Em reunião da SBPC, neurocientista afirma que caminho do coronavírus foi facilitado pela ausência de restrições no aeroporto de Guarulhos e de barreiras sanitárias nas estradas que saem da capital paulista
Por Cida de Oliveira
Sem citar diretamente o nome do governador João Doria (PSDB), o neurocientista Miguel Nicolelis disse hoje (4) que São Paulo foi responsável por “85% do espalhamento de casos de covid pelo país todo nas primeiras três primeiras semanas da pandemia”, a partir do fim de fevereiro. Isso porque, segundo ele, o maior aeroporto brasileiro, o de Guarulhos, foi porta de entrada sem restrições de pessoas infectadas vindas de diversos países e regiões do Brasil. E também pelo fato de o estado concentrar os maiores e mais importantes fluxos de importação e exportação aérea e rodoviária do país. “A falta de um lockdown mais reforçado e a ausência de bloqueios sanitários nas rodovias principais que saem de São Paulo para outras capitais explicam os 85%. Percentual que nos meses seguintes não baixou para menos de 30%”, disse.
Ao participar de debate hoje (4), último dia da 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Nicolelis apresentou as estratégias adotadas e os resultados obtidos pelo Comitê Científico do Consórcio Nordeste, que coordena ao lado do ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Entre eles, destacou o fato de a região ter tido menos óbitos por 100 mil habitantes do que o Centro-Oeste, o Norte e o Sudeste.
Coronavírus “escondido”
O cientista criticou também o negacionismo e a distância adotada pelos políticos em geral em relação à ciência e aos cientistas. E destacou novamente São Paulo, cujo governo escondeu o aumento de casos de covid-19, bem como a prefeitura paulistana.
“Sabemos que 110 mil casos ainda não foram relatados nas estatísticas da cidade de são Paulo. E temos a mudança de fase no estado no dia seguinte das eleições. Evidentemente que os cientistas no estado tinham deixado claro que essa mudança tinha de ter ocorrido semanas antes do segundo turno. Tudo tem um preço. Como têm as perspectivas das festas natalinas, que podem gerar ainda mais casos e mais óbitos, nessa segunda onda brasileira, em que os casos estão explodindo novamente”, disse.
A esperança, segundo ele, é que a sociedade brasileira pressione os gestores públicos para que a ciência seja ouvida e dê sua contribuição para reduzir os danos do que já é a maior tragédia humana da história do Brasil.
Negacionismo mortal
O oncologista Dráuzio Varella, que também participou da reunião da SBPC, reafirmou a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro pelos cerca de 175 mil mortos por covid-19 em todo o país. “Bolsonaro é o responsável pelo grave quadro no país. Não é por acaso que chegamos a esse triste número”, disse.
E comparou o Brasil, segundo colocado mundial no número de óbitos, aos Estados Unidos, que ultrapassou os 273 mil mortos pela infecção e segue em primeiro lugar. Do mesmo modo que Bolsonaro negou a gravidade da doença desde o início e faz campanha até mesmo contra o uso de máscara – influenciando muitos brasileiros a fazerem o mesmo –, o presidente Donald Trump seguiu sem uso do acessório em toda sua campanha à reeleição dos Estados Unidos, da qual saiu derrotado por Joe Biden, que ao contrário sempre aparece publicamente de máscara.
Na avaliação de Varella, o Brasil deve passar dos 200 mil mortos até o final ainda até o final do ano. E 2021 será também muito difícil. “Não teremos vacina para todos e os brasileiros decretaram o fim da pandemia por conta própria. E agora, com as festas de fim de ano, o contágio deve aumentar”, alertou.