Partidos não poderão apostar todas as fichas em um candidato, devendo agora ter nomes com potencial suficiente para atingir ao menos 80% do quociente
Por Ysabella Portela -jornal opção
Mudanças na legislação eleitoral têm sido frequentes no Brasil. Em 2015, houve a minirreforma, na qual o objetivo principal foi a proibição das doações empresariais às campanhas. Em 2017, com a Reforma Eleitoral, novas regras foram estabelecidas novamente, dentre elas, e talvez a mais importante: o fim das coligações, sendo válida já para as eleições de 2020. E, para 2022, tem-se duas novas peças no tabuleiro: uma cláusula de barreira mais rigorosa e as federações partidárias.
De acordo com a legislação, a partir de 2023, os partidos só terão acesso ao fundo partidário (verba pública repassada aos partidos), aqueles que no pleito deste ano (2022) alcançarem para a Câmara dos Deputados, o mínimo de 2% dos votos válidos – distribuídos ao menos em nove estados, com pelo menos 1% dos votos em cada um, ou eleger 11 deputados em nove estados. E não para por aí. Se as siglas não alcançarem uma dessas metas, terão direito somente à divisão do fundo eleitoral, que é distribuído apenas em anos eleitorais. Outra mudança que impacta diretamente à eleição deste ano é a nova regra para o quociente eleitoral e partidário.
Os candidatos a deputado federal e estadual não dependem apenas dos votos recebidos, diferentemente dos cargos do Executivo ou do Senado, por exemplo. Eles são eleitos de acordo com o sistema proporcional, no qual é realizado um cálculo de quociente eleitoral e quociente partidário para a eleição dos candidatos, junto com seus partidos e também com a novidade do momento: as federações partidárias.
O quociente eleitoral é definido pela soma do número de votos válidos (excluindo-se os brancos e os nulos) dividida pelo número de cadeiras que estão na disputa, no caso de Goiás para a Câmara dos Deputados, são 17 no total. Em 2018, o quociente eleitoral para a aquisição de uma vaga de deputado federal por Goiás foi de 178.305 votos. Agora, para 2022, de acordo com as novas regras, a margem de corte para a eleição de deputados que se aproveitam das chamadas “sobras” subiu de 10% para 20% do quociente eleitoral. Ou seja, só serão considerados para aproveitamento das “sobras” de cada partido ou federação os candidatos que alcançarem no mínimo 20% do quociente mais um voto, sem esquecer que os partidos ou federações deverão alcançar 80% dos votos para estarem no páreo.
A cientista política Marcela Machado explica que isso tem uma relação direta com a função do “puxador de voto”, aquele candidato que obtém um número significativo de votos, possibilitando que puxem para a eleição candidatos menos votados. Segundo a estudiosa, o fim das coligações proporcionais trouxe agora uma maior disputa entre os candidatos do mesmo partido, exigindo que os políticos tenham seus desempenhos individuais para estarem na disputa. “Então, não adianta o candidato apostar que vai ter um grande puxador de votos no partido deles e que porventura pode levar alguns candidatos juntos porque agora existe essa necessidade do desempenho individual de votos de cada candidato para que ele, de fato, entre ali na distribuição das cadeiras”. Em 2018, o pré-candidato ao Senado, atual deputado federal Waldir Soares (União Brasil) alcançou a maior quantidade de votos entre todos os eleitos com 274.406 votos, conseguindo puxar o Major Vitor Hugo (PL) – na época, ambos estavam no mesmo partido, que teve apenas 31.190 votos. Para este ano, isso não irá acontecer.
O advogado eleitoral Matheus Lins Schimuneck destaca que a cláusula de desempenho foi criada com o objetivo de diminuir o impacto dos puxadores de votos nas eleições, mas que estudos apontam que a instituição deste dispositivo não impacta tanto nas eleições, “tanto é assim que em 2018, a deputada por São Paulo, Janaína Paschoal (PRTB) conseguiu votos suficientes para puxar oito colegas do partido para a Assembleia de São Paulo, e a cláusula foi instituída em 2015, revelando o baixo impacto”, diz. Todavia, é preciso considerar as mudanças para este ano.
