Resultados de disputas anteriores apontam para estratégia de neutralidade do partido na eleições do Congresso
Por: Bruna Yamaguti
O fantasma da vitória de Eduardo Cunha (então no MDB, hoje no PTB) na eleição para a presidência da Câmara, em 2015, voltou a assombrar o PT. Com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, o partido age com cautela para não repetir o que aconteceu com Dilma Rousseff. Ao interferir nas eleições do Congresso, à época, a então presidente da República acabou ganhando um inimigo no Legislativo.
Agora, quem preside a Câmara dos Deputados é Arthur Lira (PP-AL), aliado de Jair Bolsonaro (PL) e um dos líderes do Centrão. A expectativa é que o PT não interfira nas eleições da Casa, a serem realizadas em fevereiro de 2023. Para Lula, manter boas relações com o Congresso é fundamental para a governabilidade.
Em 2014, o PT lançou o nome de Arlindo Chinaglia para disputar a presidência da Câmara. O então deputado, no entanto, perdeu para Eduardo Cunha. Dois anos depois, em 2016, Cunha viria a se tornar um dos principais articuladores do processo de impeachment que tirou Dilma do poder.
"Não foi o fato do PT apoiar um candidato de oposição. O que irritou Eduardo Cunha foi a interferência direta do governo dentro desse processo eleitoral. Então, o que o governo Lula deve fazer é não interferir diretamente na campanha e na sucessão da Câmara dos Deputados. Na verdade, ele tem que deixar as negociações internas acontecerem", aponta Valdir Pucci, cientista político da Universidade de Brasília (UnB).
Ele lembra que, desta vez, diferente de quando assumiu o primeiro mandato, em 2002, Lula não quer que o PT ocupe todos os postos-chave da República. A sinalização de que o petista buscaria mais o centro começou antes mesmo da campanha, com a escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB) para ser vice na chapa.
"Ou seja, se Lira souber negociar e tiver uma boa conversa com o governo que está entrando, há chances dele conseguir a sua reeleição", diz Pucci. "A gente não pode esquecer que o presidente eleito vai precisar do Centrão para poder governar. Ele terá que negociar com o grupo de Arthur Lira para poder garantir que as suas propostas sejam atendidas pelo Congresso Nacional", pontua.
Dança das cadeiras
A renovação das bancadas na Câmara e no Senado influenciam diretamente no governo que se inicia em 2023. O Partido Liberal (PL), de Bolsonaro, teve o melhor desempenho nas eleições e será a maior bancada do Congresso Nacional, a partir de 2023. Para a Câmara, a legenda conseguiu eleger 99 deputados federais e se torna a maior bancada da Casa em 24 anos. No Senado, a sigla vai ocupar 14 cadeiras.
"Lira é um parlamentar experiente. Ele tem chance de reeleição, mas não será uma eleição automática a depender dos candidatos que lançarem os nomes e como será a formação dos blocos de apoio", explica Neuriberg Dias, analista político e membro do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
"O nome a nome e as bancadas regionais, principalmente com o envolvimento dos governadores, devem ser um pêndulo importante para a eleição na Câmara. O deputado Baleia Rossi (União) pode vir com maior chance de eleição se atrair uma frente ampla. Lira, que obteve 302 agregados em 11 partidos, terá que conquistar o apoio dos novatos e ainda a base bolsonarista, que seguramente vai ser a oposição ao governo", destaca.
A eleição para a presidência da Câmara de 2005 foi crucial para o PT. Lula ainda exercia o seu primeiro mandato no Executivo e, naquele ano, ocorreu o escândalo do mensalão. À época, o partido lançou para a disputa um deputado do baixo clero, Severino Cavalcanti que, mais tarde, acabou renunciando ao cargo por ter seu nome diretamente envolvido no esquema de corrupção.
Em outros anos, ainda durante governos petistas, a Câmara teve à frente da presidência membros da própria legenda ou da base aliada: Aldo Rebelo (PCdoB), Arlindo Chinaglia (PT), Marco Maia (PT) e Eduardo Alves (MDB). O ex-presidente Michel Temer (MDB) também chegou a ocupar o cargo em 2009, mas renunciou para ser vice na chapa de Dilma.
Orçamento secreto
Outro problema que Lula precisará resolver no início de seu governo é o chamado "orçamento secreto". O petista já fez críticas às emendas de relator e chamou o esquema de "escárnio".
O "orçamento secreto" é um meio utilizado pelo governo para conseguir apoio nos projetos de interesse no Congresso. Em troca de votos, congressistas recebem valores do orçamento para investirem em suas bases eleitorais. Apesar de estar previsto na legislação, há críticas sobre a falta de transparência, já que não seria possível saber os valores das emendas, destino e quem investiu a verba.
Esta é uma das cartas na manga de Arthur Lira para manter o apoio dos congressistas. "Sempre há espaço para conversa entre a presidência da Câmara e a presidência da República. Sempre há conflitos e interesses diferentes entre as duas áreas, mas antes nós também tínhamos uma realidade totalmente diferente, sem a existência do orçamento secreto", explica Valdir Pucci.
"Tínhamos uma situação em que o orçamento era 100% controlado, inclusive as emendas dos parlamentares, pelo poder Executivo, o que facilitava a conversa no sentido de negociação, de liberação de emendas. Então você tinha uma relação mais fácil ser realizada. Hoje nós já temos uma situação completamente diferente, que o próprio Lula nunca enfrentou nos seus dois mandatos", ressalta.
Na avaliação do analista político Neuriberg Dias, este é um assunto complexo. "Os atuais presidentes das Casas possuem essa carta na manga para costurar suas reeleições no próximo ano. É o primeiro desafio do governo, seguramente", afirma.
"Mas acredito que o Congresso deve costurar um acordo 'ganha-ganha' pela necessidade de prioridades no orçamento, em especial, o pagamento de programas sociais a curto prazo. E, em seguida, rever o teto de gastos com uma nova política fiscal que será construída em conjunto com a transição de governo", explica Neuriberg. "Como o Congresso é dono da bola, Lula sabe que essa relação é extremamente importante para o futuro da agenda do governo", arremata.