Projeto de regulação de mídia priorizado pelo petista poderia ‘desmontar’ o poderoso grupo de comunicação da família Marinho
Por Jeff Benício
Em suas andanças pelo Brasil, em inegável pré-campanha à Presidência da República, Lula tem disparado críticas à imprensa. “Tem que ter limite”, repete. A cruzada pessoal do petista contra a mídia começou em seu segundo mandato.
Ele queria implementar um projeto de regulação econômica dos grupos de comunicação. O objetivo foi repassado para sua sucessora, Dilma Rousseff, que não teve interesse em dar continuidade.
Agora, com a possibilidade de voltar ao Palácio do Planalto em 2023, Lula ressuscita a discussão. Na prática, a Lei de Mídia Democrática impediria uma única rede de TV de concentrar uma fatia grande das verbas publicitárias.
Em 2020, as emissoras de sinal aberto receberam 51,9% de todo o investimento em mídia no País, cerca de R$ 7,3 bilhões. A Globo ficou com aproximadamente 80% dos investimentos direcionados à televisão.
A preferência pelo canal carioca tem a ver com sua liderança no ranking da Kantar Ibope: diariamente, a média de audiência das 7h à meia-noite chega a ser maior do que a soma dos índices das principais concorrentes.
Além disso, a marca exposta nos intervalos ou em ações de merchandising nos programas da emissora ganha status precioso. Os altos valores pagos – 30 segundos no horário do ‘Jornal Nacional’ custam R$ 850 mil, por exemplo – geram valorização do produto e retorno de vendas.
Sem meias palavras, Lula defende o ‘desmonte’ da Globo. A emissora não poderia faturar tão alto sozinha. O ‘bolo’ dos milhões dos grandes anunciantes, gerido pelas agências de publicidade, teria de ser melhor distribuído entre as demais redes. A mesma regra se aplicaria às verbas de propaganda do governo federal.
A resolução do PT sobre a questão é clara: deve-se impedir “o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos”. Curiosamente, a Globo foi privilegiada ao longo da era petista na Presidência. Os dois mandatos de Lula (janeiro de 2003 a dezembro de 2010) e o período de Dilma Rousseff no Planalto (janeiro de 2011 a agosto de 2016) renderam ao canal dos Marinhos R$ 7,8 bilhões de verbas oficiais.
O ex-presidente também defende a supervisão do conteúdo das TVs. Os críticos dizem se tratar de censura. Na regulação pretendida, o governo poderia, por exemplo, impedir a divulgação de determinadas informações e ter direito automático de resposta, sem a necessidade de decisão judicial. Quem discorda fala em ingerência e atentado à liberdade de imprensa.
Lula e seu maior inimigo político no momento, Jair Bolsonaro, compartilham a mesma raiva pela Globo. Mas o atual presidente, que tanto atira contra a emissora, surpreendentemente descartou a possibilidade de qualquer regulação dos meios de comunicação.
Ele preferiu punir o canal antibolsonarista reduzindo a parcela de verbas de anúncios da Presidência, dos ministérios e de estatais. Não prejudicou tanto a Globo, já que a propaganda vinda de Brasília representava menos de 5% do faturamento da TV líder.
Na prática, Lula seria ‘pior negócio’ para o canal do que Bolsonaro, em termos econômicos. Contudo, o ex-capitão ainda pode surpreender. Está em sua gaveta o processo de renovação da principal concessão da Globo, a vencer em outubro de 2022. Por vias democráticas, ele não consegue tirar o canal do ar, porém, tem o poder de dificultar a vida do império global.