De acordo com o The Intercept Brasil, Deltan Dellagnol e ex-juiz colaboraram extra-oficialmente em acusação do ex-presidente Lula
Moro diz que não há ‘anormalidade’ em sua atuação como juiz
Por iG São Paulo
Série de matérias afirma que Deltan tinha dúvidas sobre a consistência das provas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Uma reportagem do jornal The Intercept Brasil revelou neste domingo (9) trocas de mensagens de integrantes da força-tarefa da Lava Jato e diálogos entre o procurador Deltan Dellagnol e o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, entre 2015 e 2018. Em nota divulgada após as reportagens, procuradores do MPF disseram ter sido alvo de uma invasão hacker e que as conversas foram descontextualizadas.
Entre as principais conversas estão as que dizem respeito à atuação do Ministério Público Federal e do então juiz da primeira instância quando ainda era o responsável por julgar os casos da operação referentes a desvios da Petrobras, incluindo o caso do tríplex tido como propina atribuída ao ex-presidente Lula.
Segundo a publicação, as mensagens indicam que Moro teria atuado junto ao MPF, dando conselho aos procuradores, interferindo na ordem das operações da força-tarefa e até indicando fontes que pudessem incriminar os investigados.
Em um dos trechos mais marcantes da reportagem, o juiz Sergio Moro teria tentado intervir na condução da Lava Jato, em fevereiro de 2016. "Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejada (sic)". Apesar de alegar problemas logísticos para acatar a sugestão, Dellagnol esteve à frente da Operação Acarajé no dia seguinte, a 23ª fase da Lava Jato.
Outra cobrança do juiz veio seis meses depois, mesmo sem oficialmente poder intervir na investigação. "Não é muito tempo sem operação?", ao que o procurador respondeu
"É sim". Três semanas depois, uma nova fase da operação estava na rua.
Agentes da PF em Operação da Lava Jato - maior esquema de corrupção da Historia
A relação de "união" construída entre Moro e Dellagnol fica mais evidente em dois episódios de 2017. O primeiro, quando do primeiro depoimento, em Curitiba, de Lula já como réu, cuja defesa pediu adiamento e o MPF teria considerado o pedido mesmo diante de um forte esquema especial de segurança montado para o momento, ao qual o juiz disparou: "Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando”, seguido de "Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem".
Num segundo momento, Dellagnol explica pedido feito pelos procuradores para o juiz, alegando que Moro "ficasse à vontade para indeferir: "De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia", escreveu. O então juiz responde: "Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo".
Além disso, a reportagem sugere que Dellagnol tinha dúvidas sobre a consistência das provas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dias antes de apresentar a primeira denúncia contra o petista, que ficou conhecida como caso triplex.
Ele apresentou inseguranças quanto à argumentação que apresentaria, o que mudou após receber a reportagem de O Globo "Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado" e pedir para que a equipe entrasse em contato com a autora, Tatiana Farrah, para pedir suas fontes no caso. E disse: “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso.” A reportagem a qual ele se referia – “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado.”
A ação sobre o apartamento no Guarujá fez com que Lula fosse preso em Curitiba no dia 7 abril do ano passado em razão da condenação em segunda instância. Em abril deste ano, o petista teve a pena reduzida pelo STJ, de 12 anos e 1 mês para 8 anos e 10 meses. Nos próximos dias, a defesa do ex-presidente deve pedir progressão de regime de pena .
Outro trecho da reportagem questiona a imparcialidade dos procuradores, uma vez que, por meio de mensagens, o grupo teria lamentado a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski em autorizar Lula de conceder entrevistas da cadeia antes das eleições 2018. A decisão, no entanto, foi derrubada pelo ministro Luiz Fux, após um pedido do Partido Novo, fato que teria sido comemorado pelos procuradores.
Outro lado
De acordo com o editorial do The Intercept Brasil , os envolvidos nas reportagens só foram procurados para comentar o caso após a publicação, neste domingo (9), pelo temor de que medidas legais fossem tomadas para impedir a publicação do conteúdo.
