O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ao Estadão que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um "retrocesso inaceitável".
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Uma das vozes mais contundentes do cenário nacional em defesa da Constituição e das liberdades individuais, o ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do prazo.
"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."
Como revelou o Estadão, o novo modelo é defendido por aliados do Palácio do Planalto no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato. A medida provocou a reação de gestores estaduais, que já se mobilizam contra a iniciativa. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou Bolsonaro de querer "intimidar governadores através de força policial militar".
Celso de Mello destacou que, em dezembro de 1831, o então presidente da província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, sancionou projeto que criou, em São Paulo, o Corpo de Guardas Municipais, núcleo embrionário da atual Polícia Militar estadual. "Dificilmente, o fundador da Polícia Militar do Estado de São Paulo chancelaria uma proposta claramente centralizadora e detrimentosa dos poderes e competência das unidades locais, pois foi ele, Tobias de Aguiar, quem, ao lado do Padre Feijó, insurgiu-se, na histórica Revolução Liberal de 1842, contra a concentração de poderes na esfera do governo central imperial", acrescentou o magistrado.
Repercussão
Também crítico às propostas, o atual decano do STF, Marco Aurélio Mello, afirmou que os projetos pecam pela "falta de razoabilidade e conflitam com a Constituição Federal". "Contrariam o princípio federativo, mais ainda se houver concentração do poder de acionamento. A Polícia Civil é investigativa e a Militar, repressiva", disse Marco Aurélio, que deixará o tribunal em julho, ao completar 75 anos.
Segundo o Estadão apurou, os projetos causam apreensão entre integrantes da Corte, que já discutem reservadamente o tema entre si, ainda que não tenham conhecimento integral dos textos.
Um ministro do STF, que pediu para não ser identificado, concorda com Celso de Mello, considera a proposta ruim e avalia que a medida, caso seja aprovada, pode tornar os governadores “reféns” das polícias.
Uma das preocupações é com o timing em que as discussões estão vindo à tona, pouco depois que extremistas apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, invadiram o Capitólio, em um ato que resultou em cinco mortes em Washington D.C.
Na semana passada, Bolsonaro disse que "se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos". Integrantes do Supremo apontam que a influência de Bolsonaro sobre as polícias é infinitamente maior que a de Trump sobre a força policial nos EUA.