Para o ministro, o porte da erva para consumo próprio já não tem natureza criminal. Julgamento continua na próxima terça (26)
Por Jésus Mosquéra
O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli abriu, nesta quinta-feira (20), uma terceira corrente de interpretação sobre a possível descriminalização da maconha para consumo próprio. Portanto, o desfecho do julgamento foi adiado mais uma vez. A discussão está prevista para ser retomada na próxima terça-feira (26), em sessão extraordinária convocada pelo presidente da corte, Luis Roberto Barroso.
Antes do voto de Toffoli, o placar estava em 5 a 3. Com a nova vertente inaugurada pelo ministro, o placar provisório se estabelece em 5 a 3 a 1.
A discussão é sobre o caráter criminal da posse da erva para consumo próprio. Com exceção de Toffoli, todos os ministros que votaram até o momento consideram que a lei em vigor coloca o usuário de maconha na posição de um criminoso. A partir desse entendimento, os ministros se dividiram nas duas correntes iniciais, que resultaram no placar de 5 a 3.
Para cinco ministros (Gilmar Mendes, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Barroso), esse caráter criminal existe e deve ser derrubado pelo STF. Desse modo, o porte de maconha para uso próprio torna-se apenas um ilícito administrativo.
Para três ministros (Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques), esse caráter criminal existe e deve ser mantido.
Já para Toffoli, não há o que ser derrubado pois, na interpretação dele, a lei vigente já caracteriza a conduta como ilícito administrativo e não criminal. Mais do que isso, Toffoli entende que o caráter administrativo existente hoje abrange, inclusive, o porte para consumo de todas as demais drogas.
Difícil interpretação
Toffoli foi o único a votar na sessão plenária desta quinta-feira. Foram quase duas horas de explanação, em que ele contou todo o histórico da proibição do uso de maconha no Brasil. Em determinados momentos, parecia que Toffoli se juntaria à corrente majoritária, no sentido de descriminalizar o uso de maconha.
Ao final do voto, no entanto, os demais ministros tiveram dúvidas sobre qual era o real posicionamento de Toffoli. Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino fizeram questionamentos. A dúvida persistiu. E, entre os espectadores da sessão, houve quem achasse que Toffoli havia votado pela descriminalização.
Interrogado por jornalistas após a sessão, Toffoli esclareceu que não seguiu a maioria dos votantes. "Eu abri uma nova corrente. Qual é a corrente? O artigo 28 [da Lei de Drogas] é constitucional. Ele é aplicável ao usuário, mas não tem natureza penal. Tem natureza administrativa. E mantém a justiça criminal como âmbito julgador", explicou o ministro.
"Eu acho que depois dos [últimos] dois votos [de Luiz Fux e Cármen Lúcia], o presidente [Barroso] e o relator [Gilmar Mendes] vão adequar as posições de acordo com o que a maioria definir, pra sair uma proposição mais unificada", complementou Toffoli.
Quantidade
Os ministros ainda discutirão a quantidade máxima para diferenciar o usuário do traficante. A tese mais aceita até o momento é a da fixação do limite de 60 gramas ou seis pés da planta, sugerida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Edson Fachin, embora a favor da descriminalização, defendeu que a fixação da quantidade máxima deve ser definida em lei pelo Congresso Nacional. Toffoli também discorda da fixação de um limite pelo STF e, na mesma linha, atribui esse papel ao Congresso.
O ministro Flávio Dino, que sucedeu Rosa Weber, não vota porque a ministra já votou no mesmo julgamento.
Tensão entre Mendonça e Barroso
Antes do voto de Toffoli, uma tensão entre Barroso e Mendonça marcou o início dos debates.
Barroso foi interrompido por Mendonça quando relatava um telefonema recebido de Dom Jaime Spengler, presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acerca da “preocupação” sobre a ampliação do acesso à maconha no país. "Nós estamos passando por cima do legislador caso a votação permaneça com essa votação que está estabelecida", interviu Mendonça. Na interrupção, Mendonça se opôs à alegação de Barroso de que a CNBB foi vítima de desinformação.
“O Supremo não está legalizando drogas. O STF considera, tal como a legislação em vigor, que o porte de drogas, mesmo para consumo pessoal, é um ato ilícito. Consideramos, coletivamente, que drogas ilícitas são ruins. Consumo de maconha continua a ser considerado um ato ilícito, porque essa é a vontade do legislador. O que estamos discutindo é se esse tema deve ser tratado com um ato de natureza penal ou administrativa”, afirmava Barroso, antes da intervenção de Mendonça.
Os ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques entraram na discussão. Moraes defendeu a descriminalização. Afirmou que, na prática, a apreensão de uma mesma quantidade de maconha pode configurar tráfico para negros e uso para brancos. Ele citou um levantamento de ocorrências relacionadas a entorpecentes no estado de São Paulo para justificar o posicionamento.
Nunes Marques defendeu a manutenção da natureza penal do ilícito. Disse que, desse forma, preserva-se o caráter inibitório da conduta e evita-se que o entorpecente entre nas casas das famílias brasileiras.
Voto do relator
A relatoria do caso é do ministro Gilmar Mendes. Em 2015, quando o julgamento começou, ele propôs a descriminalização de qualquer tipo de droga para consumo próprio. Na época, a ministra Rosa Weber - hoje aposentada - acompanhou o voto do relator. Posteriormente, Gilmar Mendes alterou o voto para permitir somente o uso de maconha.
Votos contra a descriminalização
Cristiano Zanin votou por manter o caráter criminal do porte de maconha, mas fixando a quantidade de 25g ou 6 plantas fêmeas para diferenciar o consumo pessoal do tráfico. O voto de Zanin foi acompanhado integralmente por Nunes Marques e parcialmente por André Mendonça, que defende a estipulação de um prazo de 180 dias para que o Congresso defina a quantidade máxima. Mendonça acrescentou que, durante esses 180 dias, deve ser adotado provisoriamente o limite de 10 gramas.
A lei questionada no STF
O Recurso Extraordinário (RE 635659) questiona, no STF, a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que prevê sanções alternativas para quem compra ou porta entorpecentes para uso próprio. Especificamente em relação à maconha, o STF deve definir se derruba ou não parte dessas sanções, que incluem prestação de serviços à comunidade, advertências e medidas educativas.
O caso que deu origem ao Recurso Extraordinário ocorreu no dia 21 de julho de 2009, dentro do Centro de Detenção Provisória de Diadema (SP). O mecânico Francisco Benedito de Souza estava preso por outros motivos. Em uma revista de rotina na cela dele, agentes penitenciários encontraram 3 gramas de maconha.
De acordo com o Boletim de Ocorrência, registrado no 1º D.P. do município, Benedito assumiu ser o dono da substância e disse que seria para uso pessoal. Ele foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo à prestação de dois meses de serviços comunitários. A Defensoria Pública do estado recorreu, mas não conseguiu reverter a sentença, até que o caso foi parar no STF.