Política tocantinense e marido estão na lista divulgada pelo relator da Lava Jato como recebedores de 500 mil reais para caixa dois
Da Redação
Se o apelido de “Machado” já era irônico na lista de recebedores de propina da Odebrecht, por servir para denominar a então senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura, agora, então, com as delações colocando o futuro de políticos em sério risco, a palavra encaixa de maneira exata do que se pode esperar do futuro político de Kátia Abreu: um machado literal sobre sua cabeça, após a retirada do sigilo das delações dos 78 ex-executivos da empreiteira.
Os delatores que apontaram caixa dois de Kátia Abreu foram Cláudio Melo Filho, José de Carvalho Filho, Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis e Mário Amaro da Silveira, todos da Odebrecht. Amaro foi diretor superintendente da Odebrecht Ambiental, no Tocantins, de 2011 ao ano passado. Os depoimentos embasaram pedido de inquérito da Procuradoria-Geral da República, autorizado pelo ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin, para investigar a senadora peemedebista e o marido.
PEDIDO PESSOAL
Segundo as gravações apresentadas na delação, a senadora teria ligado pessoalmente para o “departamento de propinas” da Odebrecht, e falou com o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, solicitando o repasse do dinheiro, afirmando que o próprio ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht – que hoje “segura o cabo do machado” em sua delação bombástica – havia lhe prometido uma “contribuição” para sua campanha.
O intermediário do recebimento do dinheiro foi o próprio marido e assessor da senadora, Moisés Pinto Gomes, que foi a um hotel em São Paulo e, quando viu o valor, chegou a reclamar, afirmando que “era curto”: ““me reuni novamente com o Moisés, já na semana seguinte. [o marido teria respondido]: 'Poxa, talvez a gente nem queira, não sei o que mais, veja bem’. Ficou aquele impasse, aquela conversa tal, mas no final… [Moisés disse] Ah, então tá, vamos em frente”, contou Mário Amaro.
De acordo com o "Bom Dia Brasil", Mário Amaro falou que Moisés pediu que o valor fosse contabilizado como doação oficial, mas, no fim, aceitou dinheiro via caixa 2.
O Paralelo 13 teve aceso à decisão do Ministro Fachin de abrir inquérito contra a senadora Kátia Abreu. Confira abaixo:
INQUÉRITO 4.419 DISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. EDSON FACHIN AUTOR(A/S)(ES) :SOB SIGILO PROC.(A/S)(ES) :SOB SIGILO INVEST.(A/S) :SOB SIGILO
DECISÃO: 1. O Procurador-Geral da República requer a abertura de inquérito para investigar fatos relacionados à Senadora da República Kátia Regina de Abreu e Moisés Pinto Gomes, em razão das declarações prestadas pelos colaboradores Cláudio Melo Filho (Termo de Depoimento n. 33), José de Carvalho Filho (Termo de Depoimento n. 8), Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis (Termos de Depoimento n. 10 e 11) e Mário Amaro da Silveira (Termo de Depoimento n. 5). Segundo o Ministério Público, narram os colaboradores a ocorrência de pagamento de vantagem não contabilizada, por intermédio de Moisés Pinto Gomes, no âmbito da campanha eleitoral de Kátia Abreu ao Senado Federal no ano de 2014. Nesse contexto, relatam o pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), divididos em 2 (duas) parcelas de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), repasses ocorridos em setembro e outubro do ano de 2014, em encontros no Hotel Meliá Jardim Europa, em São Paulo. As operações foram efetuadas por meio do Setor de Operação Estruturadas do Grupo Odebrecht, estando identificada pelo codinome “Machado”. Sustentando o Procurador-Geral da República a existência de fatos que, em tese, amoldam-se à figura típica contida no art. 350 do Código Eleitoral, postula, além da investigação conjunta, o “levantamento do sigilo em relação aos termos de depoimento aqui referidos, uma vez que não mais subsistem motivos para tanto” (fl. 8). 2. Como sabido, apresentado o pedido de instauração de inquérito pelo Procurador-Geral da República, incumbe ao Relator deferi-lo, nos termos do art. 21, XV, do RISTF, não lhe competindo qualquer aprofundamento sobre o mérito das suspeitas indicadas, exceto se, a toda evidência, revelarem-se inteiramente infundadas, conforme as exceções elencadas nas letras “a” a “e”, da norma regimental, as quais, registro, não se fazem presentes no caso.
