Sete ministros defendem limitar o foro para crimes cometidos durante o exercício do mandato e em função deles, enquanto três ministros querem restrição mais amena; Gilmar Mendes deve concluir julgamento hoje
Com Assessoria do STF
As duas posições presentes no julgamento restringem, com diferentes extensões, a competência do STF para julgar deputados federais e senadores por crimes comuns. A análise do caso retorna na sessão desta quinta-feira (3).
Após os votos dos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, foi suspenso o julgamento da questão de ordem na Ação Penal (AP) 937, na qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) discute a possibilidade de restringir o alcance do foro por prerrogativa de função conferido aos parlamentares federais. Até o momento, dez ministros proferiram voto na matéria: sete no sentido de que o foro se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas, e três assentando que o foro deve valer para crimes praticados no exercício do cargo, mas alcançando todas as infrações penais comuns, independentemente de se relacionaram ou não com as funções públicas. O julgamento continua nesta quinta-feira (3) para colher o último voto, do ministro Gilmar Mendes.
O julgamento começou no final de maio de 2017, quando o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, propôs restringir o foro por prerrogativa de função apenas nos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Pela sua proposta, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
O relator foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio também acompanhou em parte o relator, defendendo a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Para o ministro Marco Aurélio, contudo, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.
Na ocasião, pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento.
Diplomação
Em novembro de 2017, o ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista em que declarava acompanhar o relator na parte que fixa o foro no STF apenas para os crimes praticados no exercício do cargo, após a diplomação, valendo até o final do mandato ou da instrução processual. Contudo, divergiu na parte em que o relator fixa o foro apenas para os delitos que tenham relação com as funções de parlamentar. Para Moraes, o texto constitucional não deixa margem para que se possa dizer que o julgamento das infrações penais comuns praticadas por parlamentares não seja de competência do STF. Nesse sentido, o ministro salientou que a expressão “nas infrações penais comuns”, contida no artigo 102 (inciso I, alínea ‘b’), alcança todo tipo de infrações penais, ligadas ou não ao exercício do mandato.
O julgamento voltou a ser suspenso, dessa vez por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Oligarquias locais
Na sessão desta quarta-feira (2), o ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes. Em seu voto-vista, o ministro fez um relato histórico da instituição do foro por prerrogativa de função no Brasil desde a Constituição Imperial de 1824, passando pelas Cartas republicanas, até a Constituição vigente. Toffoli revelou que o foro existe nas constituições de outros países, mas em nenhum caso com a dimensão observada no texto brasileiro e salientou que a extensão do foro por prerrogativa de função, no Brasil, resultou da influência das oligarquias locais sobre os magistrados de primeiro grau, o que não acontece com relação a juízes de instâncias superiores, mais afastados das políticas regionais.
O ministro se disse favorável às regras da prerrogativa. Para ele, tendo em conta a sociedade desigual em que vivemos, quem deve julgar as autoridades máximas do país não deve ser o poder local.
O foro por prerrogativa de função, segundo Toffoli, tem como objetivo evitar manipulações políticas nos julgamentos e subversão da hierarquia, para que haja imparcialidade nos julgamentos. Não se trata de privilégio, acrescentou o ministro, até porque se reduz o número de instâncias recursais, e com isso a chance de prescrição, tendo em vista a realização do julgamento, que se dá de forma mais célere, em única instância.
Quanto à alegação de que, no passado, o STF teria sido conivente com a impunidade, o ministro lembrou que até a edição da Emenda Constitucional (EC) 35/2001, o Supremo não podia julgar parlamentares, porque era necessária a autorização do Congresso Nacional, que raramente a concedia. Nesse ponto, Toffoli lembrou o caso do deputado federal Hildebrando Pascoal, acusado, em 1999, de liderar um grupo de extermínio no Acre. O ministro salientou que, nesse episódio, a Câmara dos Deputados preferiu cassar o mandato de Hildebrando Pascoal a permitir que ele fosse julgado pelo STF. Após ser cassado, Hildebrando Pascoal foi condenado na primeira instância por vários homicídios.
O julgamento da Ação Penal 470 – o chamado mensalão – foi um marco no STF e trouxe grandes aprendizados, frisou o ministro. Desde então, o STF vem aperfeiçoando a forma de julgar ações penais desse tipo, completou. Aliado a isso, o ministro disse que, atualmente, tanto o Ministério Público quanto a Polícia Federal são órgãos muito mais independentes.
O ministro Toffoli disse entender que a proposta do ministro Barroso de restringir o foro por prerrogativa de função a crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele colide com a norma constitucional. A Constituição Federal não faz distinção entre crimes anteriores ao mandato e os praticados durante seu exercício. Enquanto o parlamentar estiver no mandato, segundo ele, a Constituição Federal diz que cabe ao STF seu julgamento.
Uma vez que nem o constituinte originário nem o reformador, que aprovou a EC 35/2001, optaram por restringir o foro por prerrogativa de função, explicou Toffoli, não caberia ao STF, guardião da Carta, fazer essa interpretação restritiva.
Divergência
Apesar de sua posição pessoal contrária à redução do foro, mas levando em conta a maioria já formada no julgamento pela restrição proposta pelo relator, o ministro se posicionou no sentido de acompanhar a tese levantada pelo ministro Alexandre de Moraes, que tem como marco do início da prerrogativa a diplomação, independentemente da natureza do crime, se relativo ou não ao cargo. Para Toffoli, esse marco evita dúvidas e questionamentos, ao atrair para o STF crimes de qualquer natureza cometidos após a diplomação. Segundo ele, o critério da natureza do crime, se ligado ou não ao mandato, dá margem a diversas dúvidas.
Por fim, no tocante ao marco final da prorrogação da competência do STF, o ministro votou no sentido de que após encerrada a fase de produção de provas – conforme artigo 10 da Lei 8.038/1990 – com a intimação das partes para apresentação de alegações finais, eventual renúncia ou cessação do mandato não mais será capaz de alterar a competência do Supremo para julgar o caso.
Ministro Lewandowski
O ministro Lewandowski, apesar de ter posição contrária à restrição do alcance do foro, também aderiu à divergencia parcial aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de excluir da regra do foro por prerrogativa de função a apuração de crimes praticados antes da diplomação do parlamentar. “A solução protege o parlamentar de ação judicial de natureza temerária que possa afetar o pleno exercício do mandato”, afirmou.
Em seu voto, ele manifestou reservas quanto à decisão do tema por meio de questão de ordem, questionando os números apresentados para justificar a mudança da regra. Segundo o ministro, os processos de natureza penal em curso no STF são 5% dos casos, enquanto a maior parte do trabalho da Corte está em ações envolvendo a União e a Fazenda Pública. “Não parece ser lícito à Corte conferir interpretação restritiva à regra de foro para reduzir o estoque de processos em uma questão de ordem, muito menos alegando uma mutação constitucional, sem que tenha havido mudança substancial no plano fático”, destacou.
Quanto ao marco final para a manutenção da competência do STF, o ministro afirmou que se pronunciará sobre a questão ao final do julgamento, levando em consideração as posições apresentadas no Plenário, visando estabelecer o momento de forma mais precisa e com segurança.