A força-tarefa da Lava Jato foi a primeira a se pronunciar sobre o assunto e considerou a questão como um "ataque criminoso" ao trabalho dos procuradores, além de alegar que expõe a segurança dos profissionais. "Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação", escrevem os procuradores.
Na nota, a força-tarefa critica não ter sido procurada para prestar esclarecimentos antes da divulgação da matéria. "Os procuradores da Lava Jato em Curitiba mantiveram, ao longo dos últimos cinco anos, discussões em grupos de mensagens, sobre diversos temas, alguns complexos, em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto. Vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras. Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas. A força-tarefa lamenta profundamente pelo desconforto daqueles que eventualmente tenham se sentido atingidos", diz a nota ( veja a íntegra ao fim da matéria ).
Mais tarde, o ministro Sérgio Moro também se pronunciou sobre o caso. Ele também repudiou o fato de não ter sido procurado pelo jornal para dar explicações e lamentou que a reportagem não tenha divulgado a fonte que forneceu as conversas. Em seguida, minimizou o vazamento das mensagens.
“Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato", disse Moro, em nota.
VazaJato
Após a publicação do especial sobre as trocas de mensagem envolvendo os procuradores, intitulada de "As conversas secretadas da Lava Jato", o assunto chegou ao topo dos TrendingTopics do Twitter. Os leitores passaram a identificar o caso como #VazaJato e políticos, a exemplo do ex-candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad, já se pronunciaram sobre o assunto.
“Podemos estar diante do maior escândalo institucional da história da República. Muitos seriam presos, processos teriam que ser anulados e uma grande farsa seria revelada ao mundo. Vamos acompanhar com toda cautela, mas não podemos nos deter. Que se apure toda a verdade!”, escreveu Haddad, no Twitter.
"As revelações do @TheInterceptBr deixam explícitas as relações ilegais e espúrias entre o Juiz Sérgio Moro e os Procuradores da Lava Jato com destaque para Deltan Dalagnol. Uma fraude jurídica construída para condenar Lula sem crime e sem provas e impedir sua eleição para Presidente", afirmou a ex-presidente Dilma Rousseff.
Íntegra da nota da força-tarefa da Lava Jato
"A força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná (MPF/PR) vem a público informar que seus membros foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes.
A ação vil do hacker invadiu telefones e aplicativos de procuradores da Lava Jato usados para comunicação privada e no interesse do trabalho, tendo havido ainda a subtração de identidade de alguns de seus integrantes. Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho.
Dentre as informações ilegalmente copiadas, possivelmente estão documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes da força-tarefa e de suas famílias.
Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação.
Contudo, há três preocupações. Primeiro, os avanços contra a corrupção promovidos pela Lava Jato foram seguidos, em diversas oportunidades, por fortes reações de pessoas que defendiam os interesses de corruptos, não raro de modo oculto e dissimulado.
A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado e se coaduna com o objetivo de obstar a continuidade da Operação, expondo a vida dos seus membros e famílias a riscos pessoais. Ninguém deve ter sua intimidade – seja física, seja moral – devassada ou divulgada contra a sua vontade. Além disso, na medida em que expõe rotinas e detalhes da vida pessoal, a ação ilegal cria enormes riscos à intimidade e à segurança dos integrantes da força-tarefa, de seus familiares e amigos.
Em segundo lugar, uma vez ultrapassados todos os limites de respeito às instituições e às autoridades constituídas na República, é de se esperar que a atividade criminosa continue e avance para deturpar fatos, apresentar fatos retirados de contexto, falsificar integral ou parcialmente informações e disseminar “fake news”.
Entretanto, os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais. A atuação sórdida daqueles que vierem a se aproveitar da ação do “hacker” para deturpar fatos, apresentar fatos retirados de contexto e falsificar integral ou parcialmente informações atende interesses inconfessáveis de criminosos atingidos pela Lava Jato.
