Por Notas & Informações • do Jornal O Estado de São Paulo
O Estadão revelou um escândalo. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) proporciona a seus juízes os maiores salários do País, com valores que ultrapassam em muito o teto constitucional. Por força de penduricalhos e regras específicas, os 450 magistrados do TJ-GO têm remuneração média líquida de R$ 78,5 mil. Segundo levantamento do jornal, trata-se da maior média de todos os 84 tribunais que já apresentaram dados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) neste ano.
No entanto, escândalo ainda maior foi a resposta do TJ-GO ao Estadão. Em nota, o tribunal disse que “cumpre rigorosamente a lei”, sempre observando “a normatização vigente para o pagamento de seus magistrados, servidores e colaboradores”. Ou seja, a obtenção de toda a mamata – por exemplo, em maio deste ano, quase 200 juízes goianos receberam mais de R$ 100 mil – não foi fruto de uma manobra oculta, operada longe dos olhos do público. O descaramento foi de tal ordem que usaram a própria lei para incluir privilégios.
Uma das regalias foi aprovada em março deste ano. A pedido do presidente do TJ-GO, Carlos Alberto França, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) aprovou um projeto de lei que transforma gratificações de cargos e funções comissionadas em verbas indenizatórias, permitindo que os valores sejam pagos acima do teto remuneratório e estejam livres de Imposto de Renda. A lei foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado.
Os resultados da nova legislação são visíveis. Em maio do ano passado, por força do teto constitucional, foram retidos R$ 458,8 mil. Neste ano, já com a nova lei vigente, foram retidos com base na regra do abate-teto apenas R$ 61 mil da folha salarial de todos os magistrados. Ou seja, o TJ-GO conseguiu burlar escancaradamente a regra constitucional.
Segundo a Constituição de 1988, o valor do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – atualmente em R$ 41.650,92 – deve servir como um teto para a remuneração de toda a administração pública. Nenhum servidor pode ganhar mais que um ministro do STF. A regra constitucional não deixa margens a dúvida. Não poderão exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo “os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”, diz o art. 37, inciso XI. No entanto, a lei de Goiás criou um atalho, dizendo que os valores adicionais não são remuneratórios, mas indenizatórios. Trata-se de um acinte com a moralidade e com a Constituição.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo contra as regras do TJ-GO. Cabe ao STF, de forma célere e efetiva, acabar com essa indecência em Goiás. Uma lei imoral e inconstitucional não pode continuar vigente. E o mesmo deve ser aplicado em todo o País. O caso em Goiás não é o único. Muitos juízes e procuradores recebem acima do teto, por força de penduricalhos pretensamente “indenizatórios” que são escandalosamente remuneratórios.
O embate entre dignidade da pessoa humana, violência, liberdade e sua subespécie liberdade de expressão é imemoriável de tão antigo. Possui vestígios nos vários textos gregos, romanos e bíblicos.
POR RICARDO AYRES*
O filósofo grego Sócrates, em seu julgamento, conforme relato de Xenofante e Platão, seus discípulos, afirmou que o orador público tem o dever de dizer a verdade.
Não podemos esquecer, nesse sentido, que a crucificação de Jesus (que dizia a verdade) foi fruto da campanha difamatória de sacerdotes e poderosos que buscou lhe retirar a natureza divina que nele se ouvia e se via pelos bons exemplos, que fala(va)m por si, como o que pregava e se praticava, "não causar mal a outra pessoa".
Exatamente, Jesus defendia a liberdade (de expressão) ao mesmo tempo em que pregava a não violência, o respeito e a consideração a cada pessoa, mas foi capturado, julgado e crucificado pelo ódio da infâmia e da mentira, daqueles que extrapolaram os limites da própria liberdade defendida pelo Messias.
Não demorou muito para que, nas guerras modernas, os comandantes-generais usassem da mesma estratégia dos carrascos de Cristo, a de extrapolar os limites da liberdade e disseminar mentiras de um alvo a ponto de incitar a multidão, as pessoas comuns, a pegar em armas e a ter ódio mortal desse que agora era o novo inimigo da vez.