Considerando o quociente eleitoral de 2018 com 178.305 votos, com uma margem de corte de 17.830 e adotando-se a média histórica de crescimento populacional anual de Goiás (1,5%), essa margem de corte nas “sobras” pelas novas regras subiria para cerca de 38 mil votos — nenhum deputado federal seria eleito pelo Estado com votação menor do que essa. O fato de Waldir Soares não querer disputar sua reeleição para a Câmara dos Deputados pode ter uma influência direta com essa diminuição do papel do puxador de votos. Ele não fazendo parte da chapa de deputados, o partido se vê obrigado a manter em seu grupo candidatos competitivos, apostando em outros nomes – não tão fortes quanto Waldir, mas já conhecidos pelo público -, como é o caso da ex-apresentadora de televisão Silvye. A pressão para que se eleja federais é grande pois é a partir deste número que o partido consegue acesso ao fundo partidário.
Ao ser questionada se a cláusula de barreira enfraquece os partidos, a cientista política Marcela explica que isso não acontece, visto que a legislação eleitoral é feita pensando nas siglas e não nos candidatos. “É pré-requisito para as pessoas se candidatarem no Brasil estarem vinculadas a um partido político, não existe a figura da candidatura avulsa. Essa maior necessidade do candidato ter uma expressividade de votos individualmente, isso com certeza vai impactar individualmente em todo o arcabouço do partido, que vai ser uma maior fatia do fundo partidário, ao ter mais cadeiras. E isso impacta positivamente para o partido: quanto melhor o desempenho dos seus candidatos, melhor também o partido vai ficar na ‘fita’”, diz.
Para o presidente estadual do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Eduardo Macedo, a mudança no quociente eleitoral consegue alterar todas as movimentações políticas em jogo. Ele tece críticas ao sistema eleitoral brasileiro, “o nosso sistema se torna obsoleto e o Congresso precisa criar novas regras para cada eleição. Cada uma das últimas eleições, foi uma regra. Quando você passa por um processo eleitoral, passa mais dois anos e vem novas regras. E os partidos precisam se organizar a cada vez e isso tem se repetido cada vez mais”, diz.
Sobre o fim das coligações, Macedo dá exemplo como o seu próprio partido. “Nos últimos anos o PTB apresentava um ou dois nomes, para as coligações proporcionais que estavam debaixo do guarda-chuva do Palácio, ou seja, da chapa do Governo. E ali os partidos se agasalhava e cada um entrava com um ou dois nomes, juntava e garantia um quantitativo de vagas e aí fazia com que os partidos menores pudessem entrar com nomes para simplesmente fazer um quociente para eleger os candidatos principais daquele partido do Governo”, diz. Segundo o articulador político, agora a missão dos partidos nos estados é muito maior porque ao invés de se ter um nome, as siglas precisam lançar uma chapa completa de federal e estadual e criar essa chapa dentro de todas as novas regras.
Já sobre a importância das regras eleitorais estabelecidas, o petebista destaca que são importantes, como uma maior transparência dos recursos, prestação de contas e a obrigatoriedade de 30% de cota de gênero. Segundo Macedo, o Brasil passa por um momento importante de renovação política. “Há uma expectativa muito grande de que o Congresso Nacional e as assembleias legislativas sejam ocupadas por novos candidatos”, diz.
Matheus, o advogado eleitoral, explica que a montagem de uma chapa competitiva depende de partido para partido. “Há vários critérios considerados para a organização da chapa, tais como a força política dos partidos e candidatos, a quais cargos serão lançados candidatos, quantos serão lançados, se estes cargos serão estaduais ou nacionais, se houve arrecadação prévia de recursos, as alianças políticas feitas, o quanto será enviado de fundo eleitoral, se há uma boa quantidade de interações nas redes sociais do candidato e se as pautas defendidas ou apresentadas têm alguma relevância na discussão pública”, pontua. O especialista destaca ainda que, ao que parece, os partidos segmentarão os candidatos com base nesses critérios, que não são exaustivos. De todo modo, é preciso ter em mente que ser eleito é o prêmio de uma boa preparação remota e próxima do pleito.