3. Com relação ao pleito de levantamento do sigilo dos autos, anoto que, como regra geral, a Constituição Federal veda a restrição à publicidade dos atos processuais, ressalvada a hipótese em que a defesa do interesse social e da intimidade exigir providência diversa (art. 5º, LX), e desde que “a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (art. 93, IX). Percebe-se, nesse cenário, que a própria Constituição, em antecipado juízo de ponderação iluminado pelos ideais democráticos e republicanos, no campo dos atos jurisdicionais, prestigia o interesse público à informação. Acrescenta-se que a exigência de motivação e de publicidade das decisões judiciais integra o mesmo dispositivo constitucional (art. 93, IX), fato decorrente de uma razão lógica: ambas as imposições, a um só tempo, propiciam o controle da atividade jurisdicional tanto sob uma ótica endoprocessual (pelas partes e outros interessados), quanto extraprocessual (pelo povo em nome de quem o poder é exercido). Logo, o Estado-Juiz, devedor da prestação jurisdicional, ao aferir a indispensabilidade, ou não, da restrição à publicidade, não pode se afastar da eleição de diretrizes normativas vinculantes levadas a efeito pelo legislador constitucional. D’outro lado, a Lei 12.850/2013, ao tratar da colaboração premiada em investigações criminais, impôs regime de sigilo ao acordo e aos procedimentos correspondentes (art. 7º), circunstância que, em princípio, perdura, se for o caso, até o eventual recebimento da denúncia (art. 7º, § 3º). Observe-se, entretanto, que referida sistemática deve ser compreendida à luz das regras e princípios constitucionais, tendo como lastro suas finalidades precípuas, quais sejam, a garantia do êxito das investigações (art. 7°, § 2º) e a proteção à pessoa do colaborador e de seus próximos (art. 5º, II). Não fosse isso, compete enfatizar que o mencionado art. 7º, § 3º relaciona-se ao exercício do direito de defesa, assegurando ao denunciado, após o recebimento da peça acusatória, e com os meios e recursos inerentes ao contraditório, a possibilidade de insurgir-se contra a denúncia. Todavia, referido dispositivo que, como dito, tem a preservação da ampla defesa como finalidade, não veda a implementação da publicidade em momento processual anterior. 4. No caso, a manifestação do órgão acusador, destinatário da apuração para fins de formação da opinio delicti, revela, desde logo, que não mais subsistem, sob a ótica do sucesso da investigação, razões que determinem a manutenção do regime restritivo da publicidade. Em relação aos direitos do colaborador, as particularidades da situação evidenciam que o contexto fático subjacente, notadamente o envolvimento em delitos associados à gestão da coisa pública, atraem o interesse público à informação e, portanto, desautorizam o afastamento da norma constitucional que confere predileção à publicidade dos atos processuais. Com esse pensamento, aliás, o saudoso Min. TEORI ZAVASCKI, meu antecessor na Relatoria de inúmeros feitos a este relacionados, já determinou o levantamento do sigilo em autos de colaborações premiadas em diversas oportunidades, citando-se: Pet. 6.149 (23.11.2016); Pet. 6.122 (18.11.2016); Pet. 6.150 (21.11.2016); Pet. 6.121 (25.10.2016); Pet. 5.970 (01.09.2016); Pet. 5.886 (30.05.2016); Pet. 5.899 (09.03.2016); Pet. 5.624 (26.11.2015); Pet. 5.737 (09.12.2015); Pet. 5.790 (18.12.2015); Pet. 5.780 (15.12.2015); Pet. 5.253 (06.03.2015); Pet. 5.259 (06.03.2015) e Pet. 5.287 (06.03.2015). Na mesma linha, registro o julgamento, em 21.02.2017, do agravo regimental na Pet. 6.138 (acórdão pendente de publicação), ocasião em que a Segunda Turma desta Corte, por unanimidade, considerou legítimo o levantamento do sigilo de autos que contavam com colaboração premiada, mesmo anteriormente ao recebimento da denúncia. No que toca à divulgação da imagem do colaborador, cumpre enfatizar que a Lei 12.850/2013 determina que, sempre que possível, o registro das respectivas declarações deve ser realizado por meio audiovisual (art. 4°, § 13°). Trata-se, como se vê, de regra legal que busca conferir maior fidedignidade ao registro do ato processual e, nessa perspectiva, corporifica o próprio meio de obtenção da prova. Em tese, seria possível cogitar que o colaborador, durante a colheita de suas declarações, por si ou por intermédio da defesa técnica que o acompanhou no ato, expressasse insurgência contra tal proceder, todavia, na hipótese concreta não se verifica, a tempo e modo, qualquer impugnação, somente tardiamente veiculada. Assim, considerando a falta de impugnação tempestiva e observada a recomendação normativa quanto à formação do ato, a imagem do colaborador não deve ser dissociada dos depoimentos colhidos, sob pena de verdadeira desconstrução de ato processual perfeito e devidamente homologado. Por fim, as informações próprias do acordo de colaboração, como, por exemplo, tempo, forma de cumprimento de pena e multa, não estão sendo reveladas, porque sequer juntadas aos autos. À luz dessas considerações, tenho como pertinente o pedido para levantamento do sigilo, em vista da regra geral da publicidade dos atos processuais. 5. Ante o exposto: (i) determino o levantamento do sigilo dos autos; (ii) defiro o pedido do Procurador-Geral da República para determinar a instauração de inquérito em face da Senadora da República Kátia Regina de Abreu e de Moisés Pinto Gomes, com a juntada dos documentos apontados na peça exordial, bem como anotação na autuação; (iii) ordeno a remessa dos autos à autoridade policial para que, no prazo de 30 (trinta) dias, atenda às diligências especificadas no item “a” (fl. 7) pelo Ministério Público; (iv) atribuo aos juízes Ricardo Rachid de Oliveira, Paulo Marcos de Farias e Camila Plentz Konrath, magistrados lotados neste Gabinete, os poderes previstos no art. 21-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para o trâmite deste feito. Publique-se. Intime-se. Brasília, 4 de abril de 2017.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
Supremo Tribunal Federal
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