Embora tenha acontecido em várias guerras, a mais emblemática e aterradora que a memória ainda alcança foi a propaganda nazista que, tornando judeus e quase todo o mundo "inimigos membros de sub-raças", buscou exterminar populações inteiras que não tivessem determinadas características étnicas e culturais. Se os nazistas tivessem vencido, o Brasil talvez não existiria hoje.
Atualmente, assiste-se a estes novos velhos problemas. Entretanto, agora no ambiente global do mundo virtual dos aplicativos e das redes sociais.
Pessoas mal-intencionadas propagandeiam por estes meios que a liberdade e sua subespécie liberdade de expressão são direitos absolutos e, por isso, sem limites ou diálogos com outros direitos. Exteriorizam, por meio de Fake News e discursos de ódio, os seus piores pensamentos, elegendo inimigos públicos e causando o mal concreto.
Curiosamente, os que agora defendem a liberdade absoluta - se não faltaram a escola elementar - são vítimas das chamadas Fake News, a forma contemporânea de, pela mentira, atingir com violência psicológica, moral, política e até física alvos eleitos pelos terroristas covardes que hoje se escondem no ambiente virtual, livres das regras basilares constitucionais e cristãs.
Os exemplos mais importantes são as Fake News eleitorais que levaram à invasão do Capitólio nos Estados Unidos e ao terror do Oito de Janeiro no Brasil, quando pessoas alucinadas em histeria tentaram golpear a democracia e instalar uma ditadura. Pelas Fake News, as pessoas comuns são levadas a acreditar em teorias da conspiração, como as que dizem que as vacinas são diabólicas e que as urnas eleitorais no Brasil foram fraudadas nas eleições de 2018 e 2022.
No Congresso Nacional, de parte a parte, alguns membros do Parlamento vêm ora usando de Fake News, ora sendo usados pelas Fake News, para, da mesma forma, agredirem psicológica e fisicamente seus alvos tratados como inimigos. E tudo isso na praça pública das redes sociais sem controle, na forma de tribuna pública irrestrita e ilimitada. Para estes, o importante é gritar a mentira mais importante da semana e vestir-se de modo obsceno ou grotesco para chamar a atenção de todos.
Na sociedade, de terroristas franceses cooptados pelo "Estado Islâmico", como aqueles que invadiram a casa de espetáculo, em Paris, Bataclan, aos jovens brasileiros que estão invadindo escolas e outros ambientes para assassinar até mesmo crianças, o meio usado foram as Fake News disseminadas com ódio em aplicativos e redes sociais, sem que houvesse resposta quer dos Provedores e Proprietários destes instrumentos, quer do Estado, diante da ausência de mecanismos normativos e técnicos eficazes.
Por isso, o básico deve ser reafirmado e o Congresso Nacional tem de cumprir sua missão. Assim, não obstante a liberdade de pensamento seja um direito, por óbvio, absoluto - todo mundo pensa o que quer e mesmo o que não quer - a liberdade de expressão, por estar na zona da ação ética no campo biográfico das pessoas, não o é.
A liberdade de expressão como bem jurídico a ser protegido encontra limites nos demais bens jurídicos que igualmente estão na zona da ação ética. Portanto, a liberdade de expressão é direito relativo que pode ser limitado, a depender das circunstâncias fáticas e jurídicas, especialmente limitada pela dignidade da pessoa humana e pelos direitos à saúde, à integridade física, à vida e à liberdade das demais pessoas.
Por consequência, se nem tudo podia ser dito contra Jesus para crucificá-lo, nem tudo hoje pode ser dito para, por exemplo, invadir prédios públicos, golpear a democracia, assassinar crianças em escolas, pois a liberdade de expressão não pode ser instrumento de aniquilamento dos demais direitos reconhecidos na Constituição, especialmente a convivência harmônica e democrática entre os poderes e as pessoas.
Na sociedade contemporânea dita do conhecimento e da tecnologia, em que o poder do Estado passa a ser partilhado por empresas das tecnologias da informação, é fundamental que estes atores em diálogo cooperativo normatizem instrumentos inteligentes eficazes de vigilância e de ação para impedir a disseminação das Fake News e dos discursos de ódio. Se a isso, que é basilar, se está dando o nome, em tom pejorativo, de "regulamentação das redes sociais", pouco importa, já que o importante mesmo é evitar a corrosão da democracia e dos direitos fundamentais de todos e de qualquer pessoa.