Por fim, os procuradores da Lava Jato em Curitiba mantiveram, ao longo dos últimos cinco anos, discussões em grupos de mensagens, sobre diversos temas, alguns complexos, em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto. Vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras. Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas. A força-tarefa lamenta profundamente pelo desconforto daqueles que eventualmente tenham se sentido atingidos.
Diante disso, em paralelo à necessária continuidade de seu trabalho em favor da sociedade, a força-tarefa da Lava Jato estará à disposição para prestar esclarecimentos sobre fatos e procedimentos de sua responsabilidade, com o objetivo de manter a confiança pública na plena licitude e legitimidade de sua atuação, assim como de prestar contas de seu trabalho à sociedade.
Contudo, nenhum pedido de esclarecimento ocorreu antes das publicações, o que surpreende e contraria as melhores práticas jornalísticas. Esclarecimentos posteriores, evidentemente, podem não ser vistos pelo mesmo público que leu as matérias originais, o que também fere um critério de justiça. Além disso, é digno de nota o viés tendencioso do conteúdo até o momento divulgado, o que é um indicativo que pode confirmar o objetivo original do hacker de, efetivamente, atacar a operação Lava Jato.
De todo modo, eventuais críticas feitas pela opinião pública sobre as mensagens trocadas por seus integrantes serão recebidas como uma oportunidade para a reflexão e o aperfeiçoamento dos trabalhos da força-tarefa.
Em paralelo à necessária reflexão e prestação de contas à sociedade, é importante dar continuidade ao trabalho. Apenas neste ano, dezenas de pessoas foram acusadas por corrupção e mais de 750 milhões de reais foram recuperados para os cofres públicos. Apenas dois dos acordos em negociação poderão resultar para a sociedade brasileira na recuperação de mais de R$ 1 bilhão em meados deste ano. No total, em Curitiba, mais de 400 pessoas já foram acusadas e 13 bilhões de reais vêm sendo recuperados, representando um avanço contra a criminalidade sem precedentes. Além disso, a força-tarefa garantiu que ficassem no Brasil cerca de 2,5 bilhões de reais que seriam destinados aos Estados Unidos.
Em face da agressão cibernética, foram adotadas medidas para aprimorar a segurança das comunicações dos integrantes do Ministério Público Federal, assim como para responsabilizar os envolvidos no ataque hacker, que não se confunde com a atuação da imprensa. Desde o primeiro momento em que percebidas as tentativas de ataques, a força-tarefa comunicou a Procuradoria-Geral da República para que medidas de segurança pudessem ser adotadas em relação a todos os membros do MPF. Na mesma direção, um grupo de trabalho envolvendo diversos procuradores da República foi constituído para, em auxílio à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR, aprofundar as investigações e buscar as melhores medidas de prevenção a novas investidas criminosas.
Em conclusão, os membros do Ministério Público Federal que integram a força-tarefa da operação Lava Jato renovam publicamente o compromisso de avançar o trabalho técnico, imparcial e apartidário e informam que estão sendo adotadas medidas para esclarecer a sociedade sobre eventuais dúvidas sobre as mensagens trocadas, para a apuração rigorosa dos crimes sob o necessário sigilo e para minorar os riscos à segurança dos procuradores atacados e de suas famílias."
Moro diz que não há ‘anormalidade’ em sua atuação como juiz
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, publicou uma nota na qual criticou os ataques feitos por hackers ao seu celular e aos de procuradores da República que atuam nas forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba e no Rio de Janeiro.
Neste domingo, dia 9, o site The Intercept Brasil divulgou o suposto conteúdo de mensagens trocadas por integrantes do Ministério Público Federal. Em nota, o ministro lamentou a invasão, criticou a falta de identificação da pessoa responsável por hackear e a postura do site, que não entrou em contato com ele antes da publicação do conteúdo.
Veja a íntegra da nota:
“Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo.
Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato.”