Por diversas vezes durante depoimento, segundo registro de relatório da PF, ex-ministro Sergio Moro disse que não acusou o presidente de crime algum, e que isso cabe aos investigadores
Por Camila Bomfim e Mateus Rodrigues, TV Globo e G1 — Brasília
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou, no depoimento que prestou à Polícia Federal no último sábado (2), que o presidente Jair Bolsonaro pediu em fevereiro, por mensagem de celular, para indicar um novo superintendente para a Polícia Federal no Rio de Janeiro. Por diversas vezes durante o depoimento, segundo o relatório, Moro diz que não acusou o presidente de crime algum, e que isso cabe aos investigadores.
"A mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: 'Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'", de acordo com o texto do relatório sobre o depoimento obtido pela TV Globo.
O depoimento do ex-ministro foi motivado por inquérito aberto pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria Geral da República, a fim de apurar se Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal.
Essa suposta interferência foi a razão apontada por Moro em pronunciamento para ter deixado governo. O ex-ministro fez esse anúncio no último dia 24, quando o "Diário Oficial da União" publicou a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Mauricio Valeixo. Segundo o ex-ministro, ele não tomou conhecimento prévio da demissão do diretor.
Moro afirmou aos policiais federais que a mensagem de celular na qual Bolsonaro teria pedido para ele próprio indicar o superintendente da PF no Rio foi enviada pelo presidente no começo de março, quando o então ministro e o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, estavam em missão oficial nos Estados Unidos.
O ex-ministro diz que chegou a conversar sobre o tema com Valeixo, e que ambos "até aventaram a possibilidade de atender ao Presidente para evitar uma crise". Mas Valeixo disse que, neste caso, não poderia permanecer no cargo.
No depoimento, Moro disse que "não nomeou e não era consultado" sobre o comando desses órgãos regionais, e que a escolha era exclusiva de Valeixo. O ex-ministro diz que não opinou nem na superintendência do Paraná, estado onde foi juiz.
Questionado sobre os motivos de Bolsonaro para querer definir o superintentendente do Rio, Moro não opinou e disse que apenas o próprio presidente poderia responder.
Reação de Valeixo
Ainda nesta conversa nos EUA, relata Moro, Valeixo declarou que estava "cansado da pressão para a sua substituição" e para a troca do comando da PF no Rio. E que, por isso, concordaria em sair do cargo.
Até ali, diz Moro, não havia solicitação da Presidência da República "sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro".
O ex-ministro diz que cogitou atender às trocas se pudesse indicar novos perfis técnico. Depois, diz ter voltado atrás.
O dia anterior
Na manhã do dia 23 de abril, véspera das exonerações, Moro se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto – o encontro consta na agenda oficial de ambos.
O ex-ministro diz aos investigadores que, nessa ocasião, foi avisado que Valeixo seria trocado por Alexandre Ramagem, "a pedido, ou de ofício", porque o novo diretor seria "uma pessoa "de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir".
"O Declarante [Moro] informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia", diz o termo de depoimento.
Em resposta, Moro diz ter ouvido que Bolsonaro "lamentava", mas que a decisão "já estava tomada".
Em seguida, Moro afirma ter-se reunido com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (Casa Civil) – três dos principais conselheiros de Bolsonaro.
Moro diz que compartilhou, com esses ministros, os pedidos de Bolsonaro para obter relatórios de inteligência da PF.
Diz, também, que o ministro Heleno afirmou nesta reunião que "o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido".
Os ministros, segundo o depoimento, disseram que conversariam com o presidente sobre o tema, mas não deram retorno a Moro naquele dia.
A demissão
Moro repetiu, no depoimento à Polícia Federal, que não assinou a exoneração de Maurício Valeixo e nem recebeu qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do então diretor da PF.
O "Diário Oficial da União" com o documento foi publicado na madrugada de 24 de abril, assinado por Bolsonaro e Moro. Depois, o governo publicou uma edição corrigida, com assinaturas de Bolsonaro, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos.
Na mesma manhã, Moro afirma que se reuniu com Valeixo. Já ex-diretor da PF, o delegado disse a Moro que "não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração".
Segundo o termo de depoimento, Valeixo disse a Moro que recebeu ligação do presidente na noite anterior, informando da exoneração e perguntando se poderia ser "a pedido".
