Jorge Pontes afirmou que "o maior equívoco" dos apoiadores do presidente foi acreditar que não existe corrupção no governo de Jair Bolsonaro
Da coluna de Guilherme Amado
Por Com Bruna Lima, Edoardo Ghirotto, Eduardo Barretto e Paulo Cappelli
Presidente Jair Bolsonaro coloca folha no rosto durante solenidade alusiva à Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica e ao MECPlace no palacio planalto em brasíliaHugo Barreto/Metrópoles
Estudioso do chamado crime institucionalizado, o delegado da Polícia Federal aposentado Jorge Pontes avaliou, em entrevista à coluna, que a corrupção sistêmica é tão presente no governo de Jair Bolsonaro como era em outros, como os de Lula e Dilma Rousseff.
Pontes é autor do livro “Crime.gov”, escrito em parceria com o delegado Márcio Anselmo, que atuou na Lava Jato. A obra, lançada em 2018 no Brasil, foi traduzida agora para o inglês pela editora britânica Bloomsbury — lá fora recebeu o nome de “Operation Car Wash” (tradução literal da Lava Jato para o inglês). Na entrevista, cujo vídeo da íntegra pode ser visto ao fim deste texto, Pontes afirmou que “o maior equívoco” dos apoiadores do presidente foi acreditar que não existe corrupção no governo do capitão.
Ao longo de sua carreira o ex-delegado teve protagonismo na instalação de delegacias especializadas em meio ambiente pelo país e foi diretor no Ministério da Justiça enquanto Sergio Moro comandou a pasta.
Pontes afirmou ainda que a Polícia Federal nunca teve tanta perda de autonomia na redemocratização quanto no governo Bolsonaro. O delegado aponta que não há investigação de casos de corrupção no governo porque o presidente “desestruturou arcabouços de fiscalização”.
Em que momento ficou claro para você que combate à corrupção não era o principal propósito no governo Bolsonaro?
Olha, isso foi acontecendo bem à prestação. Não teve um momento certo, talvez naquele momento em que o presidente sinalizou, ao retirar o COAF, o enfraquecimento daquela estrutura inicial (montada por Sergio Moro). Nós também estranhamos a forma como o presidente e o entorno ideológico dele interferiram em uma indicação de uma pesquisadora que ia fazer parte de um grupo, a Ilona Szabó… Foram pequenas sinalizações que foram mostrando um crescente. Depois, a tentativa de tirar o meu colega, diretor da Polícia Federal, o Maurício Valeixo. A troca da Superintendência do Rio de Janeiro, que virou uma fixação do presidente. Tudo aquilo foi dando uma sensação muito ruim, nós nos entreolhávamos no Ministério da Justiça, eu tinha colegas de longa data lá, de turma de delegados, e todos lá estavam iludidos. Iludidos com a possibilidade de estarmos fazendo um trabalho inovador. Nós começamos a sentir que não tínhamos o apoio do Planalto e ficou claro isso por conta do passado de Bolsonaro, do envolvimento dos filhos, do envolvimento do próprio presidente em processos de rachadinha, enfim, por conta de todo o passado que até então era nebuloso para mim e outros colegas por causa das promessas de campanha.
Você percebe que a geração que está hoje na ativa na Polícia Federal teve uma perda de autonomia?
Percebo, claramente. Inclusive, no livro, há um capítulo chamado “O paradoxo da Polícia Federal sobre Lula”, e isso a gente reconheceu lá atrás, antes de assumir qualquer posição em governo, antes de trabalhar com o Sergio Moro no Ministério da Justiça, está reconhecido no livro, que, apesar do Petrolão e do Mensalão, apesar dos escândalos de corrupção que envolveram o PT em sequência, foi no governo Lula que a Polícia Federal atingiu patamares até então nunca atingidos. Patamares de excelência, de desenvolvimento de técnicas de investigação, desenvolvimento tecnológicos, de concursos, de entrada de mulheres… Isso é inegável. Nós indicamos esse paradoxo no livro, que é a figura do doutor Paulo Lacerda, que foi talvez o melhor diretor da história da Polícia Federal, porque ele conseguia fazer todas aquelas operações, ele trabalhava com a espinha ereta, ele não se dobrava. Ele tinha uma história na Polícia Federal, ele tinha biografia. Ele era uma liderança e que nós nos espelhávamos. O sucesso que nós conseguimos na Lava Jato, que chegou a 60 ou 50 fases no governo Dilma. É um livro que fala de corrupção sistêmica, no envolvimento institucional de Casa Civil, de tudo mais, mas não poderia deixar de reconhecer, porque nós fomos testemunhas dessa mudança, eu vi essa melhora acontecer.