Por isso, ao invés de regulamentação como se fosse uma espécie de amordaça, prefiro chamar de constitucionalização da mídia ou de cristianização dos meios de comunicação em massa, das redes sociais e dos aplicativos de mensagens.
Trata-se, assim, do autocontrole, por parte do Estado e dos atores privados da tecnologia da informação, das redes sociais cuja ideia principal é o combate às Fake News e ao discurso de ódio que opõe concidadãos e até mesmo familiares. Embora as redes sociais tenham trazido muitos benefícios, como a democratização do acesso à informação e à facilidade de conexão entre pessoas, elas não podem ser usadas de maneira irresponsável e prejudicial.
Portanto, o autocontrole cooperativo das redes sociais e o combate às fake news são medidas necessárias para garantir que a informação seja compartilhada de maneira responsável e segura.
Temos de ter consciência do dever básico constitucional e cristão de que todas as empresas e as pessoas em geral têm de não causar mal a ninguém, visto cada vez mais a necessidade de proteção sistêmica de todos os direitos fundamentais e humanos, não sendo lícito que o direito à liberdade de expressão reine soberano e absoluto a ponto de aniquilar o Estado e a sociedade.
Desse modo, a proposta é menos de "regulamentação" e mais de reafirmação dos deveres morais constitucionais e cristãos ou, se apegados estamos ao termo em voga, chamemos ao menos de regulamentação cooperativa constitucional e cristã do ambiente virtual, sem o que corremos o risco de corromper a democracia, a vida comunitária e a nação brasileira.
*Ricardo Ayres é deputado federal (Republicanos-Tocantins), advogado com pós-graduação em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Tocantins, instituição onde também é mestrando em Gestão Pública
Lula (PT) viaja para a China nos próximos dias deixando para trás um país que começa a ficar cada vez mais longe do pacto de pacificação prometido por ele em campanha
Por Matheus Pichonelli
Os tempos de beligerância do governo Bolsonaro (PL) deixaram marcas, e não só um presidente do Banco Central com mandato fixo.
É contra Roberto Campos Neto que Lula e o PT disparam os primeiros petardos para terem algum controle sobre a política de juros. Na quarta-feira (22), ao decidir pela manutenção da taxa básica de juros 13,75% ao ano e registrar em ata que na próxima pode ser pior, o Comitê de Política Monetária indicou que não aceita pressão e está pintando para a guerra.
“Preocupante” foi a palavra mais doce que partiu de algum integrante do governo ou do PT após a nota do Copom. Veio do ministro da Fazenda, Fernanda Haddad.
Não é a única crise que Lula e sua comitiva deixarão por aqui antes da viagem —e antes dos primeiros cem dias de governo.
A mais recente diz respeito ao petardo desnecessário em direção a Sergio Moro (União Brasil-RJ), que saiu da irrelevância parlamentar para reivindicar o papel de heroi na mira dos vilões que combateu na Lava Jato. Tudo foi dinamizado após a revelação de que quem queria se vingar do ex-magistrado era o PCC —tudo isso em meio a um intenso ataque de facções criminosas no Rio Grande do Norte.
Foi o suficiente para que a oposição, nas cordas desde a revelação do caso das joias sauditas, retomasse fôlego para aproveitar a brecha e linkar o desaforo do presidente com o plano criminoso da facção paulista.
Jair Bolsonaro (PL) não perdeu a chance. Em suas redes, ele escreveu: “Em 2002 Celso Daniel, em 2018 Jair Bolsonaro e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda. Nossa solidariedade a Sérgio Moro, Lincoln Gakiya e familiares. A CPMI assombra os inimigos da democracia”.
As ilações não têm nada com nada, mas servem como gasolina para incendiar uma militância que já virava brasa desde pelo menos a tentativa frustrada de tomar o poder à força em 8 de janeiro.
Como se fosse pouco, Lula ainda assiste com as mãos amarradas a uma disputa entre Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP) sobre o rito das medidas provisórias, alteradas para acelerar votações durante a pandemia e hoje objeto de revisão. O chefe do Senado quer uma coisa; o da Câmara, outra. Enquanto tentam, até aqui em vão, chegar a algum consenso, a agenda governista segue parada, em banho maria, no Congresso.