Em resposta, de acordo com Moro, Valeixo disse que "como a decisão já estava tomada não poderia fazer nada para impedir, mas reiterou que não houve, nem partiu dele, qualquer pedido de exoneração".
Caso Adélio
No depoimento, Moro também rebateu algumas das afirmações feitas por Jair Bolsonaro na tarde de 24 de abril, após o ministro anunciar que deixaria o cargo.
Naquele momento, Bolsonaro disse que pediu a troca do superintendente da PF no Rio em razão da "questão do porteiro, do caso Adélio" e de citações a Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, em uma investigação.
Em 2 de maio, horas antes do depoimento, Bolsonaro postou vídeo em rede social comparando Moro a Judas. "Os mandantes estão em Brasília? O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse?", questionou.
Moro diz, no depoimento, que "a Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto".
E que, nesta reunião, Bolsonaro "não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado". A apresentação, segundo Moro, foi feita porque Bolsonaro é vítima do caso e ainda por "questão de segurança nacional".
Moro nega interferência no caso Adélio e diz aos investigadores que "ao contrário, solicitou à Polícia Federal o máximo empenho e ainda chegou a informa à AGU, na pessoa do Ministro André Mendonça, da importância de que a AGU ingressasse na causa para defender o acesso ao celular, não pelo interesse pessoal do Presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional".
Íntegra do depoimento
Leia abaixo a íntegra do relatório da Polícia Federal sobre o depoimento prestado pelo ex-ministro Sergio Moro no último sábado (em atualização; aguarde mais informações)
Na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no Estado do Paraná, onde presente se encontrava CHRISTIANE CORREA MACHADO, Delegada de Polícia Federal, Matr. 10.568, Chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado - DICOR, e WEDSON CAJÉ LOPES, Delegado de Polícia Federal, lotado no SINQ/DICOR, compareceu Sergio Fernando Moro, sexo masculino, naturalidade brasileira, casado(a), filho(a) de ODETE STARKE MORO e DALTON AUREO MORO, nascido(a) aos 01/08/1972, natural de Maringa/PR, instrução ensino superior – mestrado, documento de identidade nº 36748567 SSP/PR, CPF 863.270.629-20. Cientificado acerca dos seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer em silêncio, inquirido a respeito dos fatos pela Autoridade Policial, RESPONDEU:
QUE tomou conhecimento pela imprensa sobre a determinação do Ministro Celso de Mello sobre a sua oitiva, tendo se colocado à disposição para prestar declarações, informando o fato à Polícia Federal;
QUE perguntado sobre sua definição sobre interferência política do Poder Executivo em cargos de chefia no âmbito da Polícia Judiciária, respondeu que entende que seja uma interferência sem uma causa apontada e portanto arbitrária;
QUE durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente;
QUE, durante sua gestão, apenas concordou com a primeira substituição, pois, circunstancialmente, o Superintendente do RJ, RICARDO SAAD, havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo Diretor Geral, sendo nomeado um nome com autonomia pela própria Polícia Federal, o que garantia a continuidade regular dos serviços de Polícia Judiciária;
QUE na sua gestão preservou a autonomia da Polícia Federal, em relação a interferência política e pediu demissão no dia 24 de abril de 2020, com o mesmo objetivo;
QUE durante a sua coletiva ocorrida em 24 de abril de 2020 narrou fatos verdadeiros, cujo objetivo era esclarecer os motivos de sua saída, preservar autonomia da Polícia Federal, da substituição de Diretor e de Superintendentes, sem causa e com desvio de finalidade, como reconhecimento posteriormente pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no dia 29 de abril que suspendeu a posse do DPF ALEXANDRE RAMAGEM;
QUE perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime;
QUE quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes;
QUE em agosto de 2019 houve uma solicitação por parte do Exmo. Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, RICARDO SAAD;
QUE essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto;
QUE não se recorda se houve troca de mensagens sobre esse assunto;
QUE não se recorda se alguém, além do declarante e do Exmo. Presidente da República tenha presenciado essa solicitação;
QUE no entanto, reportou esse fato tanto ao Diretor da Polícia Federal, MAURÍCIO VALEIXO, como ao Dr. SAAD;
QUE os motivos dessa solicitação devem ser indagados ao Presidente da República,
