A flor do pequi

Posted On Quinta, 03 Julho 2025 09:14
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Por Tom Lyra

 

Ela não chega fazendo alarde. Quem não presta atenção no mato pode até passar por ela sem notar. Mas a flor do pequi floresce como quem conhece os segredos do tempo. Sabe quando chegar, e chega leve – branca, rendada, quase tímida – abrindo caminho para o fruto que só se entrega a quem tem paciência e respeito.

 

Aqui pelas bandas do Tocantins, esse nortão bonito do Brasil, a gente aprende cedo que o Cerrado fala com quem silencia. É preciso ouvir o estalo da terra, sentir o cheiro do vento geral, entender o céu rachado antes da primeira chuva. E lá, no meio do campo ressequido, como um sopro de esperança, ela se abre: a flor do pequi.

 

Lembro da vó Chiquinha , lá em Araguacema, dizendo que quando a flor do pequi brota, o tempo muda. “É flor de promessa, meu filho”, ela falava, sentada no tamborete debaixo do pé de jaca. “Promessa de fartura, de arroz cheiroso, de panela de barro fumegando no meio da cozinha.” E eu, menino, acreditava. Ainda acredito.

 

Porque a flor do pequi é dessas belezas que duram pouco, mas marcam pra sempre. Um dia ela tá lá, perfumando o ar com doçura discreta. No outro, já se despede, deixando o galho pronto pra sustentar o peso de um fruto que, por fora, parece bravo. Mas que por dentro, ah... guarda o gosto da infância, da quentura do fogão a lenha, do cuidado da mão que cozinha sem pressa.

 

Ela é sagrada. E como tudo que é sagrado, não grita. Revela-se a quem merece.

 

Hoje, vendo o dia amanhecer na Praia do Caju com Jerry e Doguinho Jones Lyra, meus cachorros fiéis e amigos, vi uma flor de pequi solitária, fincada entre o mato e a calçada da barraca raízes . Parei. Os pássaros cantando no frodoso pequizeiro atrás da praia , o mundo corria lá fora . Mas eu parei. Porque tem beleza que a gente precisa contemplar com os olhos de dentro.

 

A flor do pequi é como a fé do povo ribeirinho do meu magestoso Araguaia : simples, firme e cheia de promessa. Ela ensina que há virtude no silêncio, força na delicadeza e que toda abundância começa com uma flor que ninguém vê.

 

O Tocantins inteiro cabe dentro daquela flor. É raiz, é céu, é reza de beira de rio. É memória de vó, é canto de arara no fim da tarde, é anúncio de que a vida – mesmo espinhenta como o pequi – tem sabor quando a gente aprende a colher com alma.

 

Tom Lyra

 

 

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