Em carta, Temer acusa Dilma de mentir e sabotar o PMDB

Posted On Terça, 08 Dezembro 2015 03:07
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O vice-presidente Michel Temer (PMDB) enviou uma carta ao gabinete de Dilma Rousseff na qual afirma que sempre teve “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”. Ele afirma que passou os quatro primeiros anos sendo tratado como “vice decorativo”.

 

Temer começa com uma justificativa, dizendo que a palavra voa, mas o escrito fica. Por isso, diz, preferiu escrever. Ele avisa que está fazendo um “desabafo” que deveria ter feito há muito tempo.

O vice demonstra profundo incômodo com declarações de Dilma e aliados sobre a “confiança” que devotam a ele. “Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade”, escreve Temer. “Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.”

“Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo”, sustenta Temer.

O vice diz que, para ilustrar o esforço pessoal que fez para manter o partido ao lado de Dilma, “basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% [dos dirigentes do PMDB] votaram pela aliança”. “E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice.”

Ele diz que tem usado o prestígio que construiu no partido para manter o PMDB com ela. “Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”, conclui.

O vice elenca 11 fatos que, segundo ele, demonstram o desprezo de Dilma e seus aliados por ele e pelo PMDB. Lembra, por exemplo, que quando assumiu a articulação política não conseguiu honrar acordos porque o governo não lhe dava condições.

No fim, diz que “passados estes momentos críticos” tem “certeza de que o País terá tranquilidade” para crescer e consolidar as conquistas sociais. E arremata: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.

A divulgação de trecho do texto causou novo embate e desconforto entre os aliados de Dilma e do vice. Houve troca de acusações nos bastidores sobre o teor da carta o vazamento, o que levou a assessoria de Temer a divulgar uma nota. Por fim, a íntegra do documento foi publicada.

A decisão de Temer de enviar uma carta a Dilma foi o ponto alto de mais um dia conturbado nas relações entre a petista e seu vice. Antes da divulgação do texto, o ex-ministro Eliseu Padilha, um dos principais aliados do vice, afirmou que Temer está fazendo uma “aferição” do sentimento do partido sobre o impeachment.

Padilha foi o primeiro grande aliado de Temer a abandonar o governo. Ele chefiava a Aviação Civil até a semana passada.

Depois de reconhecer que o PMDB está “literalmente dividido” sobre o afastamento de Dilma, Padilha disse que Temer, como presidente nacional da sigla, está consultando deputados, senadores e os 27 dirigentes estaduais.

“Temos que ver onde é que está o segmento majoritário do partido”, disse Padilha. “Este é o sentimento que o presidente Michel está recolhendo para ter uma posição como presidente da sigla.”

A declaração alarmou o Planalto. Aliados da petista vinham trabalhando para arrancar do vice uma condenação ao impeachment. No entanto, a fala de Padilha confirmou que ele não tem demonstrado disposição em defender o mandato de Dilma.

Nesta segunda, Temer desmarcou compromisso que teria à noite em São Paulo com a presença de lideranças tucanas e antecipou sua volta a Brasília para se reunir com a cúpula do PMDB.

No fim da manhã, Dilma disse à imprensa que não desconfiava “um milímetro” de seu vice e que espera dele o “comportamento bastante correto” que ele sempre teve.

Antes da carta tornar-se pública, o governador do Estado mais importante controlado pelo PMDB, Luiz Fernando Pezão, do Rio, criticou a atitude do vice, que estaria “conspirando” contra Dilma.

“Vice é para ter atribuições, para ajudar na governabilidade, e não para conspirar”, disse, ao jornal “O Dia”. “Adoro o Michel, mas eu não estou achando legal o posicionamento dele nessa questão com a presidenta Dilma.”

Leia abaixo a íntegra da carta.

PROCURA-SE TEMER

Como o vice tem agido desde que o pedido de impeachment contra Dilma chegou à Câmara

Pronunciamento – Na quarta (2), após o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitar o pedido de impeachment contra Dilma, a petista fez um pronunciamento em que, cercada por ministros, disse-se “indignada”. Seu vice, Michel Temer (PMDB), não estava lá
Versões conflitantes – Interlocutores do Planalto têm afirmado que Temer “assumiu o compromisso” de estar junto com Dilma -aliados do peemedebista minimizam e dizem apenas que ele recomendou à presidente que adote uma “postura institucional”
Encontro com tucano – O vice esteve no final de semana com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB)
Nova ausência – Dilma se reuniu no domingo (6) com auxiliares para discutir o impeachment. Temer também não estava lá
Agenda cancelada – O vice cancelou encontro aberto com empresários em São Paulo, que ocorreria nesta segunda (7) e foi tratar à noite com a cúpula do PMDB, em Brasília. Temer, porém, não participou de nova reunião no Planalto com advogados e auxiliares do governo

*

São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.

Senhora Presidente,

“Verba volant, scripta manent”. [As palavras voam, os escritos se mantêm]

Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.

Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.

Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.

Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.

Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.

Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.

E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.

Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.

Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.

Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.

1. passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. a senhora sabe disso. perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. só era chamado para resolver as votações do pmdb e as crises políticas.

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.

3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.

4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.

Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.

5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.

Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.

Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.

6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.

Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.

7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.

Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.

8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança.

9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.

10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.

11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.

A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.

Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.

Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.

Lamento, mas esta é a minha convicção.

Respeitosamente, L TEMER

A Sua Excelência a Senhora

Doutora DILMA ROUSSEFF

DO. Presidente da República do Brasil

Palácio do Planalto

Brasília, D.F.

Fontes: UOL Notícias e Redação
www.uol.com.br