Em uma longa entrevista publicada neste sábado na revista Época, o procurador do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, dá a sua versão dos fatos sobre vários assuntos, desde os supostos diálogos vazados, a sua relação com o ex-juiz Sergio Moro e a possibilidade de ser afastados do cargo. Confira os trechos.
Por Gazeta do Povo
Supostas conversas vazadas
Apesar de ressaltar que as supostas conversas vazadas têm origem criminosa e estão sendo usadas de modo descontextualizado, Deltan afirma que elas servem como "reação contra as investigações que atingiram pessoas poderosas e interesses poderosos". A corrupção reagiu segundo o procurador. "Tivemos a expectativa de que a Justiça poderia se impor e poderia dobrar o sistema de corrupção. Esse sistema foi dobrado, mas não foi quebrado", avalia.
Segundo o procurador, várias supostas mensagens "contrastam com a realidade comprovada". "Por exemplo, houve uma suposta mensagem que falaria de uma busca e apreensão que jamais aconteceu. A busca e apreensão do Jaques Wagner, que jamais aconteceu. Existiriam supostas mensagens que falariam — ou que foram descontextualizadas e deturpadas — sobre o afastamento de uma procuradora, da Laura ( Tessler ), de um caso. Procuradora extremamente competente e diligente, que havia atuado em uma audiência do caso Palocci", explica.
Além de não reconhecer os diálogos, Deltan trata as conversas como fofocas: "A grande questão é: tudo que a gente faz é registrado publicamente em atos, em manifestações, petições, que têm por base os fatos, as provas e a lei. O que está errado? Qual o ato errado? Não surgiu um ato que foi apontado até agora como ilegal, como ilícito ou ilegítimo. O que vemos é muita fofoca, muita criação de polêmica em cima de descontextualizações, deturpações feitas a partir de mensagens de origem criminosa".
Investigação contra o STF
O procurador nega que a Lava Jato tenha investigado os ministros do STF, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. "Não existe nenhum ato. Essas acusações não têm base na realidade. Elas contrastam com a realidade", afirma Deltan. Questionado se a força-tarefa investigou autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, Dallagnol disse que, nesses casos, o material coletado sempre foi encaminhado ao STF e à PGR, as autoridades competentes para tratar do assunto.
"Você está investigando um empresário, coleta documentos e, lá no meio desses documentos, folheando as páginas, encontra uma lista indicando pagamentos a pessoas. Só que você não consegue identificar quem são aquelas pessoas porque existem apenas iniciais. Então busca compreender aquele documento, verificando os endereços que constam nos documentos, por exemplo. E passa a identificar, a partir dessa verificação, que aquelas iniciais daqueles nomes que estão no documento se referem a pessoas com foro privilegiado. Assim que isso é identificado, você remete para a instância superior. Isso não é investigar pessoas com foro. Isso é seguir a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre esse assunto", explica Deltan.
Impeachment de Gilmar Mendes
Deltan disse ainda que "nunca chegou nenhuma informação concreta, indício ou elemento que apontasse uma vinculação entre essa conta no exterior e o ministro Gilmar Mendes". "Existia, sim, uma especulação pública de proximidade do ministro Gilmar Mendes e figuras do PSDB. E Paulo Preto era um apontado como operador do PSDB. Agora, o que existia publicamente eram especulações, e nada de concreto, real ou palpável", afirma o procurador.
Dallagnol conta que a força-tarefa sugeriu à PGR um "pedido de suspeição de Gilmar Mendes" e chegou a estudar se o ministro do STF cometeu "infrações político-administrativas" que pudessem justificar a abertura de um processo de impeachment. "Como é público, não fizemos", afirma Deltan.
Corrupção no Judiciário
Questionado por que a Lava Jato não investigou o poder Judiciário, Deltan respondeu que a operação não escolhe alvos. "Ela segue o caminho que as evidências e os indícios traçam para ela. Sempre que o caminho da investigação nos leva a pessoas com foro privilegiado, seja quem for, nós sempre adotamos as providências que deveríamos adotar. O que a gente faz é insistir para todos os candidatos à delação, à colaboração, que tragam todas as informações sobre todos os crimes de que eles tenham conhecimento. Independentemente do lugar em que esses crimes aconteceram. Seja em relação a congressistas, ministros, governadores, integrantes do Judiciário e Ministério Público. E isso é feito sempre em conjunto com a PGR, porque é ela que atua nesses casos".
