Atos do Executivo e do Legislativo "aparentam distanciar-se dos pressupostos constitucionais" e provocam "indesejável embate" entre Poderes, argumenta Moraes
Por Felipe Moraes
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta sexta-feira (4) tanto três decretos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentaram alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) quanto projeto de decreto legislativo (PDL) do Congresso Nacional que derrubou alta da tarifa. Além disso, magistrado convocou audiência de conciliação entre governo e Legislativo sobre o tema, marcada para 15 de julho.
A medida cautelar de Moraes determina cumprimento imediato por governo e Congresso, que têm cinco dias para encaminhar informações à Corte. O ministro é relator tanto da ação do PL contra decretos presidenciais quanto da do PSOL que questiona PDL do Congresso que suspendeu esses atos do Executivo sobre aumento do IOF.
Vale ainda lembrar que o governo Lula, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), também judicializou o tema: apontou que decretos presidenciais são válidos e que decisão do Congresso "exorbitou de sua competência constitucional".
Moraes agendou conciliação na sala de audiências do Supremo para 15/7, às 15h, intimando presença da Presidência da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, da Procuradoria-Geral da República (PGR), da Advocacia-Geral da União (AGU) e das partes.
"Após a realização da audiência de conciliação, será analisada a necessidade de manutenção da medida liminar concedida", explicou o relator.
"Indesejável embate" entre Poderes e atos distantes de "pressupostos constitucionais": argumentos de Moraes
Moraes apresentou diversas justificativas para suspender atos do governo e do Congresso. Para ele, existem "fortes argumentos que indicam a existência de razoabilidade na imediata suspensão da eficácia dos decretos impugnados".
Segundo o ministro, "esse indesejável embate entre as medidas do Executivo e Legislativo, com sucessivas e reiteradas declarações antagônicas contraria fortemente o artigo 2º da Constituição Federal que, mais do que determinar a INDEPENDÊNCIA dos Poderes, exige a HARMONIA entre eles, como princípio básico e inafastável de nosso Estado Democrático de Direito em busca do bem comum para toda a Sociedade brasileira".
Nesse sentido, Moraes considerou que "diante de todo o exposto, verifica-se que tanto os decretos presidenciais, por séria e fundada dúvida sobre eventual desvio de finalidade para sua edição, quanto o decreto legislativo, por incidir em decreto autônomo presidencial, aparentam distanciar-se dos pressupostos constitucionais exigidos para ambos os gêneros normativos".
Moraes explica limites de decretos do governo e de decisões do Congresso
No documento, Moraes reuniu uma série de explicações sobre limites de atuação do governo sobre aumento de impostos e de controle do Congresso em relação a decisões do Executivo. O ministro lembrou que taxas como o IOF podem "ter sua alíquota alterada por meio de ato do Poder Executivo".
"O decreto presidencial que modifica a alíquota do IOF encontra-se, pois, sob o campo discricionário do Presidente da República, desde que se atenha às limitações advindas da legislação infraconstitucional", continuou. O magistrado acrescentou que a Constituição permite que o presidente "module a incidência do imposto de acordo com as necessidades da conjuntura econômica".
Moraes ponderou que a finalidade de um decreto presidencial sobre impostos "é determinante para a sua validade, eis que não é qualquer aspecto da fiscalidade brasileira que permitirá um aumento ou um decréscimo na alíquota do imposto, pois sua função regulatória e extrafiscal deve estar bem fundamentada".
Se o STF encontrar e comprovar "desvio de finalidade" nos atos do governo "com intenção arrecadatória", "é causa de inconstitucionalidade".
"Pois se o ato normativo que disciplina o tributo é editado sem observar tratar-se de um instrumento de extrafiscalidade, mas sim com a finalidade de atingir a meta fiscal e sanar as contas públicas, com fim diverso daquele pretendido pelo Poder Constituinte ao delimitar o ordenamento tributário, ficará demonstrada a existência de incompatibilidade do instrumento normativo", completou.
Por outro lado, a derrubada do aumento do IOF pelo Congresso deve ser algo "excepcional" e "recair em ato normativo que, de fato, exorbite do poder regulamentar". Para Moraes, a intervenção do Legislativo não pode "atingir sua eficácia por mera discricionariedade ou por existir uma dissidência legislativa que se oponha momentaneamente ao seu conteúdo".
Mecanismos de controle do Congresso, como o projeto de decreto legislativo (PDL) que suspendeu alta do imposto, não podem, de acordo com Moraes, ser direcionados "contra decretos autônomos, sob pena de incidir em inconstitucionalidade".
"Os atos editados pelo Chefe do Poder Executivo que não materializam seu poder regulamentar não se submetem ao controle repressivo por meio de decreto legislativo. No caso dos autos, o Decreto Legislativo 176/2025 suspendeu uma série de decretos presidenciais atinentes à majoração do IOF. Entretanto, a conformação constitucional do decreto legislativo não admite que ele seja operado pelo Congresso Nacional contra decretos autônomos, que não estejam a regulamentar lei editada pelo Poder Legislativo", detalhou o ministro.
Moraes também aproveitou a medida cautelar para demonstrar "a importância de não se confundir o exercício da legítima competência constitucional" do STF "com um suposto e indefinido ativismo judicial".
*Colaborou Paola Cuenca