A participação do presidente Jair Bolsonaro em manifestação convocada por apoiadores em favor de uma intervenção militar neste domingo (19) gerou revolta na oposição e alarmou lideranças de movimentos sociais, governadores e parlamentares.
Por Edson Rodrigues e Luciano Moreira
Ao discursas na carroceria de um veículo militar, Bolsonaro incorporou a truculência que marcou a vigência do AI-5 e fez uma aposta arriscada entre sua popularidade e a reação do Legislativo e do povo brasileiro.
Desmoralizado diante da opinião pública, o clã Bolsonaro parece preparar terreno para uma escalada autoritária. O ex-capitão insuflou os seguidores em aceno a uma escalada autoritária durante manifestação convocada em razão do Dia do Exército que pediu uma intervenção militar no país.
“Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada, nós queremos é ação pelo Brasil. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm que ser patriotas e acreditar, fazer sua parte, para colocar o Brasil num lugar de destaque e liderança”, afirmou.
MASSA DE MANOBRA?
Apesar da maioria dos votos que elegeram Bolsonaro terem vindo das classes sociais mais baixas, são os direitistas de elite que mantém seus sonhos ufanistas de um recrudescimento militar. Quem estava em Brasília, durante seu discurso, hoje, chegou em carros de luxo ou por meios próprios. Não fizeram parte do povo que sofreu com a ditadura militar, do proletariado brasileiro, descendem dos “coronéis”, que dominavam a indústria e o comércio na época da ditadura e que sonham com a concretização doa suas aspirações de voltar a conviver com o poder, sob as benesses dos militares.
Dezenas de simpatizantes se aglomeraram para ouvir o presidente, contrariando as orientações da de isolamento social da Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar a propagação do coronavírus. Durante o discurso, Bolsonaro tossiu algumas vezes, sem usar a parte interna do cotovelo, conforme orientação das autoridades sanitárias.
Do alto de uma caminhonete, Bolsonaro disse que ele e seus apoiadores não querem negociar nada e voltou a criticar o que chamou de "velha política".
"Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm que ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder."
Foi a maior aglomeração provocada por Bolsonaro desde o início da adoção de medidas contra a pandemia no Brasil. Na véspera, ele já havia falado para manifestantes que se concentraram em frente ao Palácio do Planalto.
Antes da fala de Bolsonaro, manifestantes gritavam "Fora, Maia", "AI-5", "Fecha o Congresso", "Fecha o STF", palavras de ordem ilegais, inconstitucionais e contrárias à democracia. O Ato Institucional número 5 (AI-5) vigorou durante dez anos (de 1968 a 1978), no período da ditadura militar, e foi usado para punir opositores ao regime e cassar parlamentares.
O presidente fez o discurso em frente ao Quartel-General do Exército e na data em que é celebrado o Dia do Exército. Os manifestantes também pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O QUE FOI O AI-5
O AI-5 foi uma norma legal editada e emitida pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silva. Com essa medida, os militares aumentaram consideravelmente a repressão e o autoritarismo do regime, dando a esses elementos legalidade jurídica. O AI-5 estabeleceu o fechamento do regime, algo que os militares desejavam realizar desde 1964.
O anúncio desse ato institucional foi realizado pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em cadeia nacional de rádio. Ao todo, o AI-5 possuía 12 artigos que, como mencionado, estabeleciam um aparato jurídico para que os militares ampliassem o autoritarismo no país sob a falsa justificativa de realizar a salvaguarda de sua democracia.
O AI-5 decretou a permissão ao presidente para ordenar: o fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; a intervenção federal em estados e municípios; a cassação de mandatos políticos e a suspensão de direitos políticos; o estado de sítio; e a apreensão de bens materiais de cidadãos, entre outras medidas.
Essas medidas eram possibilidades dadas ao presidente, o que representou uma grande concentração de poder nas mãos dele. O AI-5 também proibia que habeas corpus fosse concedido para todos os “acusados” de “crimes políticos”, e, com base nele, os militares ausentavam-se da responsabilidade de justificar qualquer ação realizada.
