A ralé virtual no poder

Posted On Segunda, 10 Mai 2021 06:40
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Carlos Bolsonaro Carlos Bolsonaro

Absolutamente desqualificado para a vida pública, Bolsonaro subordina-se, e a seu governo, ao “gabinete do ódio”

 

Por Ricardo Noblat

 

Os primeiros depoimentos na CPI da Pandemia confirmam que há uma espécie de “gabinete paralelo” no Palácio do Planalto, cuja influência sobre o presidente Jair Bolsonaro parece ser maior do que a exercida pelo gabinete de ministros.

 

Esse “poder paraestatal”, na definição do relator da CPI, senador Renan Calheiros, já era mais ou menos conhecido. O espantoso foi observar em detalhes sua imensa capacidade de determinar os atos e palavras do presidente da República.

 

Como informado pelo próprio Bolsonaro em discurso, o tal “gabinete paralelo”, chamado também de “gabinete do ódio” e qualificado pelo presidente como “gabinete da liberdade”, é liderado por Carlos Bolsonaro. O segundo filho do presidente, embora seja vereador no Rio de Janeiro, passa vários dias em Brasília assessorando o pai. Carlos Bolsonaro, sem cargo no governo, é na prática, o mais poderoso ministro de Bolsonaro, a julgar pelo que veio à luz na CPI.

 

Soube-se que Carlos Bolsonaro participou de várias reuniões do presidente com ministros, “tomando notas”, segundo informou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Conforme o testemunho de Mandetta, isso fazia parte de “um assessoramento paralelo” – que, em resumo, confrontava as decisões técnicas do Ministério da Saúde e insistia na adoção formal da cloroquina como medicamento contra a covid-19, embora já houvesse evidências de que o remédio era ineficaz. A queda de dois ministros da Saúde, entre outras razões por sua resistência à cloroquina, mostra a força desse “poder paraestatal”.

 

Carlos Bolsonaro não tem a menor qualificação para dar opinião sobre os grandes temas de Estado, em especial sobre a pandemia, mas o “gabinete” que ele lidera tem uma qualidade muito valorizada pelo presidente: julga-se capaz de traduzir para Bolsonaro a mixórdia das redes sociais.

 

Como parece acreditar piamente que foi eleito graças a essa interação com lunáticos da internet, o presidente Bolsonaro concluiu que as redes sociais são uma genuína expressão dos desejos populares. Sendo o intérprete das redes, dando sentido, por assim dizer, às teorias da conspiração que pululam naquele ambiente, o “gabinete paralelo” sobrepõe-se, na hierarquia do governo, aos ministros de Estado – que, por definição, devem se ater à realidade fria de decisões muitas vezes impopulares.

 

O governo formal, então, é submetido ao filtro do “gabinete paralelo”, tornando-se, na prática, refém da irresponsabilidade dos agitadores de internet. O presidente da República, exatamente por ter consciência de que não tem a menor capacidade para governar, parece sentir-se o tempo todo ameaçado pelo poder formal, institucionalizado, o qual desrespeita desde seus tempos de deputado. As demissões de ministros que o presidente tratou como inimigos, por se concentrarem em fatos concretos e não em delírios do clã presidencial, ilustram o clima de paranoia existente no Palácio do Planalto – alimentado dia e noite pelo “gabinete paralelo”.

 

O fato é que hoje o País é governado a partir das fantasias das redes sociais, sem qualquer lastro institucional e, sobretudo, moral. A esta altura, já é possível concluir que o presidente Bolsonaro não toma nenhuma decisão sem levar em conta os conselhos do “gabinete paralelo”.

 

É sintomático que Bolsonaro tenha recrudescido recentemente os ataques a seus inimigos imaginários – a lista, extensa, é encabeçada pelo Judiciário, pelos governadores e pelos comunistas chineses – depois de passar dias recebendo conselhos de Carlos Bolsonaro. E as recomendações foram seguidas à risca, a julgar pela truculência do presidente, como reação à pressão exercida pela CPI, em particular, e pela crise, em geral. De Carlos Bolsonaro – chamado pelo próprio pai de “pitbull” e orgulhoso exegeta do “pensamento” raivoso das redes sociais – não se esperava que sugerisse moderação ao presidente.

 

Nesse sentido, Bolsonaro mostra-se ainda menor do que sempre foi. Absolutamente desqualificado para a vida pública, que dirá para a Presidência da República, subordina-se, e a seu governo, à ralé virtual – a cujo irresponsável arbítrio Bolsonaro submete o Brasil.