Mesmo enfrentando obstáculos diversos, rompendo interesses politiqueiros cotidianos, Porto Nacional, gritando alto por amparo, ainda é o tambor de ressonância cultural do Estado do Tocantins. Prova disso são os poetas, músicos, compositores, cantadores, cantores, compositores, atores e escritores independentes que, guiados pela persistência, entregam seus trabalhos artísticos diariamente ao deleite de uma sociedade acostumada a enriquecer seus princípios humanísticos através da arte. Mas, abalada nas suas estruturas de conhecimento e, inquieta, esta secular coletividade observa os agentes públicos do momento, confundir barraquinhas de venda de petiscos e bebidas, tendas gigantescas a cobrir o vazio das conveniências políticas, e a realização de contratos milionários com estrutura e artistas do “oco do mundo”, como se tudo isso significasse um tratado voltado para fortalece a cultura do município.
Por Edivaldo Rodrigues
Município esse que abriga uma sociedade centenária, guiada através da linha do tempo, pelos ensinamentos dos frades dominicanos, que aportaram em Porto Nacional por volta de 1886, oriundos do Castelo Medieval de São Maximin, no Norte da França, onde desde o século XI, os filhos de São Domingos, buscaram espalhar o conhecimento pelos quatro cantos do mundo, o que ocorreu nessas terras de Felix Camoa, onde uma oficina de forjar pensadores foi implementada em forma de escolas que moldou inteligências como o Professor Durval Godinho, um expressivo líder político e renomado escritor, que agora é espelho para seu filho Renato Godinho, que como o pai, enveredou pelo mundo mágico da literatura e, nos presenteia neste instante, com o celebrado romance “O Segredo do Padre”, um texto leve e costurado com os fios de um novelo, que a cada desenrolar, nos apresenta muitas portas que abertas, nos leva a um mundo contagiante, descrito por histórias, estórias e causos envolvendo personagens de vivencia e convivência em um sociedade agarrada a hipocrisia.
Uma obra nascida da angustia do isolamento
O mais novo escritor portuense, Renato Godinho, (foto) que lançou sua maravilhosa obra literária numa concorrida solenidade na sede da OAB – Seccional Porto Nacional, ainda no principiar de abril, livro que agora já se constituiu num marco da literatura portuense, nos revela que seu romance nasceu no período da pandemia, e a angústia do isolamento lhe proporcionou uma viagem na linha do tempo para elaborar personagens tão intensas. “A história que nasceu dessa minha angústia mostra um enredo que tem o Brasil Imperial como cenário de fundo, onde dois personagens principais, movimentam toda a trama, isso claro, sustentados por estórias e causos paralelos”, destaca o autor.
Ainda segundo ele, os personagens principais do romance se apresentam como uma jovem e bela mulher escravizada e um padre, também jovem, sem vocação sacerdotal, que só o é, por falta de outra opção. “Esse amor proibido entre os dois e as recordações da infância de ambos, conduz o leitor por um caminhar que o leva a abrir as portas do descobrir, elevando os nossos escritos à condições surpreendentes”, garante Godinho, que ainda revela que os mundos desse dois personagens são limitados: a escravidão em relação a bela mulher e, o vínculo sacerdotal do padre, e indaga: “Poderão os dois serem felizes?”
Prefaciando
Segundo o professor e escritor Valtênio Paes de Oliveira, responsável pelo prefácio de “O Segredo do Padre”, o literato em questão elabora uma obra alicerçada por um enredo que parte de histórias e história imperial em ficção numa sociedade que aceitava a desigualdade social como “norma”, e cobra fortemente a postura de seus integrantes. Para ilustrar essa tese, ele destaca o dilema de alguns personagens da trama, que relutam vivenciar escolhas, como por exemplo assumir o sacerdócio religioso e descumprir o celibato. “Essa opção certamente não acalenta os interesses daquela coletividade de então”, aponta o professor.
