Armados de teorias rasas, vociferando discursos oportunistas, um número acanhado de autoridades constituídas, aliado a lideranças regionais desqualificadas, contrapõem a soberania popular que chancela aos cidadãos brasileiros escolher seus representantes pelo sufrágio universal do voto, e lançam no vácuo da instabilidade política momentânea, o alongamento dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores.
Esses querubins caídos, sapateando sobre corpos de milhares de desvalidos, atingidos por uma doença de letalidade avassaladora, molda suas intenções particularizadas com a desfaçatez dos crápulas. Eles elencam impossibilidades para a realização do pleito em outubro próximo, responsabilizando a Pandemia, e a imperativa necessidade do distanciamento social, que segundo suas conveniências eleitoreiras, deverá durar todo o ano de 2020.
Esses coveiros da democracia, que soam suas trombetas do juízo final sobre caixões e catacumbas coletivas, certamente não moldam suas ideias ancoradas em evidencias, nem tão pouco voltam seus sentimentos para os milhares que já tombaram e outros tantos padecendo do suplicio e da desesperança. Seus interesses estão focados tão somente em postergar as eleições municipais de 2020, visando proteger seus prefeitos, vereadores e partidos políticos já em adiantado estado de putrefação.
Não é novidade. Os arautos das espúrias soluções salvadoras, dos projetos personalistas e das conveniências deturpadas, sempre estiveram do lado oposto da cidadania plena. Armados de falácias manipuladoras, costumam usar as desgraças do momento para consolidar seus benefícios. Neste instante, investidos de conhecimentos viciosos, elegem a Covide-19 para desmerecer o ato democrático do voto.
Na idade Média, entre 1347 e 1351, quando a Pandemia da Peste Negra matou cerca de 200 milhões de pessoas, lá estavam os arautos do Cristianismo, invocando as “santidades” da Igreja Católica, contra os “demônios” que compunha a classe dos miseráveis, queimados vivos em fogueiras como os responsáveis pela doença. Durante a Gripe Espanhola, entre 1917 e 1920, doença que matou um terço da população mundial, alguns proclamadores da virtuosidade política, invocaram suas vontades totalitárias na tentativa de desviar o Brasil da sua vocação democrática.
Essas páginas da história nos relatam que, em todos esses momentos, lá estavam os sonhadores, os idealistas, os estadistas, os verdadeiros líderes e o povo. Com bravura, determinação e vocacionados a lutar pelas liberdades, cimentaram, através do voto, as bases de fortalecimento dos pilares que sustentam os preceitos democráticos e o estado de direito. Aos oportunistas, idiotas úteis, sobraram tão algumas frases desconexas que os descrevem como estorvos.
Desde o dia inaugural da nossa República, que eles tecem artimanhas para desmerecer a democracia. Mas o Brasil, através do voto, da luta libertária de milhares, de milhões, construíram a Nação que vivenciamos hoje. Nesse pouco mais 130 anos da Proclamação da República, aconteceram seis constituições federais – 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988; nove moedas – Réis: até 1941, Cruzeiro: 1942, Cruzeiro Novo: 1967, Cruzeiro: 1970, Cruzado: 1986, Cruzado Novo: 1989, Cruzeiro: 1990, Cruzeiro Real: 1993 e Real: 1994; seis vezes o Congresso Nacional foi fechado; 1891, 1930 a 34; 1937 a 46; 1966, 1968 a 69 e 1977; seis Golpes de Estado – 1889, 1930 a 34; 1937 a 45; 1945, 1955, 1964 a 85; um plebiscito ignorado; venda de armas: 2005.
