A polícia argentina prendeu na noite desta quinta-feira (1º) um homem que aparentemente tentou disparar uma arma contra a vice-presidente Cristina Kirchner quando ela chegava em casa, no bairro da Recoleta, em Buenos Aires.
Por Sylvia Colombo - UOL
A polícia o identificou como Fernando Andrés Sabag Montiel, um brasileiro de 35 anos com antecedentes criminais —em março de 2021 ele tinha sido detido portando uma faca de 35 centímetros, no bairro de La Paternal, onde supostamente morava.
Canais de TV captaram as imagens de quando a ex-presidente deixava seu carro, rodeada por uma multidão de apoiadores. Em determinado momento, ela abaixa a cabeça quando alguém com o que parece ser uma pistola se aproxima a menos de 1 metro dela. Imagens publicadas nas redes sociais mostram o momento de diversos ângulos, inclusive de frente para a política.
O ministro da Segurança da Argentina, Aníbal Fernández, disse que o homem estava armado com uma pistola 3.8 e que ele teria tentado puxar o gatilho, sem sucesso. Segundo noticiou a emissora C5N, a arma teria falhado.
Mais tarde, o presidente Alberto Fernández fez um pronunciamento no qual atribuiu o caso a discursos de ódio, dizendo que eles engendram violência. "Esse caso tem gravidade institucional. Atentou-se contra nossa vice-presidente e nossa paz social foi alterada. Afeta nossa democracia, nossa convivência sofre as consequências dos discursos de ódio", afirmou.
O político chamou o ataque de fato mais grave desde a recuperação da democracia argentina. "A arma com cinco balas não disparou apesar de ter sido acionado o gatilho. Graças a isso Cristina continua com vida. Convoco a todos os argentinos a rejeitar qualquer forma de violência." Fernández determinou feriado nacional nesta sexta-feira (2) para que o povo "possa se solidarizar" com a vice-presidente.
Partidas de futebol e sessões do Parlamento foram suspensas.
Momentos depois do ataque, a oposição divulgou um comunicado pedindo uma investigação urgente e condenando o que chamou de ato de violência. Senadores e deputados se reuniram no Parlamento para fazer uma foto unindo nomes peronistas e da oposição prestando solidariedade a Cristina —que, por seu cargo no governo, atua como presidente do Senado também.
Alguns opositores, porém, encontraram espaço para fazer ressalvar à reação de Fernández. "O presidente brinca com fogo. Em vez de investigar seriamente um caso grave, acusa a oposição e a imprensa e decreta um feriado para mobilizar militantes. Converte uma violência pessoal em jogada política. Lamentável", tuitou Patricia Bullrich, líder do partido PRO.
A militância ligada ao peronismo fez convocações para que apoiadores voltassem a se reunir em frente ao prédio da vice-presidente e marcaram um ato para a tarde desta sexta (2) em Buenos Aires. O peronismo enfrenta uma grave crise de popularidade, com o governo rachado entre o presidente e sua vice.
Políticos no Brasil e na América do Sul também se manifestaram. O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tuitou que Cristina Kirchner foi "vítima de um fascista criminoso que não sabe respeitar divergências e a diversidade". O ex-presidente argentino Mauricio Macri chamou o caso de gravíssimo incidente, que "exige um esclarecimento imediato e profundo por parte da Justiça e das forças de segurança".
Segundo a imprensa argentina, o homem que tentou disparar contra Cristina usava touca e máscara e, por isso, teria chamado a atenção da multidão ao sair correndo depois do ataque. Boletim da polícia informou que cinco pessoas teriam seguido atrás dele, permitido aos agentes o identificarem como autor do ataque. A pistola teria sido encontrada na calçada.
De acordo com o jornal Clarín, sua passagem pela polícia se deu quando ele foi interceptado por dirigir sem a placa traseira do carro —ele afirmou às autoridades que ela havia caído dias antes por causa de um acidente. Os agentes pediram então que ele saísse do veículo e, quando a porta do carro se abriu, uma faca de 35 centímetros de comprimento caiu no chão.
O brasileiro afirmou então que usava o objeto para se defender e terminou autuado pelo porte de arma. Segundo registros comerciais encontrados pelo mesmo jornal, ele atuaria como motorista de aplicativo e tinha um Chevrolet Prisma em seu nome.
Há mais de uma semana, a residência de Cristina na Recoleta se transformou em ponto de encontro de manifestantes pró e contra a ex-mandatária. Os protestos começaram quando o promotor Diego Luciani pediu uma pena de prisão de 12 anos para a política, que é acusada de chefiar um esquema de associação ilícita e fraude ao Estado no período em que foi presidente (2007-2015).
Luciani também solicitou que Cristina seja inabilitada a concorrer a cargos públicos para o resto da vida e que sejam devolvidos aos cofres públicos 5,3 bilhões de pesos (R$ 200 milhões).
"Estão esperando que matem a um peronista", havia dito na tarde desta quinta o filho de Cristina, Máximo Kirchner, referindo-se ao fato de a polícia da cidade de Buenos Aires, governada pela oposição, ter abandonado a vigilância do local depois dos incidentes da noite do último sábado (27).
Um grupo de militantes do movimento La Cámpora estourou fogos de artifício e derrubou barreiras que haviam sido colocadas pelo governo para, segundo a versão oficial, impedir o trânsito de veículos e "respeitar os vizinhos, que não dormem há dias". O argumento foi lido por apoiadores de Cristina como provocação.
Houve tumulto quando os manifestantes encontraram os agentes de segurança, que reprimiram o ato com jatos de água e gás lacrimogêneo. Duas pessoas foram presas e sete policiais ficaram feridos, segundo a agência Reuters.
Ao fim da confusão, Fernández escreveu no Twitter que a operação policial, "longe de contribuir para a tranquilidade, gerou um clima de insegurança e intimidação". Já o ex-presidente Mauricio Macri culpou Cristina pelo tumulto.
Além de enfrentar problemas na Justiça, a vice-presidente passa por uma crise dentro do governo, travando uma disputa por espaço com Alberto Fernández, que sofre com a baixa popularidade. No mês passado, a gestão criou um "superministério" da Economia, atribuído a Sergio Massa, com a missão de tirar o país da crise financeira —que envolve uma inflação que pode chegar a 90% ao ano e a disparada do dólar no mercado paralelo.