Certamente não foi uma luta de um só guerreiro, pois nesta caminhada, que se agarrou à linha do tempo e atravessou quase três séculos, uniu nesta longa jornada gente simples, desprovida de esperanças, idealistas que sonhavam com a terra prometida, intelectuais, consolidando opiniões e muitas autoridades, debatendo e preparando as bases para a construção do Tocantins que todos sonhavam.
Por Edivaldo Rodrigues
Um dos fatores que contribuíram decisivamente para aflorar ainda mais a rebeldia do povo do Norte Goiano, foi certamente as dificuldadespara se estabelecer desenvolvimento, como também o isolamento geográfico e principalmente o descaso das autoridades do Sul com esta região. A ausência de acesso e falta de contato permanente dos habitantesnortenses com os sulistas, levou esta coletividade a estabelecer mais vínculos comerciais com os estados vizinhos, dentre eles Pará e Maranhão, consolidando com isso certeza de que, os ventos que sopravam da parte rica de Goiás, eram desnecessário para a sobrevivência desta gente pobre do Norte, cinte de que romper os grilhões com o atraso era preciso.
Movimento separatista
A partir de 1821, o movimento separatista se fortaleceu com o Governo Autônomo de Tocantins. Com isso, em 1920, as ideias libertárias ganharam força novamente, mas ainda sem sucesso. Com a construção da Capital Federal no coração Goiás, permitiu mais esperanças e desenvolvimento ao Norte do Estado. Além disso, as obras da Belém-Brasília, a mineração de ouro e calcário e o extrativismo da madeira, aqueceram a economia da região, expandindo a população, a agricultura e o comércio.
A luta separatista seguiu soberana, o que levou em oportunidades distintas, nas décadas de 1980, a aprovação de duas propostas distintas pelo Congresso Nacional,iniciativa que libertava o povo do Norte Goiano do Julgo sulista. Estesprojetos foram vetados respectivamente pelos então presidentes da República, João Figueiredo e José Sarney. Finalmente, com a promulgação da Constituição do Brasil, em 1988, o tão sonhado Estado do Tocantins foi criado.
Porto nacional decisivo
Mas, para que este sonho se tornasse realidade, fez se necessário entoar o tambor de guerra, fazer tremular a bandeira da ocupação, armar-se de idealismo e, com muita determinação, partir para o enfretamento e derrotar os gigantescos interesses políticos e econômicos que mantinha o povo tocantinensesubjulgado aos mandatários do Sul de Goiás. Nesta luta Porto Nacional foi decisivo, senão vejamos:
Em 1958 Porto Nacional se posicionou com expressividade nesta luta libertária e, através de vários movimentos envolvendo importantes membros da sociedade portuense faz com que parte do Brasil tomasse conhecimento da reivindicação do povo do Norte de Goiás. O brado guerreiro desta gente nortense somente teve repercussão em boa parte do País graças a idealistas como Oswado Ayres da Silva, Fabricio Cesar Freire e João Matos Quinaud, que naquele ano fundaram a ATI – Associação Tocantinense de Imprensa.
A ATI, reconhecida nacionalmente como uma instituição sempre voltada para a defesa das liberdades individuais e da cidadania, foi o palco de grandes debates naquele período, oportunidade em que reunia as mais expressivas figuras púbicas do Norte Goiano, entre eles intelectuais, profissionais liberas e parte significativa da sociedade civil e destacadas lideranças políticas, que juntos elaboravam contundentes manifestos a favor da criação do Estado do Tocantins.
Noticias para o Brasil
Era das esqueléticas máquinas de datilografia e dos surrados mimeógrafos da Associação Tocantinense de Imprensa que se materializavam como noticias as ideias separatistas do povo nortense. Graças a estes ilustres portuenses que contundente e expressivo material noticioso chegava aos grandes centros do Brasil e eram repercutidos nos principais jornais da época, principalmente nos periódicos comandados pelo mítico Assis Chateaubriand.
Estas matérias jornalísticas, escritas pelos principais articulistas da ATI, já pontuavam que, criado o Tocantins, Porto Nacional seria a capital do novo Estado. A certeza se sustentava na condição que a cidade exercia como grande centro educacional, polo cultural, além de já contar com uma excelente estrutura, destacando se alguns imponentes e funcionais prédios públicos, que inicialmente seriam usados para abrigar os equipamentos administrativos e também na serventia de sede definitiva do governo, suas secretarias, autarquias e órgãos afins.
“Porto Nacional, Estado do Tocantins”
Neste período, outras figuras públicas se destacavam por suas iniciativas separatistas, dentre elas o Brasil se solidarizou comum homem das leis, que expressava seus sentimentos libertários juntamente com os líderes da ATI, através de sua posição institucional. Ele era o Juiz de Direito Feliciano Machado Braga, da comarca portuense, que através de manifestos, documentos oficiais e processos específicos, destacava a necessidade de se criar o Estado do Tocantins, tendo Porto Nacional como capital.
Enfático e determinado nas suas posições, o magistrado portuense, além de liderar manifestações, organizar congressos temáticos e debater publicamente as ideias separatistas, fazia questão de assinar documentos oficias, enfatizando sempre sua sonhada localização geográfica, e assim ele grafava: “Porto Nacional, Estado do Tocantins”.
Por esta postura de rebeldia institucional ele foi alertado inúmeras vezes pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que não logrou êxito nas suas advertências. Ignorado publicamente, o judiciário goiano revidou e então oficializou uma dura punição a Dr. Feliciano Machado Braga, que persistiu na luta separatista ainda por longos anos, até os últimos dias de vida.
Outras trincheiras
Além da ATI, outra instituição que também fortaleceu a luta separatista foi a CENOG – Casa do Estudante do Norte Goiano, que teve um papel fundamental durante os anos de 1960, período em que Porto Nacional se consolidou como Capital Cultural, dada a expressividade intelectual dos portuenses. Esta condição era o resultado de uma educação de excelência implantada na cidade ainda no final do século XVIII, pelos frades dominicanos.
Esta capacidade do povo portuense de discernir, de compreender com clareza a necessidade de diuturnamente se criar cidadania e mais qualidade de vida, balizando todas as ações nas liberdades individuais e no estado de direito, incomodou muito os golpista de 1964, que perseguiu duramente os filhos de Porto Nacional, dentre eles jovens estudantes, renomados intelectuais e centenas de profissionais liberais, como professores, médicos, engenheiros, arquitetos e advogados.
Guerreiros exilados
Quase todas as tradicionais famílias portuenses choraram a prisão, a tortura e o desparecimento de parentes próximos, que durante anos, os que sobreviveram, sofreram nos calabouços do Regime Militar. Naquele período de chumbo, sangue e desesperança, Porto Nacional novamente recebeu o apoio incondicional de religiosos: Dom Alano Maria Du N’oday, Bispos Diocesano desta secular coletividade, enfrentou de peito aberto e com muita determinação a covardia dos golpistas de 64.
Por ser Dom Alano naquela oportunidade uma figura dedicada a um expressivo trabalho evangelizador, o que permitiu sua Diocese, naquela primeira década de bispado, ordenar 25 padres, fato raríssimo naquele Norte Goiano isolado, sem estrutura de informação e comunicação, por isso a consolidação das dificuldades formação sacerdotal. E por ser ele também um conciliador e defensor intransigente das liberdades individuais, da cidadania e principalmente da sociedade portuense, se fazia a última esperança das famílias dessa centenária comunidade nas questões políticas, culturais, econômicas e sociais da cidade.
Ciente do seu papel e de sua importância para esta sociedade, ele, por várias oportunidades viajou a Brasília, ao Rio de Janeiro e a São Paulo e frente e frente com asmais elevadas patentes das Forças Armadas, foi firme nas suas palavras e nas convicções que amparavam sua postura em defesa das liberdades individuais, buscando com isso livrar os filhos de Porto Nacional das mazelas das prisões militares. Como em toda sua vida, naquele período Dom Alano fez história. Ele foi fundamental para que muitos destes portuenses pudessem refazer suas vidas em outros países como asilados e também quando retornaram ao Brasil, recebendo dele o apoio necessário para a retomada de suas cidadanias.
