Grupo de partidos marcados por ideologias distintas tem sido o fiador do governo no Congresso, mas o relacionamento corre o risco de ser abreviado por conta do desempenho eleitoral de Bolsonaro no ano que vem
Por Ingrid Soares / Israel Medeiros
Com frequentes crises, investigações de corrupção e polêmicas, o governo do presidente Jair Bolsonaro se sustenta graças ao Centrão. Em troca de cargos e prestígio político para se perpetuar no poder, esse grupo, formado por diversos partidos com identidades distintas, tem sido a base governista. À medida que a situação de Bolsonaro se complica, no entanto, o relacionamento que resultou em Ciro Nogueira (PP-PI) – que já foi aliado do PT – na Casa Civil, parece ter os dias contados.
A pesquisa XP/Ipespe, divulgada na semana passada, mostrou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliou a vantagem na disputa pelo Planalto em 2022. O petista aparece com 40%, 2 pontos percentuais a mais que no levantamento anterior, enquanto Bolsonaro tem 24%, 2 pontos a menos que na última sondagem. Já a rejeição ao nome do presidente no pleito chegou a 61%, contra 45% de Lula. Somado a isso, o chefe do Executivo não tem conseguido dar prosseguimento a projetos prioritários do governo como as reformas tributária e administrativa em meio a uma escalada contra o Judiciário.
Aliados do governo já enxergam a gestão de Bolsonaro como uma “canoa furada” e ensaiam um desembarque, rumo à candidatura de Lula. Faltando aproximadamente um ano e dois meses para o pleito de 2022, a situação desses partidos começa a se definir e os políticos terão de decidir qual caminho será mais benéfico para eles eleitoralmente. No caso de Ciro Nogueira, por exemplo, há a intenção de se candidatar ao governo do Piauí, estado nordestino com grande potencial de voto petista. Vale lembrar que o atual governador, Wellington Dias, é do PT. Não seria uma surpresa, portanto, se Nogueira ignorasse o fato de ser “a alma do governo” — como foi apelidado por Bolsonaro — e corresse para os braços de Lula.
O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, ressalta que, apesar do derretimento da popularidade do mandatário, há um timing para o Centrão decidir se mudará de lado ou se seguirá apoiando o governo, o que deve coincidir com o período eleitoral, no começo de abril do próximo ano.
No entanto, destaca, ainda não é de interesse do bloco deixar o governo. “Falta muito tempo até a eleição do próximo ano. Em um segundo ponto, no Brasil vigorou o aspecto da verticalização que condicionava as alianças no plano estadual e federal. Não há obrigação de obedecer à risca a coligação federal e isso cria a possibilidade de que tenham outro candidato em âmbito local se for conveniente para eles”, explica.
Mesmo que o Centrão apoie outro candidato em 2022, acredita, não significa que Bolsonaro ficará totalmente descoberto. “O centrão não tem problema em apoiar um candidato à presidência e, eventualmente ganhando outro, ele se associar. Existem tipos de abandono. Podem apoiar outro candidato, mas abandono não significa apoiar um impeachment, por exemplo”.
“Se o Centrão sair do governo não necessariamente significa grande derrota pois se Bolsonaro for reeleito, eles poderiam voltar ao poder. Vão esperar o máximo que puderem. É uma decisão que será tomada só no ano que vem. Além disso, não são um bloco que age unido. Pode ser que conte com o apoio de alguns partidos do Centrão em alguns estados. Creio que vão analisar e levar em consideração a característica local. Mas claro, no âmbito federal o presidente não terá todos os partidos do centro compondo na chapa dele”, acrescenta.
Cenário de negociação intensa
O analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis, destaca que a inconstância do chefe do Executivo é um cenário positivo para o Centrão, que aumenta seu preço, amplia os recursos e as manobras de captura do orçamento público e impõe maiores ganhos dos espaços de poder. “Bolsonaro vive da colisão entre os Poderes e a submissão ao grupo. Neste zigue-zague permanente de tensões, Bolsonaro tem um projeto de reeleição e uma permanente tentação autoritária. O presidente não tem um partido para chamar de seu. Está sozinho no espectro partidário e ainda não conseguiu um que se doe inteiramente ao modelo que deseja. A estratégia da maioria dos atuais partidos é sobreviver aos limites da legislação que exigem investimentos em bancadas e não em candidatos para o executivo. Nessa linha, cada vez mais será necessário viver a solidão e a sofrência”, expõe.
Ricardo Caichiolo, cientista político do Ibmec-DF, afirma que se trata de um cenário de negociações intensas entre os partidos, mesmo a mais de um ano das eleições, envolvendo movimentações tanto por parte de Lula, de Bolsonaro, e da chamada “terceira via”.