É lá que os dirigentes do centrão descobrem que não serão assim tão controlados como prometia o petista em campanha. Eles seguem em postos-chave de ministérios, estatais, autarquias e já encontram brechas para atualizar, de outras maneiras, o orçamento secreto.
Não sem produzir rachas na própria base.
Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-governador Cid Gomes, líder do PDT no Senado, afirmou que Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, “está levando o presidente Lula para uma tragédia”. “Se a defesa dele é que o centrão volte a mandar no governo, como mandou nos mandatos do Bolsonaro e do Michel Temer, vai levar o Lula para o buraco. No governo Dilma o centrão só se revoltou porque não mandou tanto quanto queria”.
A análise parte de um integrante da base do governo e pode ser lida como prenúncio.
O mesmo alerta foi feito por Cid Gomes quando ocupava o Ministério da Educação, na gestão Dilma, e decidiu bater de frente com o centrão, na época capitaneado por Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Cid caiu pouco depois e o centrão ganhou no muque. O resto é história.
Na abertura da Conferência Internet for trust, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Paris, foi lida uma carta do presidente Lula da Silva defendendo a necessidade de a comunidade internacional encontrar modos adequados de regular as plataformas digitais. “Precisamos de equilíbrio”, disse, como meio de “garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental”, e, ao mesmo tempo, assegurar “o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.”
Da coluna Notas & Informações
O Estado de São Paulo
O tema das fake news preocupa o mundo inteiro. Os regimes democráticos são diariamente tensionados por parcelas expressivas da população submetidas à desinformação sobre questões econômicas, políticas, sociais e de saúde pública, o que interfere diretamente na confiança das pessoas sobre as instituições e na própria vida em sociedade. “Não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas”, disse Lula.
A liberdade de expressão foi sempre o grande meio de proteção da sociedade contra autoritarismos e manipulações. No entanto, o mundo aparentemente sem lei das plataformas digitais parece inverter agora os termos da questão. Sob pretexto de liberdade de expressão, alguns poucos difundem irresponsavelmente desinformação, distorcendo e manipulando o debate público para seus interesses liberticidas. E as plataformas, que lucram com essa prática abusiva, têm feito muito pouco para combatê-la. Diante desse cenário, a comunidade internacional – com destaque, para a União Europeia – vem estudando caminhos e possibilidades de regulação. A conferência da Unesco é parte desse esforço.
O diagnóstico do desafio é evidente. Trata-se de construir um ambiente digital mais seguro e confiável, com uma responsabilização mais efetiva das partes envolvidas nos abusos – também das plataformas –, assegurando, ao mesmo tempo, as liberdades de expressão, de opinião e de imprensa. O que ainda não existe é um consenso sobre como fazer isso.
Segundo Lula, “o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas”. Certamente, o País tem todas as condições de participar ativamente no debate. A legislação nacional sobre internet é referência internacional de equilíbrio entre liberdade e responsabilidade. Além disso, o uso das redes sociais por aqui é particularmente intenso, quando comparado com outros países. Ou seja, uma regulação adequada das plataformas digitais é de grande e imediato interesse público.
Mas, para que esse protagonismo brasileiro aconteça e, mais importante, possa contribuir de fato para uma internet mais livre, segura e confiável, é necessário que o tema da regulação das plataformas digitais não seja abocanhado pelo PT como mais um capítulo de sua tentativa de controle da imprensa e da comunicação social. Lula tem razão quando diz que o 8 de Janeiro “foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação”. Mas é preciso admitir também que o PT é adepto contumaz de campanhas baseadas em mentiras e desinformação. Pior, sua pretensão de hegemonia política e social produz uma compreensão distorcida de liberdade de expressão. A verdade seria o que o partido dita.
A necessária regulação das plataformas digitais é pauta da sociedade, e não do governante do momento. É pauta de liberdade, e não pretexto para um partido político doutrinar ou impor sua versão dos fatos. O País sente a falta de uma adequada legislação a respeito das redes sociais. É muito oportuno, portanto, que o Executivo federal esteja atento ao tema e, no que lhe couber, promova estudos e debates, tendo sempre presente que o local próprio dessa discussão é o Congresso. Afinal, legislação, no regime democrático, é competência do Legislativo.
