Por Almir Pazzianotto Pinto *
Acredito que todos já ouviram falar do camaleão. Trata-se de pequeno lagarto da família dos répteis, encontrado na Europa, na Ásia, na África, no México, no Brasil. Está presente nos diversos países dos cinco continentes.
A característica desta espécie do reino animal consiste na capacidade de mudar de cor para se adaptar a diferentes ambientes. Altera do amarelo ao verde, ao vermelho, segundo a necessidade ou conveniência. Com língua longa, pegajosa e flexível, é capaz de capturar vítimas a considerável distância.
Outro animal dotado de recursos de camuflagem é o polvo, sobre o qual escreveu o Padre Antônio Vieira: “O polvo, com o seu capelo, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar” (Sermão de Santo António, 1654, Sermões, vol. VII, Ed. Lello & Irmão, Porto, 1959, página 275).
No plano político, o Brasil pode ser considerado a República de camaleões. A leviandade que caracteriza o regime pluripartidário, financiado pelo Fundo Partidário e enriquecido graças ao dinheiro destinado ao financiamento de campanha, afastou homens e mulheres de bem, temerosos do contágio, para abrir espaço a camaleões e polvos exploradores da política como vulgar balcão de negócios.
A decadência a que estamos condenados traz à memória a imagem de Portugal, tal como a desenharam Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão em Uma Campanha Alegre: “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres, corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos” (Obras Completas, Lello & Irmão, Porto, vol. III, página 959).
Arquétipo da política brasileira pós-1988 é Gilberto Kassab. Lançado na vida pública por Paulo Maluf e Guilherme Afif Domingos, elegeu-se vereador em São Paulo pelo Partido Libertador (PL), em 1992. Abandonou o PL em 1995, para se filiar ao Partido da Frente Liberal (PFL), fundado em 1985 e sucedido pelo Democratas (DEM). Por esse partido, Kassab foi secretário de Planejamento da Prefeitura na gestão do prefeito Celso Pitta.
Em 2004, aliou-se ao PSDB para colaborar com José Serra na disputa da Prefeitura, como vice-prefeito. Em março de 2011, arregimentou dissidentes do DEM, do PSDB e do PPS e fundou o Partido Social Democrático (PSD), “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, como declarou na ocasião.
Na Wikipédia – Enciclopédia Livre, aberta à consulta dos interessados, pode-se ler síntese não desmentida da biografia de Gilberto Kassab. Sugiro que a consultem. Entre cargos de grande relevância, foi ministro das Cidades de Dilma Rousseff. Renunciou em 18 de abril de 2016, pouco antes da decretação do impeachment, “visto que ele já tinha acertado com Michel Temer uma posição no futuro governo”, do qual se tornou ministro da Ciência e Tecnologia.
Gilberto Kassab sofreu denúncias por improbidade administrativa. Em 2010, viu-se acusado, com a vice-prefeita Alda Marco Antônio, de financiamento ilegal de campanha e, em 2014, da contratação irregular de empresa terceirizada para efetuar inspeção veicular. Em todos os casos, foi absolvido por insuficiência de provas. O seu último cargo de confiança foi o de secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo. Afastou-se, voluntariamente, para se defender de acusações de corrupção, nepotismo e tráfico de influência.
Ser camaleão parece-me repulsivo, mas não é crime. Há quem o considere justificável, diante das características singulares da política brasileira. Trata-se, contudo, de reprovável costume estimulado pela inexistência dos requisitos de integridade de caráter e reputação ilibada no Código Eleitoral e na Lei Orgânica dos Partidos Políticos. O presidente Jair Bolsonaro, habituado a frequentes mudanças de legendas, também é honorável membro da família dos chamaeleonidiae, cuja expansão se deve à indiferença do lumpen-eleitorado.
A prática, não usual antes de 1964, se revelou frequente com o pluripartidarismo e a redemocratização. Criados no governo Castelo Branco, Arena e MDB não tiverem o tempo necessário para acumularem tradições. Recordo-me das defecções na bancada estadual do MDB, em 1979, provocadas pelo governador Paulo Maluf, da Arena. As legendas fundadas após 1985 são volúveis e os dirigentes, em expressiva maioria, insaciáveis na busca, a qualquer custo, de dinheiro e poder. Inquéritos policiais e denúncias formuladas pelo Ministério Público são frequentes. De hábito, todavia, prevalece a impunidade.
Gilberto Kassab almeja ser o fiel da balança na Câmara dos Deputados e no Senado. Para alcançar os objetivos, quando necessário, será polvo ou será camaleão.
*ADVOGADO, AUTOR DE ‘A FALSA REPÚBLICA’, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO