Ao condenar Eike Batista a 30 anos de prisão na Lava Jato o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal (RJ), afirmou que os crimes cometidos pelo empresário provocaram "cicatrizes profundas na confiança de investidores e empreendedores que, num passado recente, viam o Brasil como boa opção de investimento"
Da Redação
Em trecho da sentença de 119 páginas, divulgada nesta terça-feira (3), o magistrado observa que, mesmo possuindo à época dos crimes "situação financeira abastada" (ele figurava na lista dos sete mais ricos do mundo), ex-bilionário "revelou dolo [intencionalidade] elevado em seu agir".
"Homem de negócios conhecido mundialmente, e exatamente por isso, suas práticas empresariais criminosas foram potencialmente capazes de contaminar o ambiente de negócios e a reputação do empresariado brasileiro", escreveu Bretas. O juiz aponta autoria de Eike nos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro denunciados pela Lava Jato no Rio na Operação Eficiência, realizada pela Polícia Federal em janeiro de 2017. O empresário é acusado de pagar propina de US$ 16,5 milhões para o ex-governador do RJ Sérgio Cabral em troca de vantagens em negócios com o estado.
Foram condenados:
Eike Batista - 30 anos de prisão por corrupção ativa e lavagem de dinheiro;
Sérgio Cabral - 22 anos e oito meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas;
Flávio Godinho - 22 anos de prisão por corrupção ativa e lavagem de dinheiro;
Adriana Ancelmo - 4 anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro;
Wilson Carlos - 9 anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro;
Carlos Miranda - 8 anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro;
Para Bretas, a relação de proximidade entre o empresário e o ex-governador "ultrapassou os limites dos interesses administrativos e empresariais, tendo sido comprovado nos autos o alto grau de influência que o empresário Eike Batista tinha no governo de Sérgio Cabral, preso desde novembro de 2016, ele responde a 25 processos na Justiça Federal.
Na Operação Eficiência, a força-tarefa da Lava Jato fluminense descobriu que Cabral e seus operadores financeiros mantinham mais de US$ 100 milhões no exterior. O dinheiro seria fruto do esquema de corrupção (cobrança e pagamento de propina) chefiado pelo ex-governador, segundo a denúncia, e era administrado pelos irmãos Marcelo e Renato Chebar.
A delação premiada dos irmãos Chebar foi fundamental para as investigações da Polícia Federal, do MPF (Ministério Público Federal) e da Receita. Diz trecho da sentença:
"Com efeito, no bojo do mencionado acordo [de delação] foi revelado que Sérgio Cabral se valeu dos serviços dos referidos irmãos, operadores do mercado financeiro, para ocultar, em contas bancárias no exterior, em nome destes ou empresas de fachada por eles constituídas, o dinheiro da propina que recebeu no Brasil e que foi remetido ao exterior, por meio de operações dólar-cabo."
"As provas de corroboração apresentadas pelos colaboradores demonstraram que Sérgio Cabral, Wilson Carlos e Carlos Miranda acumularam mais de USD 100.000.000,00 em propinas, distribuídas em diversas contas em paraísos fiscais no exterior, principalmente durante o seu mandato à frente do governo do estado."
Os doleiros revelaram que cerca de US$ 16,5 milhões acumulados por Cabral no exterior foram pagos por Eike em 2011. A propina teria sido gerada por meio de um contrato fictício de consultoria --na ocasião, os irmãos Chebar teriam sido contratados para intermediar a aquisição de uma mina na Colômbia.
O serviço nunca foi prestado, mas a offshore Arcadia Associados, criada pela dupla de doleiros no Panamá, recebeu os US$ 16,5 milhões destinados a Cabral. A contrapartida seria o favorecimento da gestão estadual a empreendimentos de Eike, que é dono do grupo EBX.
"Descreve a acusação, que à época dos fatos o empresário Eike Batista estava à frente de vários projetos e empreendimentos relacionados aos setores da infraestrutura e aos segmentos de óleo e gás, indústria naval, energia, mineração e logística portuária no estado do Rio de Janeiro", diz a sentença.
Nada mais repugnante do que a ambição desmedida de um agente público que, tendo a responsabilidade de gerir o atendimento das necessidades básicas de milhões de cidadãos do Estado do Rio de Janeiro, opta por exigir vantagens ilícitas a empresas.
Os homens apontados como operadores financeiros de Cabral, Wilson Carlos (ex-secretário de Estado de Governo) e Carlos Miranda (tido como o "gerente da propina", segundo a Lava Jato), também foram condenados por Bretas no âmbito da Operação Eficiência. O primeiro a nove anos e dez meses de prisão, e Miranda a oito anos e seis meses de reclusão.
Já o empresário e ex-vice presidente do Flamengo Flávio Godinho, descrito como braço direito de Eike no esquema, recebeu pena de 22 anos de prisão.
O juiz da 7ª Vara Federal Criminal também puniu a advogada Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, a quatro anos e seis meses de prisão.
Outro lado
Procurado, Fernando Martins, advogado de Eike Batista, informou que irá recorrer da decisão.
Nas alegações finais do processo, a defesa do empresário havia negado todas as acusações e afirmado que as acusações da Lava Jato eram uma interpretação "criativa" dos fatos.
Para os advogados, o MPF foi incapaz de provar a autoria dos crimes imputados, a começar pela propina, e pediam, além da absolvição, a anulação da ação penal.
"Com relação à suposta oferta de US$ 16.592,620,00, é dito apenas que o correu Sérgio Cabral teria solicitado o valor nos anos de 2010 e 2011, e que o pagamento teria sido efetuado em novembro de 2011, mas não há indicação precisa da data em que teria se consumado o crime de corrupção ativa", alegou a defesa, ao afirmar que "a vagueza das acusações salta aos olhos".