PF afirma que polêmica com Gilmar atrapalhou investigação

Posted On Sexta, 04 Outubro 2019 13:42
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A ação da PF resultou, na última quarta (3), na prisão do auditor Marco Aurélio Canal, que era supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato
POR ITALO NOGUEIRA

A Polícia Federal afirmou que a polêmica gerada em torno de um auditor da Receita e do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), atrapalhou as investigações da Operação Armadeira, que apontou nesta semana um esquema para extorquir dinheiro de investigados na Lava Jato.

A ação da PF resultou, na última quarta (3), na prisão do auditor Marco Aurélio Canal, que era supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato -grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal.

Canal teve seu nome citado em fevereiro deste ano no caso de dossiês elaborados pela Receita sobre 134 agentes públicos, incluindo Gilmar Mendes, tornando-se o estopim de uma crise do ministro do Supremo com os procuradores do Rio de Janeiro.

O relatório final da Operação Armadeira, assinado pela delegada Paula Cibulski, diz que Canal e outros alvos reduziram a quantidade e a duração das chamadas telefônicas convencionais -sem uso de aplicativos de voz- após ele se tornar alvo das críticas de Gilmar Mendes.

"Foram seis períodos de interceptação telefônica que se mostraram consideravelmente complexos em razão da dificuldade em se identificar o número por meio do qual alguns investigados de fato se comunicavam, da postura precavida de não se comunicar, usualmente, por meio de ligações convencionais e do temor causado pelas notícias envolvendo Marco Aurélio Canal no caso do acesso a dados fiscais do ministro Gilmar Mendes e seus familiares", escreveu a delegada.

A PF então focou o monitoramento dos passos dos investigados com agentes nas ruas. Foi dessa forma, por exemplo, que a polícia identificou a intrincada rede de lavagem de dinheiro dos auditores suspeitos de extorquir investigados da Lava Jato.

O auditor se tornou pivô da polêmica entre Gilmar e o braço fluminense da força-tarefa da Lava Jato após seu nome ser identificado como destinatário dos documentos produzidos sobre o ministro e seus familiares.

Embora não atuasse nas investigações, mas nas autuações contra os alvos após as operações, seu envolvimento no caso levou o ministro a afirmar que a Receita fora usada pelos procuradores para investigá-lo irregularmente.

O ministro acusou os procuradores de usarem a Receita para "pistolagem" e "arapongagem". O Ministério Público Federal respondeu apontando "devaneios" de Gilmar.

"Tenho curiosidade de saber quem mandou a Receita fazer [a investigação]. O que se sabe é que quem coordenou essa operação é um sujeito de nome Marco Aurélio da Silva Canal, chefe de programação da Lava Jato do Rio de Janeiro", afirmou o ministro, em junho, à GloboNews. "Às vezes, querem atingir fazendo esse tipo de coisa. Estão incomodados com o quê? Com algum habeas corpus que eu tenha concedido na Lava Jato?"

Gilmar é relator da Lava Jato do Rio de Janeiro no STF e já concedeu habeas corpus a investigados na operação, como o empresário Eike Batista. O ministro também foi alvo de dois pedidos de suspeição por sugestão da equipe fluminense.

O procurador Almir Sanches, da força-tarefa fluminense, afirmou esperar, após a prisão de Canal, na última quarta, uma retratação do ministro do Supremo.

Ele disse que houve alarde e "diversas insinuações" em fevereiro, quando o tema dos dossiês veio à tona.

"As autoridades que fizeram essas ilações, que nós julgamos bastante descabidas, não tinham como saber que a investigação estava em curso. Mas também não tinham por que supor que membros do Ministério Público, do Judiciário ou da polícia estavam envolvidos com isso. Agora há um novo fato. Espera-se alguma retratação de acusações graves que foram feitas", disse o procurador.

As investigações da Armadeira começaram em novembro de 2018, sendo que Canal se tornou alvo em dezembro -antes, portanto, de seu nome se tornar público no caso dos dossiês.

Apesar do tempo sob monitoramento, Sanches afirmou que a apuração não detectou a movimentação do auditor na elaboração ou negociação de dossiês sobre autoridades. "Esse fato é estranho à nossa investigação", disse o procurador.

As investigações apontam que o supervisor atuou na cobrança de R$ 4 milhões para anular uma autuação contra a Fetranspor (federação das empresas de ônibus do Rio de Janeiro).

Canal foi citado pelo ex-presidente da entidade, Lélis Teixeira, que se tornou delator após ser preso na Operação Ponto Final.

O executivo diz ter se reunido com o auditor para discutir a autuação contra a federação. Na ocasião, ele afirmou que manteria a multa. Mas o delator afirma que a propina foi combinada após o encontro por meio do ex-auditor Elizeu Marinho, também preso.

Canal também tem envolvimento, segundo o Ministério Público Federal, na extorsão contra Ricardo Siqueira Rodrigues, réu delator na Operação Rizoma.

A investigação começou após Rodrigues, segundo a acusação, ser procurado por Marcial Pereira de Souza, analista da Receita, para discutir o pagamento de € 50 mil para evitar uma autuação fiscal. Canal era quem detinha a informação sobre a multa, dizem os procuradores.

O alvo, contudo, já havia se tornado delator. O Ministério Público Federal solicitou autorização para uma ação controlada na qual a negociação foi mantida e o pagamento realizado. Imagens do circuito interno de um restaurante mostram uma das reuniões de Rodrigues com o analista em novembro de 2018. O pagamento foi feito numa conta de um banco de Portugal.

O advogado Fernando Martins, responsável pela defesa de Marco Aurélio Canal, classificou a prisão como ilegal.

"Trata-se de mais uma prisão ilegal praticada no âmbito da Lava Jato, eis que de viés exclusivamente político, atribuindo a Marco Canal responsabilidades e condutas estranhas a sua atribuição funcional e pautada exclusivamente em supostas informações obtidas através de 'ouvi dizer' de delatores", disse, em nota.

Martins pediu ao juiz Marcelo Bretas para que o investigado não seja levado para Bangu 8, onde ficam os réus da Lava Jato, em razão de sua atuação nos procedimentos da operação.

(Italo Nogueira - FolhaPress)