Requerimento sobre a rádio é de Renan Calheiros. Comissão retoma os trabalhos em 3 de agosto
Por Daniel Weterman e Cássia Miranda
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) divulgou uma nota de repúdio à tentativa de quebrar o sigilo bancário da rádio Jovem Pan pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. A medida está na pauta da próxima reunião da CPI, amanhã – a primeira após o recesso parlamentar –, e gerou reação de outras entidades representativas dos meios de comunicação. Além da Abert, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) também se manifestou contra a iniciativa.
O requerimento de quebra de sigilo foi apresentado pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL). No pedido, ele citou a Jovem Pan como um “grande disseminador” de fake news e vinculou a medida a um conjunto de requerimentos para quebrar o sigilo bancário de portais na internet e integrantes do chamado “gabinete do ódio”. O argumento é apurar o financiamento de informações falsas na pandemia de covid-19.
“Tal iniciativa não aponta qualquer dado ou informação concreta que justifique a adoção de medida extrema contra uma emissora que está no ar há quase 80 anos, cumprindo o papel de informar a população sobre fatos de interesse público”, diz a nota da Abert. Para a associação, “qualquer tentativa de intimidação ao trabalho da imprensa é uma afronta à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição Brasileira”.
Diante da repercussão, a CPI recuou e pode até mesmo retirar o requerimento de pauta. Em resposta ao posicionamento da Abert, a assessoria de Renan afirmou que a quebra de sigilo ainda será discutida hoje, durante reunião da cúpula da comissão antes da retomada dos trabalhos.
A Abratel afirmou que, ao analisar o requerimento, não identificou nenhuma informação que respaldasse ou legitimasse a medida da CPI. “A imprensa, que é um serviço essencial para o País, não é o foco dos trabalhos desenvolvidos pela CPI”, diz a nota. A expectativa da Abratel é de que o requerimento seja mesmo retirado de pauta ou rejeitado. “Caso isso não ocorra, estaremos diante de um precedente gravíssimo, desnecessário e equivocado, ferindo as liberdades de imprensa e expressão.”
O presidente da Jovem Pan, Antônio Augusto de Carvalho Filho, o Tutinha, classificou o requerimento como “ataque à liberdade de expressão”. Ontem, a rádio divulgou em seu site os balanços da emissora desde 2018 e afirmou que as contas são “públicas e transparentes”. “Todos os pagamentos públicos, realizados à Jovem Pan e às suas afiliadas, são registrados nos respectivos portais de transparência dos diversos órgãos públicos”, afirmou a rádio.
Instalada no dia 27 de abril, a CPI da Covid teve o prazo final de funcionamento prorrogado e irá se estender até o dia 5 de novembro. Até agora, o colegiado já aprovou 66 requerimentos de quebra de sigilo, entre acesso a dados bancários, fiscais e telefônicos.
Retomada. Depois do recesso parlamentar, a comissão retoma seus trabalhos nesta semana. Além dos requerimentos em pauta para votação, a CPI agendou para amanhã o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula, fundador da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (mais informações nesta página).
Amanhã, a comissão tem prevista também na pauta a votação de 135 requerimentos, de um total de 386 que aguardam encaminhamento. São pedidos de convocações, quebras de sigilos, informações e audiências públicas que devem orientar a atuação do colegiado.
Entre os 265 requerimentos pendentes para convocação de testemunhas, os senadores sugerem a convocação de dez ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Defesa), Onyx Lorenzoni (ex-secretário-geral da Presidência da República, recém-empossado ministro do Trabalho e da Previdência), Anderson Torres (Justiça), Carlos Alberto França (Relações Exteriores), Damares Alves (Direitos Humanos), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), João Roma (Cidadania) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). Há ainda um pedido de convite para o ministro Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU).
Em outra frente, os parlamentares apresentaram requerimentos para a convocação de três governadores: João Doria (PSDB-SP), Rui Costa (PT-BA) e Claudio Castro (PL-RJ).
Nota da Jovem Paan
Sobre o pedido de quebra do sigilo bancário encaminhado pelo senador Renan Calheiros à CPI da Covid, a Jovem Pan vem a público prestar os seguintes esclarecimentos:
Pedidos do gênero são injustificáveis. Os balanços da Jovem Pan são publicados anualmente no Diário Oficial. Para que não restem dúvidas quanto à transparência do comportamento da Jovem Pan, republicamos os balanços em nosso site (leia aqui). As verbas governamentais podem ser conferidas no site www.portaldatransparencia.gov.br.
Estranhamente, o requerimento estabelece que as investigações sejam feitas a partir de 2018. Segundo o documento que justificou a sua criação, a comissão foi instaurada com o objetivo de “apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil”. Como se sabe, a Organização Mundial da Saúde oficializou a existência de uma pandemia em março de 2020. A acusação de Calheiros, portanto, não se enquadra no fato determinado para a criação da CPI.
Diferentemente do que afirma Calheiros, a história da Jovem Pan comprova que, ao longo de seus 77 anos de existência, a empresa jamais disseminou fake news. Os profissionais da Jovem Pan divulgam fatos e os analisam segundo diferentes pontos de vista. O autor do pedido não especifica quais profissionais disseminaram notícias mentirosas e em quais programas isso teria ocorrido. Fica claro, portanto, que se trata de uma acusação genérica que tem por única finalidade cercear a liberdade de imprensa no Brasil.