Reynaldo Turollo Jr.
A corrida presidencial de 2022 tem várias singularidades, a começar pela enorme antecipação da campanha. Na prática, a definição dos nomes aconteceu quando o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocando-o de volta no jogo eleitoral, em abril de 2021. O petista não perdeu tempo e, desde então, trabalhou para cristalizar a tendência de polarização com Jair Bolsonaro. A menos de um mês das eleições, parece haver pouquíssima margem para viradas, mas uma personagem tem conseguido o feito de se destacar em meio aos dois favoritos, transformando-se na surpresa do momento. Mesmo com chances remotas de vitória, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) chama atenção com sua postura firme e equilibrada em sabatinas e no debate do qual participou (na Band, aliás, ela sagrou-se vitoriosa, de acordo com pesquisas). Como resultado, vem crescendo nas sondagens, como a mais recente BTG/FSB, na qual foi de 2% para 6%, enquanto os outros candidatos perderam pontos ou ficaram estáveis.
Ainda que sejam números modestos diante dos líderes, Tebet encostou no terceiro colocado, o candidato do PDT, Ciro Gomes, que está em campanha há muito mais tempo. Com isso, ela pode se transformar no nome mais bem colocado da terceira via (meta de sua equipe para os próximos dez dias), o que já é visto como uma vitória para uma política sobre a qual pairavam dúvidas até acerca da capacidade de a candidatura vingar, diante das divisões internas do MDB. “Eu saí do patamar do descrédito e entrei no patamar da possibilidade de furar a bolha da polarização. Hoje, 80% das pessoas nas ruas me conhecem e param para ouvir o que eu tenho a falar”, afirmou a candidata a VEJA na terça 6. Tebet havia acabado de participar de uma agenda com membros do Ministério Público Federal em Brasília, na qual uma procuradora a chamou de canto para dizer que sua filha tem grande admiração por ela — projeção que resultou do primeiro debate presidencial, quando a candidata enfrentou Bolsonaro e impôs o tema do respeito às mulheres reagindo ao tratamento dado pelo presidente a uma jornalista. “Muitas mães têm falado que eu sou inspiração para as filhas delas”, orgulha-se a candidata.
De fato, a performance de Tebet na TV teve impacto em diferentes segmentos do eleitorado, como mostra a comparação das pesquisas BTG/FSB de 22 de agosto (antes do horário eleitoral, da entrevista ao Jornal Nacional e do debate na Band) e do último dia 5. A senadora avançou nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste, nas capitais e nas cidades médias do interior (veja o quadro). Um levantamento interno do MDB já aponta Tebet com 12% em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Além disso, a candidata mais que dobrou a intenção de votos nela entre as mulheres (de 3% para 7%), mostrando que pode estar dando certo a sua estratégia de priorizar esse segmento, que representa 52% do eleitorado. Além de ter uma chapa 100% feminina (a vice é a também senadora Mara Gabrilli, do PSDB), ela tem insistido em reforçar a imagem de que sua candidatura representa o empoderamento da mulher e o combate ao machismo na política.
No feriado de 7 de Setembro, Tebet voltou a usar a tática ao criticar Bolsonaro por ter dito, ao lado de sua mulher, Michelle, que todo homem deveria buscar sua “princesa” e que o eleitor deveria comparar as primeiras-damas dos presidenciáveis. “Como brasileira e mulher, me sinto envergonhada e desrespeitada”, disse a emedebista. Por essas e outras atitudes, o presidente enfrenta enormes dificuldades em avançar nessa faixa do eleitorado. Rejeitado por 54% das mulheres, ele tem lançado mão cada vez mais de Michelle para tentar reverter o quadro (ao mesmo tempo, prejudica a estratégia ao tratá-la como “princesa”). Segundo os especialistas, além da postura misógina do capitão, o grupo das eleitoras foi o que mais perdeu emprego na pandemia — e identifica o presidente como o principal responsável pela tragédia. “As mulheres são o grupo que mais teve problemas de renda, que ficou cuidando dos filhos sem escola e sem internet”, diz a cientista política Carolina Botelho, do Mackenzie.
Os acertos de Tebet no diálogo com as mulheres e com outras fatias do eleitorado mexeram no tabuleiro político. Com o crescimento dela e a manutenção das intenções de voto em Ciro Gomes no patamar atual, a avaliação das campanhas adversárias e dos especialistas é que a eleição hoje está mais perto do que nunca de ir para o segundo turno, o que a emedebista comemora. Na visão dela, é um alento para os eleitores não precisar decidir agora “entre o ruim e o menos pior”, possibilitando que votem de acordo com sua consciência em outros nomes. Segundo o último levantamento da FSB, a soma das intenções de voto nos candidatos da terceira via subiu de 15% para 17%. Enquanto isso, os votos válidos em Lula caíram de 49% para 45%, tornando a vitória em primeiro turno mais distante.
O núcleo político da campanha petista sentiu o baque e, na terça-feira, se reuniu para discutir estratégias. Parte dos aliados de Lula queria uma ofensiva sobre os eleitores de Tebet e Ciro defendendo o voto útil no ex-presidente com o objetivo de derrotar Bolsonaro já no primeiro turno. Outra parte temia que essa ofensiva parecesse desrespeitosa com as candidaturas adversárias, podendo dificultar o apoio da emedebista e do pedetista em um eventual segundo turno. Prevaleceu o primeiro grupo. Ainda na terça, Lula foi ao Twitter com mensagens para tentar angariar votos no eleitorado de centro. Em paralelo, o petista redefiniu sua estratégia e partiu para ataques diretos a Bolsonaro (veja a reportagem na pág. 24).
