Voto do ministro como relator de ADI altera distribuição das sobras eleitorais, porém sugere aplicação correta da regra só a partir de 2024
Por Daniel Machado
Relator da ADI 7263 (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 7263) no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Ricardo Lewandowski votou pela procedência parcial dos pedidos do Podemos e do PSB no processo que pede aplicação correta das regras das sobras eleitorais na eleição para deputado federal. Com isso, o ministro reconheceu erro na regra em que Tiago Dimas (Podemos), sexto candidato a deputado federal mais votado do Estado em outubro do ano passado, não foi declarado reeleito. No caso, ele estaria na Câmara no lugar de Lázaro Botelho (Progressistas).
No entanto, o ministro sugere que a aplicação correta da lei deva se dar só a partir da eleição de 2024, mantendo assim a composição atual da Câmara e impedindo que Tiago Dimas e outras seis pessoas prejudicadas no país possam assumir as vagas conquistadas nas urnas.
O julgamento da ADI se iniciou na madrugada desta sexta-feira, 7 de abril. Ele ocorre no Plenário virtual do STF, ou seja, os ministros depositam seus votos no sistema. Nesse primeiro momento, somente o relator se manifesta e inicia a sessão para registro de voto dos outros dez magistrados, que terão até o dia 17 de abril para votar. A conclusão depende dos demais integrantes da corte, que poderão acompanhar o relator integralmente ou até mesmo modificar seu voto, o que inclui análise do efeito imediato ou se realmente só a partir das próximas eleições.
Tiago Dimas
Ao apresentar seu voto, o ministro destacou que as mudanças no Código Eleitoral criaram situações que afrontam diretamente a Constituição. Hoje, as vagas no sistema proporcional são primeiramente distribuídas aos partidos que alcançaram o QE (quociente eleitoral), tanto quanto os QEs indicarem, desprezadas as frações. Depois, em um segundo escrutínio, as vagas remanescentes ficam com os partidos com pelo menos 80% do QE, desde que a votação individual do candidato (a) eleito (a) chegue a 20% ou mais do QE. Na sequência, começa a controvérsia. Pelo voto do ministro, o correto seria abrir a disputa das vagas remanescentes para todos os partidos que disputaram o pleito, escolhendo, de acordo as maiores médias, o candidato mais votado da agremiação.
No entanto, a Justiça Eleitoral excluiu partidos que não alcançaram pelo menos 80% do QE, o que acabou proclamando eleitos sete pessoas que ficaram abaixo dos 20% de desempenho individual em detrimento de outros com votação individual e média partidária bem superior.
No caso do Tocantins, Lázaro Botelho fez apenas 13.688 votos, o que representou 13,17% do QE, ficando na 14ª colocação. O seu partido, além de não ter feito 100% dos votos de QE, não detinha a maior média entre todos os partidos, mas a interpretação em vigor, ora modificada, lhe garantiu a vaga. “Para ilustrar essa afirmação, trago à colação a seguinte situação hipotética. Digamos que em determinada eleição para a Câmara Federal o QE seja de 100 mil votos. Após todas as fases de ocupação de cadeiras, inclusive a do 80/20, sobre uma vaga de deputado federal. Pela atual legislação, com a interpretação dada pelo TSE, a vaga remanescente poderia, em tese, ser ocupada por parlamentar que conquistou apenas mil votos, em detrimento de candidato que, a par de ter obtido 75 mil votos, concorreu por uma grei (agremiação) que não alcançou 80 mil votos. Considero, no ponto, ser inaceitável que o Supremo Tribunal Federal chancele interpretação da norma que permita tamanho desprezo ao voto, mormente em favor de candidato com baixíssima representatividade e, conforme os critérios empregados na segunda fase, pertence à agremiação já favorecida pela atual forma de cálculo”, frisou o ministro, ao destacar a discrepância da regra aplicada.
Lewandowski é claro ao afirmar que, “após a aplicação da cláusula dupla de desempenho 80/20 na segunda fase do escrutínio eleitoral, as cadeiras que eventualmente sigam desocupadas sejam distribuídas entre todos os partidos que obtiveram votos no pleito”, seguindo assim a Constituição. Desta forma, no caso do Tocantins, Tiago Dimas com 42.970 votos (três vezes mais do que Lázaro) passaria a representar o Estado na Câmara porque seu partido deteve a maior média.
Efeito ex nunc e tentativa do partido de Wanderlei Barbosa
Justificando que as normas eleitorais não poderiam retroagir e necessidade de dar garantia jurídica, o ministro sugeriu a aplicação do “efeito ex nunc” (daqui para frente) e, assim, diz que as regras têm de serem aplicadas a partir 2024, sem retroagir e, portanto, sem modificar a composição atual do Legislativo.
No último momento, poucos minutos antes do início da sessão, o Republicanos, partido do governador Wanderlei Barbosa, protocolou um pedido para que a o julgamento fosse retirado da pauta do Plenário Virtual e seguisse para o Plenário Físico, sob o argumento de propiciar debates e defesas dos advogados das partes em sustentações orais. Na prática, isso atrasaria ainda mais o julgamento, uma vez que Lewandowski anunciou aposentadoria e encerrou participações nas sessões físicas.
O pedido do Republicanos, que poderia ganhar uma deputada no Amapá, foi ignorado e a sessão virtual mantida continua em andamento, aguardando voto dos demais ministros.
Sem impacto na Assembleia Legislativa; apenas Tiago Dimas e Lázaro Botelho afetados
Mesmo que o voto do relator seja modificado e o STF adote efeitos imediatos, no Tocantins somente Tiago Dimas e Lázaro Botelho estariam impactados, uma vez que o novo entendimento só vale para as vagas remanescentes da terceira rodada de distribuição e alcança apenas candidatos que não fizeram 20% do QE.
Com base nisso, permaneceriam asseguradas a distribuição feita para as outras sete vagas de deputados federais e as 24 de todos os deputados estaduais, uma vez que foram eleitos por QE ou maior média em partidos que fizeram acima de 80% do QE e tiveram desempenho individual de pelo menos 20% do quociente. Além disso, não há mudança em nenhuma outra Assembleia Legislativa do Brasil.
Dados importantes
- O Tocantins tem direito a oito vagas na Câmara dos Deputados
- Sexto colocado com quase 43 mil votos, Tiago Dimas ficou de fora por causa da interpretação incorreta das normas eleitorais
- Lázaro Botelho, 14º na urna e com menos de um terço da votação de Tiago Dimas, está atualmente na Câmara em uma vaga tocantinense
Confira o voto e o relatório do ministro Ricardo Lewandowski em anexo.