O QUÊ ACONTECEU
O Congresso foi fechado, e presidente Juscelino Kubitschek, levado para um quartel em Niterói (RJ), onde permaneceu preso por vários dias. O governador Carlos Lacerda foi detido no dia seguinte pela PM da Guanabara (RJ). Após uma semana em greve de fome, conseguiu ser libertado.
Nos primeiros anos após a decretação do AI-5, foram presas ao menos 1.390 brasileiros, em diversos setores e diferentes escalões da vida pública no país. Durante o período, surgiram diversas formas de resistência à ação repressora do regime militar nos planos político, sindical e cultural.
Em 30 de dezembro saiu a primeira lista de cassações, com 11 deputados federais. A segunda lista saiu em janeiro de 1969, com dois senadores e 35 deputados federais, três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e um ministro do STM (Superior Tribunal Militar).
Ao todo, 333 políticos tiveram seus direitos políticos suspensos em 1969 (dos quais 78 deputados federais, cinco senadores, 151 deputados estaduais, 22 prefeitos e 23 vereadores). O Congresso permaneceu fechado até outubro de 1969, quando foi reaberto para eleger Medici.
FIGURA MENOR
Ao insuflar sua massa de seguidores – que diminui a cada ato tresloucado – Jair Bolsonaro mostra o quão despreparado é para estar na Presidência do País e que sua tentativa patética de entrar para a história jamais se concretizará.
Afinal, ele concorre com nomes como os de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Severo Gomes, Leonel Brizola e Djalma Marinho, entre outros, e perde para todos, sendo, efetivamente, uma figura menor, que, no máximo, dará um parágrafo de referência histórica quando a história política do Brasil for contada, daqui a algumas décadas.
APESAR DOS PESARES
Apesar dos pesares, Bolsonaro, porém, não pode se deixar ser refém da grande mídia, muito menos do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, a quem desferiu seus impropérios. Mas, este é um caso que se resolve com habilidade política, muita conversa e concessões de todos os lados.
Não será com uma reedição do AI-5 que Bolsonaro conseguirá resolver seus problemas, muito menos enfrentando de forma truculenta aos seus adversários. Jair Bolsonaro tem que lembrar que as Forças Armadas não têm o mesmo efetivo de antigamente, muito menos coaduno totalmente com suas ideias, afinal, ele foi punido pelo próprio exército por suas ideias divergentes à ordem da caserna.
Olhando pelo lado popular, a grande maioria das classes política, empresarial, religiosa e popular jamais apoiaria uma iniciativa de um novo AI- “seja lá qual for o número”, afinal, ninguém defenderia o fim da liberdade de imprensa, de expressão, de ir e vir, de pensamento. Sem contar que, com uma ditadura em vigor, Bosonaro se afastaria dos ditames de seu “melhor amigo do momento”, Donald Trump, presidente americano, o que colocaria a saúde de nossa economia em perigo iminente, já que é de lá que estão vindo os avais e “garantias” para que o Brasil continue operando no “mercado dos ricos”.
TÁBUA DE SALVAÇÃO
Bolsonaro deve se agarrar á única tábua de salvação, que foi a sua capacidade de mobilização popular para tirar o Brasil dos anos de roubalheira do PT e restabilizar a política brasileira, dando voz aos demais partidos e desfazendo o aparelhamento que o Partido dos Trabalhadores instituiu nas repartições públicas Brasil afora e, principalmente, fazendo valer sua grande “bandeira” eleitoral que era a guerra contra a corrupção, fortalecendo as instituições fiscalizadoras e dando-lhes condições para fazer a “limpa’ que o país – e seus eleitores – tanto quer.
Manter suas bandeiras eleitorais intocadas e em desenvolvimento é tudo o que justifica a permanência de Jair Bolsonaro no poder.
Inflamar sua militância “cega” a favor de um ato inconstitucional, que afronta as maiores instituições democráticas reconquistadas com a volta da democracia é o primeiro passo para fazer levantar uma massa de brasileiros que apenas o suportam como presidente e dar ao Congresso Nacional motivos para, primeiro, vê-lo como despreparado e, segundo, para vê-lo longe do comando.
Se há duas coisas que o Brasil, como País sério, não precisa, é de outra ditadura ou de outro impeachment, e quem só quem pode resolver isso, é o próprio Bolsonaro!