QUE, após muita resistência, houve, como dito acima, concordância do Declarante e do Dr. VALEIXO, com a substituição
QUE o presidente, após a concordância, declarou publicamente que havia mandado trocar o SR/RJ por motivo de produtividade;
QUE para o Declarante não havia esse motivo e a própria Polícia Federal emitiu nota pública, informando a qualidade do serviço da SR/RJ, o que também pode ser verificado por dados objetivos de produtividade;
QUE só concordou com a substituição porque o novo SR, CARLOS HENRIQUE foi uma escolha da PF e isso garantia a continuidade regular dos serviços da SR/RJ e a própria Polícia Federal informou na nota acima que ele seria o substituto;
QUE o Presidente, contrariado, deu nova declaração pública afirmando que era ele quem mandava e que o novo Superintendente seria ALEXANDRE SARAIVA;
QUE o Diretor da Polícia Federal ameaçou se demitir e que o Declarante conseguiu demover o Presidente;
QUE tem presente que ALEXANDRE SARAIVA é um bom profissional, no entanto não era o nome escolhido pela Polícia Federal,
QUE o presidente já havia indicado ao Declarante a intenção de indicar ALEXANDRE SARAIVA, mas que da sua parte entendia que a escolha deveria ser da Polícia Federal;
QUE mesmo antes, mas, principalmente, a partir dessa época o Presidente passou a insistir na substituição do Diretor da PF, MAURÍCIO VALEIXO;
QUE essa pressão foi, inclusive, objeto de diversas matérias na imprensa;
QUE conseguiu demover o presidente dessa substituição por algum tempo;
QUE o assunto retornou com força em janeiro de 2020, quando o Presidente disse ao Declarante que gostaria de nomear ALEXANDRE RAMAGEM no cargo de Diretor Geral da Polícia Federal e VALEIXO iria, então, para uma Adidância;
QUE isso foi dito verbalmente no Palácio do Planalto;
QUE, eventualmente o General Heleno se fazia presente;
QUE esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas;
QUE pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que como RAMAGEM tinha ligações próximas com a família do Presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente;
QUE essas ligações são notórias, iniciadas quando RAMAGEM trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral;
QUE os motivos pelos quais o Presidente queria substituir VALEIXO por RAMAGEM devem ser indagados ao Presidente;
QUE RAMAGEM, pela questão da proximidade, o Declarante afirma que o presidente, nessa época, lhe dizia que era uma questão de confiança;
QUE o presidente chegou a sugerir dois outros nomes para Diretor Geral da Polícia Federal, ao invés de RAMAGEM, mas que os nomes não tinham a qualificação necessária, segundo a opinião do Declarante;
QUE, ainda em janeiro, o Declarante sugeriu dois nomes para o Presidente, FABIANO BORDIGNON e DISNEY ROSSETI para substituir VALEIXO;
QUE a troca geraria desgaste para o Declarante, mas, pelo menos, não abalaria a credibilidade da Polícia Federal ou do Governo;
QUE a substituição sem causa do DG e a indicação de uma pessoa ligada ao Presidente e a sua família seriam uma interferência política na PF;
QUE o Diretor VALEIXO declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ; QUE por esse motivo e também para evitar conflito entre o Presidente e o Ministro o Diretor VALEIXO disse que concordaria em sair;
QUE nesse momento não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro;
QUE, por esse motivo, o Declarante, apesar da resistência, cogitou aceitar as trocas, desde que o substituto do Diretor Geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não tão próxima ao presidente;
QUE depois, porém, entendeu que também não poderia aceitar a troca do SR/RJ sem causa;
QUE a partir de então cresceram as insistências do PR para a substituição tanto do Diretor Geral quanto do SR/RJ;
QUE, certa feita, provavelmente, no mês de março o PR passou a reclamar da indicação da Superintendente de Pernambuco;
QUE essas reclamações sobre o superintendente no Estado de Pernambuco não ocorreram anteriormente;
QUE entende que os motivos da reclamação devem ser indagados ao Presidente da República;
QUE é oportuno destacar que as indicações para Superintendentes vêm da Direção Geral, mas passam pelo crivo da Casa Civil e que não houve nenhum óbice apontado em relação a esses nomes;
QUE o Presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras Secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, DEPEN, Força Nacional;
QUE o presidente, apenas uma vez, solicitou a revogação da nomeação de Ilona Szabo para o Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça, órgão consultivo, e que o Declarante, após relutar, concordou em aceitar a solicitação;