“Fica claro que os partidos do Centrão, mais uma vez, serão pragmáticos e apoiarão o candidato que apresentar a melhor probabilidade de se sair vencedor no ano que vem. Tanto que o Republicanos e o Progressistas procuraram o petista para costurar acordos regionais, impulsionados pelas recentes pesquisas que o apontam na liderança da corrida presidencial”, avalia.
O presidente está em uma situação delicada diante do cenário pandêmico, de inflação e crise hídrica, analisa. “A grande aposta para a reversão desse cenário eleitoral desfavorável a ele é que a economia cresça em um ritmo mais acelerado no último trimestre de 2021 e ao longo de 2022, o que parece improvável”.
Diferentemente, o quadro que se pinta para 2022 é de um crescimento do PIB em torno de apenas 2%, combinado com um aumento da inflação e com uma taxa altíssima de desempregados. Por fim, referindo-se à chamada “terceira via”, o cenário atual é de dúvida quanto à possibilidade de que os atores envolvidos cheguem ao consenso quanto ao lançamento de um único nome”, continua. (IS e IM)
"Fica claro que os partidos do Centrão, mais uma vez, serão pragmáticos e apoiarão o candidato que apresentar a melhor probabilidade de se sair vencedor no ano que vem”
Melillo Dinis, analista político
Tendência de dispersão na campanha
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) explica que o Centrão é uma força que só existe durante o mandato e que, por ser formado por vários partidos com identidades próprias, é natural que, em época de campanha eleitoral, o grupo fique disperso. “Na campanha, ele se dispersa com lideranças apoiando um ou outro. Não são uma força política de campanha, mas de mandato. Sobretudo no Nordeste, é possível que migrem aos poucos para a candidatura do Lula. Mas não haverá uma percepção orgânica súdita, como se fosse uma decisão unificada.”
Ele acredita que se Bolsonaro continuar na guerra declarada ao Supremo, há uma grande possibilidade de o Centrão desembarcar do governo. Fidelidade não é uma característica desse grupo. “Ele (o Centrão) não admite esse tipo de investida. Nós estamos observando que o Centrão foi que votou contra o voto impresso, por exemplo. A criminalização de decisões de ministros é reprimida pelo centrão. Se o Bolsonaro apostar nesse tensionamento, a tendência é desgastar mais ainda”, aponta.
Trad explica que seu partido, o PSD, tem tomado um posicionamento mais independente. “O presidente Kassab critica algumas posturas do presidente, mas a maioria da bancada tem a tendência de acompanhar o governo na maioria dos projetos. Ultimamente eu não tenho visto isso. Não é mais aquela adesão automática e incondicional, está aos poucos se aproximando de uma postura de análise prévia do que está sendo analisado e o partido tem se tornado mais independente”.
A legenda possui, por exemplo, o senador Omar Aziz (AM), no comando da CPI da covid. Ao mesmo tempo, o deputado governista Reinhold Stephanes Junior (PR), que tumultuou uma sessão da CPI no início de agosto, também é do mesmo partido. Há, portanto, diversidade de pensamentos.
Já o deputado de oposição Afonso Florence (PT-BA) lembra que o modelo de presidencialismo de coalizão, que vigora no país, obriga o chefe do Executivo a fazer acordos com partidos se quiser garantir a governabilidade. Florence aponta, no entanto, que independente dos acordos feitos por Bolsonaro com o centrão, o que não faltam são provas de que o chefe do Executivo cometeu crimes no exercício do mandato.
“Ele tem resiliência, mas a perda de popularidade tem sido tão rápida que de fato ele é um político que joga os aliados, os partidos de centro na incerteza. No plenário, é comum ver alguém que era nosso aliado, passou a votar com o governo e agora diz que Lula vai ganhar as eleições e quer voltar para o nosso lado”, revela.
O deputado, que já foi ministro do governo Dilma, pontua que, no caso dos partidos do Centrão, há convergências econômicas com o governo, o que faz com que a iminência de um governo progressista soe como ameaça a esses partidos. Daí, segundo ele, nascem iniciativas como a mudança do sistema de governo, o fim do financiamento público de campanhas (com o objetivo de limitar as candidaturas) e assim por diante.
Para o petista, a chegada de Ciro Nogueira à Casa Civil foi estratégica para o presidente do PP, que visa ser candidato a governador no Piauí no ano que vem. Por isso, para ele, vale a pena ser ministro do governo Bolsonaro, enquanto isso lhe render mídia espontânea. Por outro lado, a influência de Nogueira em temas legislativos também é benéfica. “Assumir um ministério é algo positivo para ele, um senador virar ministro. Por outro lado, eles (Centrão) também querem legislar. Estou coordenando a reforma tributária na oposição e eles estão pilotando-a”, opina o parlamentar. (IS e IM)