Especialistas afirmam que uma taxa mais alta do que o previsto seria suficiente para causar forte desaceleração da atividade global e atingir diretamente o Brasil
Por Cícero Cotrim e Guilherme Bianchini
O risco de um aperto monetário maior do que o atualmente previsto pelo mercado nos Estados Unidos acendeu um sinal de alerta também para as perspectivas de atividade e inflação no Brasil em 2023. Economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast alertam que um aumento de juro maior do que o esperado teria um impacto negativo forte para a economia brasileira.
Os cenários apresentam divergências, mas a maior parte dos especialistas consultados afirma que uma taxa básica de juros próxima de 5% nos EUA (Fed Funds) seria suficiente para causar no mínimo uma forte desaceleração da atividade global e, consequentemente, uma reversão dos preços de commodities, com prejuízos ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Hoje, os juros americanos estão entre 0,25% e 0,5% ao ano. Na quarta-feira, 4, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve elevar a taxa em mais 0,5 ponto.
Ao mesmo tempo, a aversão ao risco reduziria os fluxos de capitais para países emergentes e tenderia a provocar um processo de enfraquecimento do real, com impactos sobre a inflação brasileira. Em um cenário de dólar mais forte e Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pressionado, o Banco Central (BC) teria de no mínimo postergar o início do ciclo de cortes da taxa Selic, previsto pela maioria do mercado a partir do segundo trimestre de 2023.
O Credit Suisse foi a primeira casa a alertar para o potencial de deterioração do cenário brasileiro caso o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) conduza um aperto mais forte. Em relatório divulgado esta semana, o banco pontua que uma alta dos Fed Funds até o nível de 4,5% - acima do cenário-base, de 3,25% - seria suficiente para aumentar o IPCA de 2023 dos 4,4% agora estimados para 4,9%, acima do teto da meta (4,75%).
"Eu estou vendo uma chance crescente de o Fed ter de apertar a política monetária mais do que está sendo precificado pelo mercado", alertou a economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Nas contas dela, um aperto mais intenso dos Fed Funds, até o nível de 6%, já seria suficiente para produzir um IPCA acima do teto da meta também em 2024.
A percepção de chance crescente de uma disparada de juros nos EUA, com consequências graves para a inflação - e atividade - no Brasil, é compartilhada pelo economista-chefe da Santander Asset, Eduardo Jarra. Embora o cenário-base da gestora ainda aponte para juros terminais de 3,5% em 2023, o analista reconhece que a confiança na premissa hoje é de "média para baixo."
"Quando a gente vai pensar no nosso posicionamento, damos um peso considerável ao que seria o cenário alternativo", diz Jarra. Neste cenário, os Fed Funds avançariam a um nível próximo de 5%, suficiente para provocar estagnação ou recessão dos EUA no ano que vem. A desaceleração da atividade global geraria alívio dos preços de commodities, mas, com o enfraquecimento esperado para o real, o efeito líquido deveria ser inflacionário.