QUE o Declarante perguntado se as trocas solicitadas estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao Presidente ou ao seu grupo político disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto ainda evoluíam;
QUE crescendo as pressões para as substituições, o Presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência;
QUE perguntado se havia desconfiança em relação ao Diretor VALEIXO, o Declarante respondeu que isso deve ser indagado ao Presidente; QUE o próprio Presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando foi apresentado o PRÓ-BRASIL, a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal;
QUE o presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça;
QUE ressalta que essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio Presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o Declarante de uma dessas reuniões;
QUE nessas reuniões de conselho de ministros participavam todos os ministros e servidores da assessoria do Planalto;
QUE a afirmação do Presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não era verdadeira;
QUE o Declarante, em relação ao trabalho da Polícia Federal, informava as ações realizadas, resguardado o sigilo das investigações;
QUE o Declarante, por exemplo, fazia como ministros do passado e comunicava operações sensíveis da Polícia Federal, após a deflagração das operações com buscas e prisões;
QUE o Declarante fez isso inúmeras vezes e há mensagens de Whatsapp a esse respeito ora disponibilizadas;
QUE ilustrativamente, isso aconteceu após as buscas e prisões envolvendo o atual Ministro do Turismo e o Senador Fernando Bezerra, mas que essas informações não abrangiam dados sigilosos dos inquéritos;
QUE pontualmente comunicou essas operações antecipadamente, em casos sensíveis e que demandavam um apoio do presidente, como na expulsão do integrante do PCC, vulgo "FUMINHO" de Moçambique;
QUE quanto a relatórios de inteligência, esclarece que a PF não é órgão de produção direta de inteligência para a Presidência da República;
QUE quanto a relatórios de inteligência, esclarece que a PF não é órgão de produção direta de inteligência para a Presidência da República;
QUE os relatórios de inteligência da Polícia Federal sobre assuntos estratégicos e de Segurança Nacional são inseridos pela sua diretoria de Inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações de inteligência, juntamente, com dados de outros órgãos e as apresenta ao Presidente da República;
QUE o próprio Declarante já recebeu relatórios de inteligência da ABIN que continham dados certamente produzidos pela inteligência da Polícia Federal;
QUE o próprio Presidente da República em seu pronunciamento na sexta-feira, dia 24 de abril de 2020, declarou que um dos motivos para a a demissão do Diretor Geral da PF seria a falta de recebimento de relatórios de inteligência de fatos nas últimas 24 horas;
QUE o argumento não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN;
QUE também não justificaria a demissão do Diretor VALEIXO a suposta falta de disponibilização dessa inteligência, já que cobrada pelo Presidente ao Declarante dois dias anteriores à exoneração do Diretor;
QUE o presidente nunca solicitou ao Declarante a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo da demissão do Diretor Geral da PF;
QUE perguntado se o presidente da República, em algum momento lhe solicitou relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais, o Declarante respondeu que o Presidente nunca lhe pediu até porque o Declarante ou o Diretor VALEIXO jamais violariam sigilo de investigação policial;
QUE na quinta-feira, dia 23 de abril de 2020, o Presidente enviou ao Declarante por mensagem de Whatsapp um link de notícia do site "oantagonista" informando que a PF estaria no encalço de Deputados Bolsonaristas, QUE antes que o Declarante pudesse responder, o Presidente mandou outra mensagem afirmando que este seria mais um motivo para a troca da PF;
QUE o Declarante ficou apreensivo com a mensagem;
QUE o Declarante reuniu-se com o Presidente às 9h do dia 23 de abril de 2020, e trataram da substituição do Diretor Geral da Polícia Federal;
QUE o Presidente lhe disse que VALEIXO seria exonerado, a pedido, ou de ofício, e que nomearia o DPF ALEXANDRE RAMAGEM, porque seria uma pessoa de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir;
QUE o Declarante informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia;
QUE o Declarante também disse poderia trocar o Diretor VALEIXO desde que houvesse uma causa, como uma insuficiência de desempenho ou erro grave, mas não havia nada disso;