No final da década de 1970, muitos outros filhos de Porto Nacional, não menos dilacerados pela saudade, se exilaram em grandes centros populacionais, desta feita buscando as universidades. Belém, São Paulo, São Luiz, Rio de janeiro, Brasília e Goiânia foram algumas das cidades onde centenas de jovens, oriundos de todas as classes sociais, foram buscar conhecimento e consequentemente uma profissão para ser exercida no tão esperado Estado do Tocantins, iniciativa separatista que a cada dia recebia mais apoio de importantes setores da sociedade civil e politica de todo o Brasil.
Base de luta
Neste processo de busca de qualificação, Goiânia foi a cidade que mais recebeu filhos de Porto Nacional, tornando-se uma combativa base da luta separatista. Tal condição tinha justificativa. A capital goiana, que na época registrava um numero significativo de jovens portuenses matriculados em quase todas as instituições de ensino superior ali implantadas, também abrigava as sede dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciárioonde certamente estava consolidado os empecilhos que obstaculavam o sonho libertário do povo do Norte Goiano.
Naquela oportunidade, os jovens portuenses se organizaram e associações, uma delas a AJUT – Associação da Juventude Tocantinense, como também influenciavam nos centros acadêmicos, debatiam em reuniões temáticas e fundaram jornais, dentre eles O Paralelo 13, que passou a ser uma tribuna do movimento separatista. Além disso, se fizeram ouvir em importantes congressos onde se discutia a criação do Tocantins, como também participaram de debates na Assembleia Legislativa de Goiás, além de integrarem inúmeras caravanas que foram a Brasília reivindicar a criação do Estado do Tocantins.
Em todas estas oportunidades os portuenses defendiam, com intransigência, que a capital do sonhado Tocantins não poderia ser em outro lugar, senão em Porto Nacional. Centenas de manifestos, de abaixo assinado, de ofícios e outros documentos foram entregues às autoridades competentes, sinalizando que os filhos das terras de Félix Camoa não aceitariam a escolha de outra cidade para sediar o Governo do Estado.
Comissão de estudos
Neste período, não muito diferente da ATI – Associação Tocantinense de Imprensa, do Aeroclube e nem da CENOG – Casa do Estudante do Norte Goianos, a atuação da CONORTE – Comissão de Estudos dos Problemas do Norte Goiano, fundada em 31 de outubro de 1981, e tendo sempre um portuense na direção, com objetivo de lutar pelos ideais libertário do povo do norte, municiando tecnicamente os principais lideres que encabeçavam o movimento.
A entidade foi fundada e era composta por economistas, engenheiros, arquitetos, professores universitários, estudantes, intelectuais, religiosos dentre outras figuras públicas. Com expressiva capacidade técnica, através de encontros periódicos, congressos e reuniões temáticas, eram elaborados projetos e defendidas inúmeras teses na busca sensata de prepara um Tocantins para o futuro sem os vícios das demais unidades federativas.
Uma destas teses defendidas pela CONORTE, era a de que, a capital do futuro Estado, criação em debate no Congresso Constituinte, fosse localizada no Centro Geográfico do Tocantins. Esta ideia, amparada por estudos que indicavam que, isso facilitaria o desenvolvimento econômico regional expandir de forma harmônica e equilibrada, saindo de uma governança centralizada, levando ações administrativasem direção a todas as áreas. Este argumento fortaleceu Porto Nacional.
Sonho realizado
Quando se instalou a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988, lá estavam novamente os portuenses se movimentando pelos corredores do Congresso Nacional, levando a senadores e a deputados federais as reivindicações desta coletividade, dentre elas a de que a capital do sonhado Estado, ali em debate a sua criação, teria que ser Porto Nacional. E então, no dia 5 de outubro de 1988, a nova Constituição Federal do Brasil foi promulgada e em seu bojo, através das Leis Transitórias, o Estado do Tocantins foi criado, e com isso o povo do Norte Goiano se libertou das amarras do abandono imposto pelo Sul de Goiás.