As manifestações foram feitas após ministros do Supremo e do governo federal voltarem a defender a regulação das redes sociais e de plataformas da internet
POR JOSÉ MARQUES
Em audiência pública nesta terça-feira (28) no STF (Supremo Tribunal Federal), representantes do Google e do Facebook negaram omissão no combate a conteúdos ilegais e de desinformação e na remoção de publicações que violam as políticas das plataformas.
As companhias se posicionaram em evento que discute a responsabilidade de provedores de redes sociais e de ferramentas de internet pelo conteúdo gerado pelos usuários, o que pode resultar na flexibilização do Marco Civil da Internet, principal lei que regula o tema no Brasil.
A audiência foi convocada em razão de duas ações de repercussão geral (que incidem em casos similares), de relatoria dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que serão julgadas no Supremo sobre o tema.
O evento vai até esta quarta (29). Também serão ouvidos integrantes do governo, estudiosos e entidades civis, além de outras big techs que podem ser afetadas pelas ações.
O ponto central da audiência pública é a constitucionalidade ou a necessidade de regulamentação complementar do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Esse dispositivo diz que "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", os provedores somente poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, "após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente".
Ao abrir os trabalhos, o ministro Dias Toffoli disse que o tema central das ações em julgamento é a "responsabilidade civil de provedores de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros".
Ele citou parcerias que as redes sociais firmaram, por exemplo, com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e afirmou que a audiência acontece "num momento marcado pelo maior amadurecimento e reflexão por parte das instituições nacionais e estrangeiras e das próprias entidades privadas".
Toffoli disse ainda que houve o aumento da depressão e suicídio entre adolescentes e citou os ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro deste ano.
Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news (cercado de controvérsias desde a sua instalação), disse que o modelo atual de regulação das redes é "absolutamente ineficiente", "falido" e "destrói reputações e destrói dignidades".
Ele disse ainda que as plataformas foram instrumentalizadas no dia 8 de janeiro.
Outros ministros presentes na audiência, como Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, também se manifestaram a favor da regulação das plataformas, como já haviam feito antes.
Gilmar disse que os ataques de 8 de janeiro têm relação com o "uso abusivo da internet", e Barroso acrescentou que há sérias ameaças à democracia e aos direitos fundamentais em discursos de ódio e teorias da conspiração proliferados na internet.
Também se manifestaram neste sentido os ministros Flávio Dino (Justiça), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Silvio Almeida (Direitos Humanos).
Silvio disse que o momento atual é "extremamente grave" e que, nesta segunda (27), "vimos o exemplo do que significa dissociar democracia de liberdade e responsabilidade".
"Tiroteios em escolas dos Estados Unidos, ataques em escolas do Brasil, todos estes planejados e estimulados por meio de redes sociais", disse ele, em associação ao ataque em uma escola na Vila Sônia, na zona oeste paulistana.
O Facebook Brasil foi representado na audiência pelo advogado Rodrigo Ruf, que disse que a empresa é contra a declaração de inconstitucionalidade do artigo 19, "nada obstante apoie o salutar debate sobre regulação complementar".
Segundo ele, a Meta (dona do Facebook e Instagram) tem investido bilhões de dólares para o cumprimento dos seus termos de uso e políticas, e "deu imediato cumprimento a centenas de ordens judiciais dos tribunais superiores, inclusive no contexto das investigações dos atos criminosos de 8 de janeiro".
"Apenas durante o primeiro turno das eleições, a Meta rejeitou cerca de 135 mil anúncios eleitorais. Foram removidos mais de 3 milhões de conteúdos no Facebook e no Instagram por violações às políticas que vedam o conteúdo violento, de incitação à violência e discursos de ódio, números para o Brasil, entre agosto de 2022 e janeiro de 2023", afirmou Ruf em sua manifestação.
Estas postagens incluíam temas como pedidos de intervenção militar e demais tentativas de subversão do estado democrático de direito. Mais de 3 milhões desse tipo de conteúdo foram proativamente removidos pela Meta. Sem qualquer necessidade de intervenção judicial."
Segundo a falar, Guilherme Sanchez, advogado do Google, disse que somente no Brasil em 2022 o YouTube removeu mais de um milhões de vídeos que violavam as políticas da empresa contra desinformação, discurso de ódio, violência, assédio e segurança infantil.
"Esse número contrasta com uma quantidade muito menor de requisições judiciais para a retirada de conteúdo", afirmou.
"Responsabilizar plataformas digitais, como se elas próprias fossem as autoras do conteúdo que hospedam ou exibem, levaria a um dever genérico de monitoramento de todo o conteúdo produzido pelas pessoas. Isso iria desnaturar inteiramente o ambiente plural da internet e criar uma pressão para remover qualquer discurso minimamente controverso."
Nas últimas semanas, ministros do Supremo têm insistido no discurso sobre a necessidade de uma regulamentação das redes sociais para evitar a proliferação de conteúdo de desinformação.
No último dia 7, o decano do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a regulação das redes sociais deve ser feita o quanto antes e que as condições para que isso aconteça foram fortalecidas após os ataques golpistas de 8 de janeiro.
"É urgente a disciplina das redes sociais", afirmou ele, em um evento. "É fundamental que as plataformas sejam responsabilizadas pelas suas ações ou pelas suas omissões", acrescentou o ministro do Supremo.
Antes, Barroso também havia defendido em conferência na Unesco a responsabilização das plataformas da internet antes de ordem judicial em casos de conteúdo que sejam incitação a crimes, terrorismo e pornografia infantil.
No Congresso, também tramita um projeto de lei que trata do tema, apelidada de Lei das Fake News. O Executivo também negocia uma proposta a ser incorporada ao projeto de lei.
ENTENDA O QUE ESTÁ EM DEBATE
Qual o debate sobre a regulação das redes sociais?
Sob o impacto dos atos golpistas do 8 de janeiro, o governo Lula elaborou proposta de medida provisória que obriga as redes a removerem conteúdo que viole a Lei do Estado Democrático, com incitação a golpe, e multa caso haja o descumprimento generalizado das obrigações. Diante da resistência do Congresso, o Planalto recuou e discute incluir essas medidas do PL 2630, o chamado PL das Fake News.
O que é o Marco Civil da Internet?
É uma lei com direitos e deveres para o uso da internet no país. O artigo 19 do marco isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados pelo conteúdo de terceiros, ou seja, elas só estão sujeitas a pagar uma indenização, por exemplo, se não atenderem uma ordem judicial de remoção. A constitucionalidade do artigo 19 é questionada no STF.
Qual a discussão sobre esse artigo?
A regra foi aprovada com a preocupação de assegurar a liberdade de expressão. Uma das justificativas é que as redes seriam estimuladas a remover conteúdos legítimos com o receio de serem responsabilizadas. Por outro lado, críticos dizem que a regra desincentiva as empresas e combater conteúdo nocivo.
A proposta do governo impacta o Marco Civil? O entendimento é que o projeto abra mais uma exceção no Marco Civil. Hoje, as empresas são obrigadas a remover imagens de nudez não consentidas mesmo antes de ordem judicial. O governo quer que conteúdo golpista também se torne uma exceção à imunidade concedida pela lei, mas as empresas não estariam sujeitas à multa caso um ou outro conteúdo violador fosse encontrado na plataforma.
Como o Congresso tem reagido à discussão?
Parte do Legislativo critica a proposta do Planalto por acreditar que a responsabilização levaria as empresas a se censurarem para evitar sanções. Além disso, são estudadas medidas como a criação de um órgão regulador para as plataformas e a imunidade parlamentar nas redes, ponto defendido por Arthur Lira, presidente da Câmara.