QUE o Declarante pediu ao Presidente que reconsiderasse, mas que se isso não ocorresse o Declarante seria obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição;
QUE o Presidente lamentou, mas disse que a decisão estava tomada;
QUE o Declarante reuniu-se em seguida com os ministros militares do Palácio do Plananto e relatou a reunião com o Presidente;
QUE a reunião foi com os Ministros Generais RAMOS, HELENO e BRAGA NETTO;
QUE o Declarante informou os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade;
QUE na ocasião o Declarante falou dos pedidos do Presidente de obtenção de Relatórios de Inteligência da PF, que inclusive havia sido objeto de cobrança pelo Presidente na reunião de conselho de ministros, oportunidade na qual o Ministro HELENO afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido;
QUE os Ministros se comprometeram a tentar demover o Presidente,
QUE o Declarante retornou ao MJSP na esperança de a questão ser solucionada;
QUE logo depois vazou na imprensa que o Planalto substituiria VALEIXO e que, em decorrência, o Declarante sairia do governo;
QUE o MJSP foi contatado por muitos jornalistas e políticos querendo confirmar, mas que o Declarante entendia que não poderia confirmar, já que tinha esperança de que o Presidente mudaria de idéia;
QUE à tarde do dia 23 de abril de 2020, recebeu uma ligação do Ministro RAMOS indagando se seria possível uma solução intermediária, com a saída de VALEIXO, mas a nomeação de um dos nomes que o Declarante já havia informado antes, a saber: FABIANO BORDIGNON ou DISNEY ROSSETI;
QUE o Declarante informou que haveria um impacto ao governo e à sua credibilidade, mas que, garantida a nomeação técnica e de pessoa não proximamente ligada à familia do presidente, a solução seria aceitável;
QUE antes de dar a resposta definitiva, disse que teria que falar com o Diretor VALEIXO;
QUE ligou para o Diretor VALEIXO, que concordou com a substituição sugerindo o nome de DISNEY ROSSETI;
QUE o Declarante ligou em seguida ao Ministro RAMOS e então manifestou a sua concordância, mas ressaltou que seria a única mudança e que não concordava com a troca pretendida do superintentdente da SR/RJ;
QUE o Ministro RAMOS ficou de levar a questão ao Presidente e de retornar, mas não o fez;
QUE à noite do dia 23 de abril de 2020, recebeu informações não oficiais de que o ato de exoneração do Diretor VALEIXO havia sido encaminhado para publicação;
QUE buscou a confirmação do fato no Planalto com os ministros BRAGA NETTO e RAMOS, tendo o primeiro informado que não sabia e o segundo informado que iria checar e retornar, mas não o fez;
QUE, durante a madrugada do dia 24 de abril de 2020, saiu a publicação, o que tornou irreversível a demissão do Declarante;
QUE o Declarante não assinou o decreto de exoneração de MAURÍCIO VALEIXO e não passou pelo Declarante qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do Diretor VALEIXO;
QUE o Declarante não assinou o decreto de exoneração de MAURÍCIO VALEIXO e não passou pelo Declarante qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do Diretor VALEIXO;
QUE na manhã do dia 24 de abril de 2020, encontrou-se com VALEIXO e ele lhe disse que não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração;
QUE VALEIXO disse ao Declarante que, na noite do dia 23 de abril de 2020, teria recebido uma ligação do Planalto na qual o Presidente teria lhe dito que ele, VALEIXO, seria exonerado no dia seguinte e lhe perguntado se poderia ser "a pedido";
QUE VALEIXO disse ao Declarante que como a decisão já estava tomada não poderia fazer nada para impedir, mas reiterou que não houve, nem partiu dele, qualquer pedido de exoneração;
QUE VALEIXO poderá esclarecer melhor o conteúdo dessa conversa;
QUE perguntado em regra, como ocorrem as exonerações no âmbito do Ministério da Justiça e como se dá o processo de assinatura no Diário Oficial da União, respondeu
QUE pedidos de nomeação e de exoneração são assinados eletronicamente pelo Declarante e enviados ao Palácio do Planalto;
QUE não delegava essa função a subordinados;
QUE decretos assinados pelo Presidente da República e em concurso com o Declarante, quando sua origem era um ato produzido pelo MJSP, o que seria o caso da exoneração do Diretor VALEIXO, sempre eram assinados previamente pelo Declarante, pelo sistema eletrônico SIDOF, antes de encaminhados ao Planalto;
QUE nunca, pelo que se recorda, viu antes um ato do MJSP ser publicado sem a sua assinatura, pelo menos, eletronicamente;
QUE em virtude do ocorrido decidu exonerar-se e informar em pronunciamento coletivo os motivos de sua saída;