Palestras
Dallagnol diz que nunca abriu empresa para realizar cursos ou palestras e que sempre prestou contas como pessoa física, "ainda que os tributos fossem maiores". Ele só chegou "a analisar as vantagens e a regularidade da eventual abertura de uma empresa. Agora, se fosse aberta, eu não seria o administrador".
Deltan afirma ainda que sempre doou "parte significativa" da remuneração de suas palestras, cerca de 50%, e "parte dos royalties de meu livro é reservada para atividades anticorrupção". O montante seria de R$ 300 mil, no ano passado. "Essas doações vão para crianças que sofreram abusos em casa, como no caso de uma entidade daqui de Curitiba, vão para crianças com câncer, como no caso do Hospital Erasto Gaertner, vão para projetos sociais, como o da Fundação Lia Maria Aguiar, para a Acridas (Associação Cristã de Assistência Social), redução de fome e miséria no Nordeste…", completa.
Afastamento do MPF
Sobre a possibilidade de ser afastado do Ministério Público Federal, Deltan avalia que isso vem de um "movimento de reação às investigações". "Não se trata de Deltan, se trata, sim, da independência que a gente quer dar e da proteção que a gente quer dar para um procurador poder fazer seu trabalho mesmo contra pessoas poderosas". "Trata-se de: o que nós queremos que aconteça com as pessoas que se dispõem a trabalhar sob risco, sob ameaças, sob pressões, sob grande carga de trabalho em grandes casos que envolvem interesses poderosos? Não se trata, de novo, de Deltan. Se trata de algo que pode ser desencadeado a partir de Deltan e atingir outras pessoas", afirma o procurador. "Aconteça o que acontecer, meu compromisso é de seguir fazendo tudo que está a meu alcance para servir à sociedade", completa.
Posicionamento ideológico
Deltan não revela em quem votou como presidente no ano passado e afirma que "entre os procuradores que hoje trabalham na força-tarefa, tivemos pessoas que votaram em diferentes linhas do espectro ideológico", inclusive alguns votaram no PT. "Então, o que temos visto é uma deturpação de supostas mensagens para formular acusações que não batem com a realidade. A Lava Jato, apenas na colaboração da Odebrecht, implicou 26 partidos políticos", lembra o procurador.
Relacionamento com Sergio Moro
"Temos um relacionamento profissional de longa data, que não é um relacionamento íntimo", diz Deltan sobre Sergio Moro. "Não temos uma amizade íntima. E, dentro desse relacionamento profissional, é natural que você faça contatos eventuais sobre assuntos de interesse público". Ele disse ainda que os dois mantiveram contato ao longo desse ano para falar do pacote anticrime, mas isso ocorreu antes do vazamento das supostas conversas.
Em relação aos contatos que o procurador e o juiz mantiveram durante a operação Lava Jato, Dallagnol diz que eles sempre foram guiados pela lei e pela ética. "Nunca frequentei a casa dele e ele nunca frequentou minha casa", explica. "Não ia a aniversários da família dele, ele não foi ao meu casamento, então não existe uma amizade íntima", afirma.
Moro chefe da força-tarefa
As acusações sobre o ex-juiz Sergio Moro ser o verdadeiro chefe da força-tarefa, segundo Dallagnol não se sustenta. "Não é compatível com o fato de que ele absolveu mais de 20% dos acusados. Essa hipótese não é compatível com o fato de que nós recorremos de 44 ou de 45 decisões, com o fato de que ele indeferiu centenas de pedidos do Ministério Público. E mais: com o fato de que surgiram essas supostas mensagens em relação a cerca de 15 nomes de mais de 450 acusados. E não é compatível ainda com o fato de que praticamos, só em 2018, aqui, na força-tarefa, mais de 36 mil atos. Então, essa hipótese de que era um juiz comandante, ela não se sustenta também diante dos fatos"."