A busca pelo voto útil ganhou respaldo entre alguns correligionários de Tebet, que desde o início têm criticado sua pretensão e embarcaram em outras candidaturas. “Do ponto de vista do Lula, é importante tentar esse apoio, com sutileza, sem conflitar com a terceira via”, defende o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que apoia o petista. A meta da equipe de Lula, segundo o ex-governador do Piauí e candidato ao Senado Wellinton Dias (PT), é focar em eleitores que dizem que ainda podem mudar sua intenção de voto e que têm Lula como primeira opção nesse caso. “A orientação da coordenação da campanha é ‘nada de já ganhou’. Mas acho que tem tudo para a vitória de Lula e Geraldo Alckmin no primeiro turno”, sustenta Dias. Já Tebet, confiante, afirma que a ofensiva do PT pelo voto útil é motivada pelo medo de que ela se consolide como a alternativa mais viável para os eleitores descontentes. “Aí o voto útil de quem não quer Bolsonaro nem Lula será em mim”, prevê.
Há sete anos no Senado, foi na CPI da Pandemia, em 2021, que Tebet ganhou notoriedade e impulso para buscar voos mais altos. Filha de Ramez Tebet, ex-governador de Mato Grosso do Sul, presidente do Senado (2001-2003) e ministro de FHC, ela entrou para a política em 2002 como deputada estadual, mas acompanha as atividades do pai desde criança, segundo conta. Em 2004, foi eleita a primeira prefeita de Três Lagoas, onde nasceu, e reeleita no pleito seguinte, com 76% dos votos. Deixou o mandato para ser vice-governadora de André Puccinelli (MDB). Em 2014, chegou ao Senado com 52% dos votos e tentou presidir a Casa por duas vezes, mas foi preterida por Calheiros.
Tebet destaca-se ainda por ser uma sobrevivente na máquina de moer políticos de centro. Em maio de 2021, a chamada terceira via, que já teve nada menos do que sete pré-candidatos, reunia 24% das intenções de voto, segundo o Datafolha. De lá para cá, ficaram pelo caminho o apresentador Luciano Huck, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, o empresário João Amoêdo, o ex-governador João Doria, o deputado Luciano Bivar e o ex-juiz Sergio Moro. Restaram Tebet, Ciro, Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe d’Avila (Novo), mas os dois últimos mal conseguem atingir 1 ponto nas pesquisas. Além disso, Tebet se projeta também como um novo nome dentro do olimpo da política nacional, um lugar que pouco se renovou depois que a Lava-Jato provocou um extermínio de lideranças como Aécio Neves, Beto Richa e outros.
Não foi nada fácil chegar a esse ponto. Como dificuldade adicional, Tebet enfrentou resistências dentro do seu partido, especialmente de caciques alinhados a Lula, concentrados no Nordeste, mas acabou vencendo a disputa e confirmando uma aliança que reuniu MDB, PSDB, Podemos e Cidadania. O desafio agora é retomar o patamar que esse espectro político tinha no início da pré-campanha, o que, a menos um mês da votação, parece quase impossível. “Teria de ter um debate por semana para abalar o cenário que coloca Lula e Bolsonaro na liderança”, afirma Jacqueline Quaresemin, especialista em opinião pública e professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP). “Os brasileiros estão em torno de dois candidatos, que têm uma forte preferência, há muito tempo”, reforça Carolina Botelho, do Mackenzie.
A despeito das dificuldades, a candidatura ao Planalto de Tebet já pode se considerar vencedora, mesmo com a provável derrota. Ela obteve, por exemplo, apoio de um grande grupo de empresários — como Candido Bracher, ex-presidente do Itaú, e o economista Armínio Fraga — e suas promessas de priorizar reformas, como a tributária e a administrativa, têm agradado ao mercado. Para isso, Tebet escolheu a economista Elena Landau, que participou do governo FHC, para desenvolver a parte econômica de seu programa. Mas o principal legado de sua empreitada, na avaliação de Tebet, é ter conseguido unir o chamado centro democrático, ocupando um espaço que estava vazio e que, como as pesquisas indicam, atende aos anseios de uma parcela importante do eleitorado. “Se neste ano tivermos a vitória de Lula ou Bolsonaro, essa polarização inevitavelmente vai se repetir nos próximos anos. Por isso é importante ter desde já o centro democrático organizado e viável”, diz Tebet — esclarecendo em seguida que seu projeto é para 2022, e não para daqui a quatro anos.
A menos de um mês para o primeiro turno, é difícil acreditar numa virada do tamanho capaz de catapultar a emedebista à fase decisiva. Principal fiador da candidatura de Tebet, o deputado federal Baleia Rossi faz a previsão de que, em dez dias, ela empatará ou até vai superar Ciro nas pesquisas, passando ao eleitor a imagem de que tem viabilidade eleitoral. “A partir daí, vai tirar voto não fidelizado de Lula e Bolsonaro”, deseja o parlamentar. Como presidente do MDB, Baleia se recusa a falar em possíveis alianças em um segundo turno sem a presença de Tebet. Com a legenda dividida — parte dos filiados é próxima de Lula e outra parte, de Bolsonaro —, aliados da senadora defendem a ideia de que o MDB libere seus quadros para se posicionar como quiserem. Outros caciques importantes querem embarcar com Lula. Questionada sobre o assunto pela reportagem de VEJA, Tebet foi taxativa: “Não existe nenhuma possibilidade de eu apoiar Lula ou Bolsonaro”. O mesmo, segundo ela, vale para uma eventual oferta de cargos em um desses dois governos: “Não uso a candidatura como trampolim”. Alçada à condição de estrela em ascensão na reta final da campanha, a emedebista não quer nenhuma sombra capaz de tirá-la do caminho de um promissor futuro político — ainda que seja em 2026.
Com reportagem de Victoria Bechara