QUE o Declarante entendeu que havia desvio de finalidade na exoneração do Diretor MAURÍCIO VALEIXO, à qual se seguiria a provável nomeação do DPF ALEXANDRE RAMAGEM, pessoa próxima à família do presidente, e as substituições de superintendentes, tudo isso sem causa e o que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio Presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio Presidente;
QUE reitera que prestou as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de sua saída, para expor o desvio de finalidade já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o objetivo de proteger a autonomia da Polícia Federal;
QUE reitera que em seu pronunciamento narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes;
QUE posteriormente, no mesmo dia 24 de abril de 2020, o Presidente da República fez um pronunciamento no qual confirmou várias declarações feitas pelo Declarante, como a de que o presidente poderia substituir o Diretor Geral, os superintendentes, qualquer pessoa na pirâmide do Poder Executivo Federal; QUE o Presidente da República, apesar disso, apesar disso, não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições, salvo que o Diretor VALEIXO estaria cansado mas, mais uma vez, o Declarante reitera que o cansaço do diretor VALEIXO era oriundo das pressões por suas substituição e de superintendentes;
QUE o Presidente também reconheceu que uma da causas para a troca seria a falta de acesso a relatórios de inteligência da PF, mas que, como o Declarante já esclareceu acima, o Presidente já detinha esse acesso, do que legalmente poderia ser acessado, via SISBIM e ABIN;
QUE ademais, como dito acima, nunca houve pelo Presidente, um pedido ao Declarante de algum relatório específico de inteligência propriamente dito e que, portanto, não teria sido atendido;
QUE, quanto às informações ou relatórios sobre investigações sigilosas em curso, o Presidente nunca pediu nada da espécie ao Declarante ou ao Diretor VALEIXO, até porque, ele sabe que não seria atendido;
Que o Presidente também alegou como motivo da exoneração de VALEIXO uma suposta falta de empenho da Polícia Federal na investigação de possíveis mandantes da tentativa de assassinato perpetrada por ADÉLIO;
Que a Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto, com a presença do Declarante, do Diretor VALEIXO, do Superintendente de Minas Gerais e com delegados responsáveis pelo caso;
Que na ocasião, o Presidente não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado;
Que essa apresentação ao Presidente decorreu da sua condição de vítima e ainda por questão de Segurança Nacional, entendendo o Declarante que não havia sigilo legal oponível ao Presidente pelas circunstâncias especiais;
Que a investigação sobre possíveis mandantes do crime não foi finalizada em razão de decisão judicial contrária ao exame do aparelho celular do advogado de ADÉLIO;
Que o Presidente tinha e tem pleno conhecimento desse óbice judicial;
Que o Declarante entende que antes do final das investigações não é possível concluir se ADÉLIO agiu ou não sozinho e que, de todo modo, o Declarante, ao contrário do que afirmado publicamente pelo Presidente da República na data de hoje (02 de maio de 2020) jamais obstruiu essa investigação, ao contrário, solicitou à Polícia Federal o máximo empenho e ainda chegou à informar à AGU, na pessoa do Ministro ANDRÉ MENDONÇA, da importância de que a AGU ingressasse na causa para defender o acesso ao celular, não pelo interesse pessoal do Presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional;
Que o Presidente, no pronunciamento de sexta-feira 24 de abril, também reclamou da falta de empenho do Declarante e da Polícia Federal para esclarecer as declarações do porteiro de seu condomínio acerca do suposto envolvimento do Presidente no assassinato de MARIELE e ANDERSON;
Que tal reclamação não procede pois foi o próprio Declarante que solicitou a atuação do MPF e da Polícia Federal na apuração do caso e a Polícia Federal colheu depoimento do porteiro no qual ele se retratou, além de realizar outras diligências;
Que, após pronunciamento do Presidente da República, no qual este afirmou que o Declarante mentia, e que ainda teria condicionado a troca do Diretor Geral à nomeação do Declarante ao Supremo Tribunal Federal, o Declarante, ao responder consulta do Jornal Nacional sobre o que foi dito pelo Presidente, reputou necessário, para restabelecer a verdade dos fatos encaminhar ao Jornal Nacional as mensagens trocadas com o Presidente na manhã do dia 23 de abril de 2020, e ainda a troca de mensagens com a Deputada Federal, CARLA ZAMBELLI, pessoa muito ligada ao Presidente, a qual, inclusive, estava no pronunciamento do Presidente;