Pode parecer incoerente, mas ex-gestores querem atuação da Justiça para resolver processos. Intenção é, no mínimo, duvidosa
Por Edson Rodrigues
Apadrinhados pela senadora Kátia Abreu (PMDB), ex-prefeitos fundaram na tarde deste sábado, 8, uma associação, que deve ter a adesão de mais 400 ex-gestores que já mostraram interesse em ingressar na entidade, cujo objetivo é “dialogar” com a Justiça na resolução de processos que envolvem seus nomes.
O primeiro presidente da Associação dos Ex-Prefeitos do Estado do Tocantins é Valtenis Lino, que administrou Santa Fé do Araguaia. A associação foi oficializada em reunião na residência de senadora Kátia Abreu, com a participação de cerca de 60 ex-prefeitos do Estado.
Segundo o presidente da associação, a entidade é pensada há pelo menos dez anos. Segundo ele, é uma "necessidade imediata" dos ex-prefeitos, diante da impossibilidade jurídica de serem defendidos pela Associação Tocantinense dos Municípios (ATM). Valtenis ilustrou que "os prefeitos passam quatro anos na prefeitura e 40 anos tentando resolver problemas no TCE e no TJ". Valtenis elogiou a atuação da senadora Kátia Abreu no processo. “Nunca tinha visto uma coisa tão rápida, a senadora em 24 horas já tinha conversado com procurador-geral da República, com TCE, com praticamente todo mundo”, destacou o ex-prefeito de Santa Fé do Araguaia.
TODO CUIDADO É POUCO
Que muitos prefeitos ficam eternamente enrolados por questões menores, erros de projetos e de cálculos, tudo bem, mas boa parte desses mais de 400 ex-prefeitos que demonstraram interesse em fazer parte da associação, quer, na verdade, um guarda-chuvas pra os crimes que cometeram, uma maneira de se misturar com os inocentes para parecerem inocentes também.
Dessa forma, nos causa espécie que há 30 anos como dirigente de um veículo de comunicação, vermos tanta mobilização para defender pessoas que podem estar envolvidas em atos de corrupção e, o que é pior, segundo a assessoria da senadora Kátia Abreu, com a anuência e interesse de uma grande banca de advogados de Palmas para atuar voluntariamente na defesa dos ex-prefeitos. A senadora realçou que foi a importância da entidade que a fez se movimentar, iniciando com uma conversa com o procurador da República, Rodrigo Janot, e com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. A parlamentar contou ainda que já conversou com praticamente todos os desembargadores do Estado e com a advocacia geral do Estado.
Em ano pré-eleição, não é muita ação, em pouco tempo, para “limpar o nome” de quem fez errado?
Afinal, estamos falando de ex-prefeitos já condenados, em primeira instância, por irregularidades em prestações de contas.em suas gestões. A maioria praticou desvio de recursos federais ou estaduais e são, realmente, corruptos, malversadores de recursos públicos em busca de perdão, anistia e esquecimento popular para seus malfeitos.
Corre-se o risco de, se essa entidade vingar, corruptos sejam reconduzidos à vida Pública por meio daqueles que deveriam investigar e puni-los, tudo isso sob a chancela de uma senadora da república.
Para se atestar a boa intenção dessa entidade, deve-se, em primeiro lugar, investigar a vida pregressa dos que a idealizaram e lutaram para torná-la realidade.
Esse serão fio condutor da legitimidade ou não das intenções dessa associação. A mobilização da sociedade para garantir o cumprimento integral da Lei da Responsabilidade Fiscal, que impôs uma série de procedimentos que impediam, ou, pelo menos, tentava impedir, que atos de corrupção fossem cometidos.
Se, como disse a assessoria da senadora Kátia Abreu, os órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas do Estado, a Controladoria Geral da União, o tribunal de Contas da União, o Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, já foram consultados e se dispuseram a “colaborar” com os interesses da associação, pode se esperar, em um olhar otimista, que quem tenha cometido crime, entre esses ex-dirigentes, seja finalmente condenado e quem seja inocente, seja, também finalmente, liberado para seguir suas vidas de pessoas honestas.
Mas é premente que essas entidades se atenham a suas funções básicas, que são garantir o cumprimento das leis e punir aqueles que as violam.
O que não pode é uma ação apadrinhada por uma senadora terminar na “anistia” ou absolvição de corruptos, numa atitude parecida com a do juiz que mandou soltar presos condenados por não ter espaço nas cadeias públicas.
Outra estranheza é o envolvimento da Defensoria Pública, que existe para prover defesa a quem não tem recursos para pagar por ela, em um caso que envolve ex-prefeitos a quem, certamente, não faltam recursos e sua função principal é prover de meios jurídicos pessoas humildes, sem recursos para tal. O que não é o caso de ex-prefeitos.
MUTIRÃO
A senadora disse que na segunda-feira, 10, deve se encontrar com o presidente do TCE, Manoel Pires, para tratar sobre um grande mutirão para julgar os processos dos ex-prefeitos. Kátia também lembrou a informação a ela repassada pela desembargadora Jaqueline Adorno, de que já há uma meta estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça para a solução destes problemas municipais. “A maioria dos casos é perda de prazo”, disse a senadora. “O presidente do Tribunal de Justiça, Eurípedes Lamounier, disse que vai colocar defensores públicos à disposição dos prefeitos”.
A primeira diretoria da Associação dos Ex-Prefeitos do Estado do Tocantins tem o ex-prefeito de Santa Fé, Valtenis Lima, como presidente. Na primeira vice-presidência tomou posse o ex-prefeito de Taipas, Joaquim Carlos Azevedo. A entidade terá como segundo vice-presidente o ex-prefeito de Natividade, Albany Nunes Cerqueira, o Tiquinho. Na primeira secretaria foi empossado o ex-prefeito de Araguaína, Valuar Barros, e a ex-prefeita de Araguaçu, Waltyr Rocha Santos Santana, será a segunda secretária. O primeiro tesoureiro da entidade será o ex-prefeito de Araguacema, João Paulo Ribeiro Filho, tendo como segundo tesoureiro o ex-prefeito de Fátima, Raimundo Mascarenhas Neto.
A aposta está feita. Cabe a nós, jornalistas e ao povo, ficar de olho para avaliara se essa é uma iniciativa lícita ou mais uma tentativa de engodo.
Estamos de olho!
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