A democracia tem dois corações: o sistema representativo e a liberdade de imprensa
Por José Sarney
Afonso Arinos, certa vez, quando conversávamos sobre a Constituição americana e a formação do Senado, lembrou que a questão se colocara desde a abertura dos debates da Convenção de Filadélfia, no dia 29 de maio de 1787, inserida pelo Projeto de Virgínia. Todos concordaram com a ideia de duas casas, à maneira inglesa. A grande dúvida era como conciliar o poder dos grandes e dos pequenos Estados. Na sua primeira Constituição cada Estado tinha poder igual, uma das razões de seu fracasso.
A dúvida de como fazer o equilíbrio se estendia ao modo de eleger deputados e senadores e a seu número. Prevaleceu o voto direto para a Câmara e os senadores escolhidos pelos legislativos estaduais — Madison, o grande cérebro por trás da Convenção, achava que ambas as casas deviam ser eleitas pelo povo e escreveu em código a Jefferson, que estava em Paris, prenunciando um desastre; a 17a Emenda, em 1913, consertaria o erro. Ficou a dúvida quanto à composição.
Então, eles — contava Afonso —, que eram homens profundamente religiosos, disseram: “Vamos rezar para que, de manhã, tenhamos uma solução.”
A saída foi o que se chamou de Grande Compromisso, por atender a Estados grandes e pequenos, com o Senado tendo o mesmo número para cada Estado e a Câmara um número proporcional às respectivas populações.
O outro coração demorou um pouco mais a encontrar sua expressão. Durante a Convenção, Madison foi contra uma declaração de direitos, e sua posição prevaleceu. Mas, durante o grande esforço pela ratificação em que ele, Hamilton e Jay escreveram The Federalist Papers, ele assumiu o compromisso de inscrevê-la. E cumpriu. Diz Joseph J. Ellis, o grande historiador, que, mais que o pai da Constituição, Madison foi o “Father of the Bill of Rights”. Ele tratava Jefferson como seu mentor, e a correspondência entre os dois examina profundamente a questão. Assim surgiu, em 1791, a Primeira Emenda, que, em poucas linhas, garante as liberdades de religião, opinião, imprensa, reunião e petição.
Peça chave da Bill of Rights, ela deu à imprensa a posição de ‘quarto poder’, representando o povo na fiscalização dos outros três — o Executivo, o Legislativo e o judiciário. A sociedade democrática é uma sociedade de conflitos, de grupos de pressão que pretendem influenciar o poder. Jefferson chegou a dizer que, se “tivesse de optar entre ter governo ou imprensa”, preferia a imprensa.
A Primeira Emenda cristalizou a inserção do direito de impressão em todo o arcabouço do sistema político do Ocidente. Já os ingleses o haviam afirmado no Freedom of Press Act de 1685. A França o colocara no artigo 11 da Déclaration des Droits de l’homme et du citoyen dois anos antes, em 1789.
Os fundadores do sistema de valores que compõem a democracia representativa incorporaram a inviolabilidade de palavra, de opiniões e votos como prerrogativas inalienáveis dos representantes do povo. São princípios que hoje estão associados ao dia a dia de qualquer democracia que mereça esse nome e que tiveram origem na garantia da velha Magna Carta ao parlamento inglês de tomar suas decisões a salvo de qualquer pressão exercida pelo Rei.
A ideia de Jefferson era que a imprensa assegurava meios capazes de contrabalançar as prerrogativas dos parlamentares, garantindo-lhes uma tribuna livre, sem nenhuma restrição ou censura, para questionar pessoas e governos.
Porém, a imprensa dos tempos de Thomas Jefferson era uma imprensa rudimentar, que imprimia panfletos de uma folha e em tiragens quase simbólicas de duzentos exemplares, se tanto. Hoje, imprensa, rádio, televisão e redes sociais são instrumentos de comunicação indispensáveis e um dos maiores negócios do mundo.
José Sarney, ex-presidente