Apesar do anúncio do governo de uma parceria com Elon Musk para melhorar a conexão de internet na região amazônica, o bilionário --dono da Tesla e da SpaceX-- não estará sozinho na tarefa de conectar áreas sem internet. O programa já existe há quatro anos e é operado por outras duas empresas.
POR JULIO WIZIACK
O mais recente movimento de Musk ocorre após ele receber sinal verde da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), em janeiro, para vender pacotes de internet via satélite em todo o país. Outros concorrentes --como Kepler, OneWeb, Swarm e Lightspeed-- obtiveram a autorização meses depois.
A agência, inclusive, decidiu autorizar essas empresas --que operam equipamentos ao redor da Terra a 570 km do solo (baixa altitude)-- após um constrangimento causado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria.
No fim do ano passado, Faria visitou Musk na Europa e postou um vídeo em que anunciava uma parceria com o empresário --divulgada novamente no evento com o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira (20), no interior de São Paulo.
Naquele momento, todos os pedidos das empresas que pretendiam operar com essa tecnologia de satélites no país ainda aguardavam uma decisão da Anatel sobre o tema.
Na época, técnicos da agência tinham dúvidas sobre a viabilidade desse novo mercado. A preocupação era que as empresas ocupassem o espaço aéreo sobre o país de forma que comprometeria o lançamento de novos satélites e prejudicaria a recepção e envio de sinais dos equipamentos das operadoras que já funcionam a mais de 35 mil km do solo.
Os sinais dos aparelhos em altitude mais alta poderiam "bater" nos novos satélites (mais baixos), o que impediria a recepção em solo. Somente a empresa de Musk conta com 4.800 aparelhos.
A decisão no Brasil foi mais rápida do que em outras economias. A Europa, por exemplo, preferiu esperar a entrada em funcionamento do 5G para decidir posteriormente sobre o papel de empresas como a de Musk --que terão vantagens operacionais e comerciais sobre as demais de mesma tecnologia.
Essas empresas também poderão fechar parcerias com o governo dentro do Wifi Brasil, o programa de conectividade em áreas afastadas dentro do qual Musk pretende prestar o serviço. O foco são escolas no Norte e no Nordeste, principalmente na área rural. No entanto, elas ainda têm dúvidas se haverá essa possibilidade -tanto para elas, quanto para Musk.
Os advogados dessas empresas ainda não têm certeza se o governo poderá fazer uma licitação neste ano --que seria aberta a todas as empresas-- para contratar um novo parceiro para o programa. Entre essas empresas, é comentado que o governo anunciou um vencedor sem ter feito a licitação.
Elas também avaliam que podem haver restrições impostas pelo calendário eleitoral para um acordo desse tipo, o que jogaria a anunciada parceria para o próximo governo.
O programa Wifi Brasil existe no país desde 2018 e já custou mais de R$ 700 milhões. Esse programa --lançado pelo então ministro Gilberto Kassab, um dos caciques do PSD de Faria-- conta com satélite próprio operado pela Viasat, do bilionário Mark Dankberg, e pela Telebras.
O objetivo do programa é justamente levar conexão a áreas remotas. Para isso, a Viasat e a Telebras exploram 30% da capacidade do satélite brasileiro SGDC-1. Os 70% restantes ficam com as Forças Armadas.
Isso, no entanto, não impede que outras empresas que possuem satélites possam operar dentro do mesmo programa.
A conexão na Amazônia também foi uma preocupação dos últimos leilões da telefonia celular (4G e 5G). As operadoras que venceram o certame foram obrigadas a levar conexão à Amazônia cada vez com mais capacidade e velocidade de conexão.
No último leilão (5G), realizado em novembro do ano passado, o governo conseguiu garantir R$ 1 bilhão para a instalação de cabos pelo rio Amazonas que permitirão acessos na região. O projeto foi batizado de Amazônia Conectada.
Por esse motivo, elas se sentiram constrangidas com o evento e o anúncio do governo ao qual se sentiram obrigadas a comparecer.
Nos bastidores, as teles afirmam que levar a conexão a essas áreas com contratos rígidos de cobertura imposto por leilões de radiofrequência (avenidas no ar por onde fazem trafegar seus sinais) dão um sinal equivocado aos consumidores.
Para elas, a imagem é a de que as teles não cumprem seu papel e que Musk chega como o "salvador da pátria", nas palavras de um dos executivos que compareceu ao evento.
As teles são obrigadas pelos contratos com a União a levar conexão seguindo uma regra definida pela Anatel que dá prioridade para municípios mais populosos.
Outra dificuldade é a geografia da região. As operadoras gostariam que a agência liberasse a forma como elas hoje levam o sinal até a Amazônia.
Pelas regras dos leilões, elas têm de instalar redes de cabos -uma dificuldade gigantesca em uma área quase continental como a da Amazônia. Poderiam levar via satélite, mas as regras impedem.