Qual a sua percepção sobre o discurso de que esse governo não tem corrupção?
Esse é um discurso extremamente equivocado. Talvez o maior equívoco dos apoiadores do presidente Bolsonaro seja acreditar que não existe corrupção nesse governo. Primeiro que corrupção não é um crime que acontece ali na Praça dos Três Poderes, corrupção acontece nas sombras. Para você ter uma noção, a Lava Jato começou a ser investigada em 2013, a primeira parte dela foi março de 2014, sobre fatos de 2006. Uma coisa é dizer que não existe corrupção no governo, outra coisa é dizer que não houve, até então, um escândalo de corrupção, mas que pode estar tendo certamente mais do que em outros governos, até por conta do tipo de gente a que esse governo se associou logo no início. Esse governo abandonou todas as pretensões e promessas de combate à corrupção em 2019 mesmo. Associou -se ao mesmo Centrão que estava no mensalão, que estava no Petrolão, são as mesmas figuras.
As pessoas esquecem de que o partido central do Petrolão era o PP, o partido do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara Arthur Lira, que são pessoas estratégicas nesse governo.
Eles dominaram a política. Eles colocaram um procurador da República… Nós esperávamos qualquer um, menos o Augusto Aras, porque o Aras é anti-enfrentamento da corrupção. Esse caso mesmo do ministro da Educação, porque ele não procedeu? Essa operação só saiu porque ele perdeu o foro privilegiado. Então é um PGR que é desacreditado pela sociedade. Até mesmo as indicações ao Supremo… Um terrivelmente evangélico, o outro que já era desembargador indicado politicamente. O Bolsonaro foi eleito na onda da Lava Jato, por conta das promessas de enfrentamento à corrupção e abandonou totalmente todas as nomeações para funções importantes, inclusive para funções definitivas, como são as do STF, têm ido por esse norte.
Se não há investigação de fôlego, não tem como a gente saber se está tendo corrupção, né?
Mas é claro. É só fazer um levantamento do número de delegados que foram afastados porque iniciaram uma investigação ou tomaram alguma iniciativa processual contra algum integrante do governo. Um caso que merece um olhar nessa nossa discussão é o caso do Ricardo Salles, o ex-ministro do Meio Ambiente. Para mim é um caso clássico de crime institucionalizado, porque, repare, ele (Bolsonaro) desestruturou, ele enfraqueceu, de cabeça pensada, todas as estruturas de fiscalização e repressão de crimes ambientais. Ele foi tirando os técnicos e colocando militares, pessoas que não têm o menor perfil para trabalhar com meio ambiente. Depois ele foi tirando os normativos, a necessidade de documentos para extração e exportação de madeira. Ele desestruturou os arcabouços de fiscalização e deu no que deu. Isso é delinquência institucionalizada e partiu de cima. O Bolsonaro dizer que botaria a cara no fogo pelo ex-ministro da Educação é a cara do crime institucionalizado. Os esquemas têm a benção, a chancela. Nos últimos anos, e incluo o governo PT nisso, os esquemas têm o conhecimento das cúpulas.
O que você está dizendo é que há crime institucionalizado?
Sim, nós já temos evidências. Nesse caso do MEC, no caso do Ministério do Meio Ambiente, no próprio Ministério da Saúde, com todas aquelas tentativas da Covaxin… Eu tenho uma suspeitas sobre a obsessão armamentista desse governo. Eu não me surpreenderia de lobbies, de militares da reserva que fazem portas giratórias e vão para a indústria de armas… São várias obsessões estranhas, a própria fabricação da cloroquina… Eu nunca ouvi maior balela do que dizer que esse governo não tem corrupção.