do período encarcerado, o lobista também se comprometeu a pagar R$ 45 milhões em multas.