Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) apostam no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para barrar o avanço da PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita as decisões individuais na corte.
POR MATHEUS TEIXEIRA
A matéria foi aprovada no Senado na quarta-feira (22) e determina que apenas o plenário do tribunal pode derrubar atos do presidente da República e dos chefes do Legislativo.
A avaliação de integrantes do STF nos bastidores é que o deputado irá segurar a matéria para manter uma boa relação com o Supremo devido às decisões do ministro Gilmar Mendes de barrar investigações contra ele.
Gilmar anulou provas relacionadas a Lira em investigação sobre supostos desvios de recursos públicos em contratos de kit robótica que envolvem aliados do deputado. Antes, o ministro já havia determinado a suspensão da investigação.
Ministros também dizem acreditar que a ação do presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, de retirar de pauta julgamentos polêmicos, como a descriminalização das drogas e do aborto, foi uma sinalização importante ao Legislativo e ajuda a reduzir a pressão na Câmara pela votação da PEC.
Deputados e senadores se queixam de ações do Supremo que, dizem, interfere em prerrogativas do Legislativo. Além dos casos das drogas e do aborto, eles também citam o julgamento do STF que determinou inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas.
Mesmo se a avaliação estiver errada e os deputados aprovarem o texto, ministros do STF afirmam nos bastidores que o tribunal tem maioria para invalidar a PEC das decisões individuais.
Os magistrados dizem em conversas reservadas que a PEC viola a Constituição por limitar o acesso dos cidadãos à Justiça, uma vez que muitos pleitos judiciais são atendidos via decisões individuais.
O decano da corte, ministro Gilmar Mendes, já deu indícios, em discurso no início da sessão desta quinta (23), que o Supremo não hesitaria em derrubar a PEC.
"O fato é que este Supremo Tribunal Federal, sempre atento às suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo", afirmou.
O magistrado fez duras críticas à PEC e usou a expressão "pigmeus morais" para se referir a seus apoiadores.
Barroso também fez uma fala em defesa do Supremo e afirmou que o Brasil vive diversos problemas, como crime organizado e mudança climática, e que mudanças na corte não devem ser a prioridade do país.
"O STF não vê razão para mudanças constitucionais que visem alterar as regras de seu funcionamento", afirmou.
Barroso disse que o Supremo enfrentou negacionismo na pandemia da Covid-19 e o negacionismo climático devido às queimadas na Amazônia, além de ter sido um "dique de resistência contra avanço autoritário".
A ala ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Senado sempre defendeu a aprovação da proposta. O texto, porém, só avançou após ganhar o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Foram 52 senadores a favor, 18 contra e nenhuma abstenção, tanto na votação do primeiro como do segundo turno. Até o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), foi favorável, o que ampliou a crise e inseriu o Executivo na disputa entre os Poderes.
O apoio de Pacheco foi visto por parlamentares como uma movimentação do grupo de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que pretende se candidatar ao comando da Casa e busca se aproximar de bolsonaristas ligados à pauta anti-STF.
A PEC define que as chamadas decisões monocráticas não podem suspender a eficácia de uma lei ou norma de repercussão geral aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República --para isso, obriga que haja decisões colegiadas.
Foram ajustados alguns trechos do texto original, com a retirada de um ponto que limitava o pedido de vistas em julgamentos --uma vez que a ex-ministra Rosa Weber já alterou o regimento do Supremo para restringir este dispositivo, que acabava postergando as decisões da corte.