E ele segue desenrolando o enredo do livro “O Segredo do Padre”: “Os anseios dos personagens Lindomar pela busca do rompimento do poder escravocrata, a ira de Joaquim Carneiro, e os diálogos do padre com Lindomar permeiam a preocupação do leitor em encontrar a relação do padre numa sociedade imperial”, destaca Valtênio Paes, revelando ainda: “O autor nos permite uma viagem pelas cercanias de Goiás, na Vila Nossa Senhora da conceição. Amparo militar, relações familiares, influência religiosa emolduram o cenário apetitoso de deleite literário. Causos que viajam do padre ao rezador, da fogueira ao rio, da traquinagem ao trágico. Tudo isso permeia esse grande romance, instigando o apego do leitor”, revela, anotando em seguida: “As peripécias dos personagens contrastando com o poema, as estripulias de crianças, fermentam o enredo cujo segredo somente será desvendado com a leitura da obra”, conclui o autor do prefácio.
O princípio de tudo
Seminário São José em Porto Nacional
Em reafirmação ao terceiro parágrafo desse texto, é preciso consolidar a tese em questão, trazer à luz do debate a importância da estrutura educacional implantada pelos religiosos franceses em Porto Nacional, naquela segunda metade do século XIX. Tanto os frades dominicanos, que por aqui chegaram em 1886, quanto as irmãs dominicanas recebidas nas terras portuenses em 1904, fortaleceram a sociedade portuense com os princípios doutrinários da fé católica, também com os ricos ensinamentos humanísticos disseminados no Continente Europeu, além de uma moderna e transformadora grade curricular implantadas nas escolas que aqui fundaram.
Essas iniciativas educacionais e de fé cristã permitiram a sociedade portuense, através dos expressivos ensinamentos dos religiosos franceses, o contato cotidiano com o teatro, a poesia, a música, as práticas cientificas em laboratórios, além dos métodos de aprendizagem rápidas em idiomas como o latim, o francês, o espanhol e o inglês. Com largo conhecimento em engenharia e arquitetura construíram a Catedral de Nossa Senhora das Mercês, o Seminário São José e o Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Foi dessa ebulição religiosa, cultural e educacional, num processo histórico de expressividade revolucionária, que se moldou a sociedade portuense que vivenciamos agora. Do Seminário São José, do Colégio Sagrado Coração de Jesus, e das várias escolas em funcionamento em Porto Nacional, enriquecidas com os ensinamentos dos religiosos franceses, é que se moldou a juventude rebelde, os grandes pensadores, as lideranças dos vários seguimentos sociais, os poetas, os cantadores, os cantores, os músicos, os poliglotas, e os escritores como o renomado literato Durval Godinho, tronco de uma árvore genealógica com a capacidade de frutificar o agora celebrado escritor Renato Godinho, que faz brilhar ainda mais Porto Nacional a Capital da Cultura do Estado do Tocantins.
Trechos do livro “O Segredo do Padre”
“... certa vez li em um livro, não me recordo mais o titulo e do autor, que afirma: ‘Quem cometer uma injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado’. Concordo! Certamente que é realmente um infeliz. Sua paga virá de Deus...”
“...o meu antigo proprietário não se sentia culpado pela escravidão dizendo que: ‘não escravizou ninguém, todos já vieram escravos’. Para ele, tudo poderia ser justificado pela lei divina, posto que, quem ditava as leis o fazia sobre a orientação de deus...”
Sobre o autor
Renato Godinho, nasceu em Porto Nacional, em 12 de julho de 1960, onde reside. É filho do saudoso e icônico escritor, político e professor Durval Godinho, e de Albertina Pereira. Estudou no então Colégio Estadual da cidade portuense, e depois mudou-se para Goiânia, com o propósito de completar seus estudos. Formou-se em Direito, e especializou em Direito Civil pela Universidade Sul de Santa Catarina – UNISUL, e concluiu Doutorado pela Universidaddel Museo Social Argentino – UMSA. Hoje, é professor universitário aposentado, advogado em Porto Nacional e escritor.