Além disso, treze presidentes não concluíram o mandato – Deodoro: 1891, Afonso Penha: 1909, Rodrigues Alves: 1918, Washington Luís: 1930, Júlio Prestes: 1930, Vargas: 1945 e 1954, Carlos Luz: 1955, Jânio Quadros: 1961, João Goulart: 1964, Costa e Silva: 1969, Tancredo Neves: 1985, Collor: 1992 e Dilma: 2016; treze presidentes não eleitos diretamente (também considerando posse de interinos) – Deodoro: 1889*Floriano Peixoto: 1891*, Prudente: 1894*, Campos Sales: 1898*, Rodrigues Alves: 1902*, Afonso Penha: 1906*, Nilo Peçanha: 1909*, Fonseca: 1910*, Venceslau: 1914*, Rodrigues Alves: 1918*, Delfim Moreira: 1918*, Epitácio: 1919*, Arthur: 1922*, Washington Luis: 1926*, Júlio Prestes: 1930*, Vargas: 1930, José Linhares: 1945, Café Filho: 1954, Carlos Luz: 1955, Nereu Ramos: 1955, Ranieri Mazilli: 1961, João Goulart: 1961, Castelo Branco: 1964, Costa e Silva: 1967, Médici: 1969, Geisel: 1974, Figueiredo: 1979, Tancredo Neves: 1985, José Sarney: 1985, Itamar Franco: 1992, Michel Temer: 2016 – *Presidentes do Período da República Velha marcado pelas fraudes eleitorais e o coronelismo.
Nesse período ocorreram Trinta e uma revoltas e guerrilhas – Golpe Republicano: 1889, Primeira Revolta de Boa Vista: 1892-1894, Revolta da Armada: 1892-1894, Revolução Federalista: 1893-1895, Revolta de Canudos: 1893-1897, República de Curani: 1895-1900, Revolução Acreana: 1898-1903, Revolta da Vacina: 1904, Segunda Revolta de Boa Vista: 1907-1909, Revolta da Chibata: 1910, Guerra do Contestado: 1912-1916, Sedição de Juazeiro: 1914, Greves Operárias: 1917-1919, Levante Sertanejo: 1919-1930, Revolta dos Dezoito do Forte: 1922, Revolução Libertadora: 1923, Coluna Prestes: 1923-1925, Revolta Paulista: 1924, Revolta de Princesa: 1930, Revolução de 1930: 1930, Revolução Constitucionalista: 1932, Revolta Mineira: 1935-1936, Intentona Comunista: 1935, Caldeirão de Santa Cruz do Deserto: 1937, Revolta das Barcas: 1959, Regime Militar: 1964, Luta Armada: 1965-1972, Guerrilha de Três Passos: 1965, Guerrilha do Caparaó: 1967, Guerrilha do Araguaia: 1967-1974 e Revolta dos Perdidos: 1976.
Verdadeiramente vivenciamos um País que, na maioria das vezes, seu povo é manipulado pela classe política e seus interesses. E cabe a nós, somente a nós, senhores soberanos do voto, mudar essa realidade. É através da liberdade de escolhas, do conjunto de normativas que balsa as eleições gerais e municipais que temos o poder de mudar, de construir possibilidades que nos condicione a cidadania plena, a civilidade política e, a cima de tudo, viver sobre o manto da democracia e do estado de direito.
Se medrarmos com os uivos dos lobos acobertados pelas peles dos carneiros, com o brado das trombetas da desesperança, empunhadas por esses anjos despencados, que querem adiar as eleições municipais, nos sucumbiremos à condição de capachos, da massa de manobra, de gado pronto para o abate. Não devemos nos moldar às conveniências deles que, nos trata como descarte. Devemos também observar e meditar sobre o que disse um dos mais expressivos filhos do Brasil, Oscar Niemayer, que certa vez ponderou: “PROJETAR BRASÍLIA PARA OS POLÍTICOS QUE VOCÊS COLOCARAM LÁ, FOI COMO CRIAR UM LINDO VASO DE FLORES PRÁ VOCÊS USAREM COMO PINICO. BRASÍLIA NUNCA DEVERIA TER SIDO PROJETADA EM FORMA DE AVIÃO E SIM DE CAMBURÃO.”