O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, obteve seu quarto mandato consecutivo com 75% dos votos em uma eleição com participação de 65%. A narrativa oficialista contrasta com os mais de cem detidos em condições degradantes após os protestos de 2018.
Da coluna Notas&Informações
Segundo a organização Urnas Abiertas, a abstenção teria superado 80%. O instituto Gallup apontou que 65% dos nicaraguenses votariam em qualquer candidato fora da órbita de Ortega. Mas não tiveram essa opção. Ortega enfrentou adversários biônicos de partidos satélites. Antes, eliminou os três partidos de oposição, encarcerou sete candidatos e obliterou a observação externa.
Após liderar a revolução sandinista contra o ditador Anastasio Somoza em 1979, Ortega manteve-se no poder até 1990, e retornou em 2007. Mais do que radicalizar suas origens socialistas, ele seguiu o precedente nepotista da dinastia Somoza, instalando sua mulher na vice-presidência. Ele extinguiu a imprensa independente e controla o Parlamento e as cortes. A economia, uma das mais pobres das Américas, encolheu desde 2018, após perder apoio financeiro da Venezuela. Os protestos explodiram e mais de 400 pessoas foram mortas.
Países como El Salvador, Honduras e Guatemala seguem esse caminho, cooptando o Judiciário, instalando procuradores fantoches, expurgando a oposição, eliminando a imprensa livre e expulsando organizações de direitos humanos.
Hoje, suas populações têm pouco a esperar dos vizinhos latino-americanos. O presidente do México, principal influência na região, mantém silêncio sobre essas manobras autoritárias e desrespeita o Estado de Direito em casa. No Brasil, as melhores forças democráticas estão consumidas na resistência ao autoritarismo de seu presidente. Na oposição, o PT, cujo líder, Lula da Silva, lidera as intenções de voto à Presidência, celebrou a “grande manifestação popular e democrática” na Nicarágua, em referência à farsa eleitoral. O PT, que costuma festejar a “democracia” de Cuba e Venezuela, diz que seguirá com os sandinistas num “caminho de construção” que sirva “de exemplo para o mundo”.
A diplomacia da União Europeia descreveu a Nicarágua como “uma das piores ditaduras do mundo”. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que as eleições foram uma “pantomima”, e usará ferramentas diplomáticas e econômicas para apoiar os nicaraguenses. Mas a Europa está distante e Biden está vulnerável em meio a conflitos intestinos nos EUA.
Essas fragilidades são um motivo a mais, não a menos, para a comunidade internacional mobilizar pressões multilaterais contra a escalada autoritária centro-americana. No caso da Nicarágua, os EUA aplicaram sanções a diversas lideranças. A Organização dos Estados Americanos não deveria hesitar em suspender a participação do país. Internamente, a aliança sandinista com o empresariado está em deterioração, e os protestos de 2018 mostram que o povo está pronto a dar um basta se lhe forem dadas condições. A história dos Somozas afiança que a ditadura de Ortega pode não durar muito mais tempo. Mas é preciso fazer o possível para encurtá-la.