Configuração do Conselho Federativo é um dos pontos delicados do texto; valor de fundo para estados também é alvo de reclamação
Por Hellen Leite
Os governadores têm pressionado o relator da proposta da reforma tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), por mudanças em trechos do texto que tramita no Senado. Entre as principais reivindicações estão a configuração do Conselho Federativo, além do valor e critério de distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional. Nesta semana, a maioria dos chefes do Executivo nos estados estiveram em Brasília para debater a matéria.
No caso do Conselho Federativo, que vai ser criado para gerir e distribuir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a principal divergência tem a ver com a configuração e o funcionamento do órgão. O conselho ditaria normas, que teriam que ser aplicadas igualmente por todos os estados e municípios.
Especialmente os governadores do Norte e Nordeste querem garantir paridade e representatividade no conselho. Pelo texto aprovado na Câmara, as decisões do colegiado ficam condicionadas ao critério populacional. Ou seja, as medidas só serão aprovadas se o voto da maioria dos representantes corresponder a mais de 60% da população do país, medida que indiretamente pode favorecer os estados do Sudeste, região que concentra 41,8% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE de 2022.
Especialista em direito tributário, Leonardo Roesler afirma que cada região apresenta características tributárias que refletem as diferenças econômicas, sociais e políticas. No caso do Sudeste, há um sistema tributário voltado para a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por causa da atividade comercial e industrial. Esta também é uma região que se destaca por uma maior sofisticação dos incentivos fiscais e atração de investimentos.
Já o Nordeste tem maior dependência de transferências constitucionais, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE). "Em razão das limitações econômicas, há menor capacidade de geração própria de receitas, tornando esses estados mais suscetíveis às oscilações nas políticas fiscais federais", diz o especialista.
Em audiência no Senado nesta terça-feira (29), governadores expressaram preocupação com possíveis distorções no modelo de governança do Conselho Federativo, que será o órgão responsável por fazer a arrecadação e distribuição do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), que deve substituir os atuais tributos estadual (ICMS) e municipal (ISS). Eles também criticaram o critério de distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que será criado para compensar as perdas dos estados e do DF com o fim do ICMS.
Na região Centro-Oeste, há o uso estratégico do ICMS para fomentar a atividade agrícola. No Sul, destaca-se a vocação ao setor industrial. E a região Norte conta com a Zona Franca de Manaus como um regime tributário diferenciado, que tem o objetivo de promover o desenvolvimento econômico da região mediante isenções fiscais. É por causa dessas características regionais distintas que há a demanda por abordagens legislativas específicas.
Para Roesler, um outro ponto de preocupação no texto da reforma tributária tem a ver com o comprometimento da autonomia fiscal dos estados, que ficarão impossibilitados de modular os impostos individualmente, o que é um princípio consagrado na Constituição.
"Este cenário, que aponta para um enfraquecimento do federalismo fiscal, exigiria uma revisão cuidadosa e crítica, a fim de evitar a transformação das unidades federativas em entes subjugados a um centralismo fiscal incompatível com os postulados do pacto federativo", afirma o especialista.
Na mesma linha, o tributarista Lucas Terto explica que a preocupação dos estados e a discussão sobre o pacto federativo é legítima. "A tributação, em última análise, é a garantia da autonomia de um ente. Você não pode ter um ente com autonomia, mas sem fontes próprias de receita. As reformas tirbutarias, em geral, empacam nesse ponto, na questão da autonomia dos entes federados", avalia.
'Não é o melhor modelo, mas é o mais viável'
A secretária de Fazenda de Sergipe, Sarah Andreozzi, defendeu que o modelo de Conselho Federativo pode não ser a melhor opção para os estados, mas é a alternativa mais viável neste momento para o país.
Segundo ela, o texto aprovado na Câmara fragiliza o pacto federativo. "O Conselho Federativo não é a melhor opção, mas é a alternativa que temos no momento. O primeiro passo é aprovar a proposta [de reforma tributária], porque a reforma simplifica. Mas vamos construir, aperfeiçoar. Nenhuma reforma tributária, aprovada de um ano para o outro, é definitiva. O Conselho Federativo é a melhor solução? Acho que pode melhorar. É o melhor possível hoje. Vamos aprender com o tempo como melhorar", destacou.
No Senado, o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), afirmou que a atual configuração do conselho é preocupante. "A gente entende que tem que ser um conselho que garanta autonomia aos entes subnacionais. E uma coisa que muito me preocupa é a questão do IPM [Índice de Participação dos Municípios]. É um ponto muito sensível, porque, como foi aprovado na Câmara dos Deputados, ele traz muitos benefícios para as cidades mais populosas, para as cidades maiores, e traz um prejuízo enorme para as cidades menores do Brasil, que são majoritárias no nosso país", afirmou.
Apesar de fazer parte da região Sudeste, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), citou como possibilidade um critério que considera a votação por região, como ter os votos de 50% dos representantes de cada uma delas para uma decisão valer.
Uma proposta similar foi considerada por Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, que sugeriu um modelo em que uma região não tenha mais poder sobre a outra. "Se você colocar critério populacional, o Sudeste acaba adquirindo um peso extraordinário", afirmou.
Fundo de Desenvolvimento Regional
Outro tema alvo de reclamações de governadores é o Fundo de Desenvolvimento Regional, que tem como objetivo reduzir as desigualdades entre as regiões. Esse fundo deverá ser financiado com recursos da União, com valores crescentes a partir de 2029, chegando a R$ 40 bilhões por ano a partir de 2033.
O governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), fez críticas ao rateio do recurso e afirmou que o critério de distribuição mais justo é o do PIB invertido, "ou seja, quem tem menos recurso per capita, receba mais".
Ele e outros governadores também criticaram o valor reservado ao fundo. Ao invés dos R$ 40 bilhões, eles também pressionam a União a elevar a quantia para R$ 75 bilhões.
Relator considera mudanças no texto
Por enquanto, o relator da proposta no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), tem se limitado a escutar as sugestões de governantes e setores da economia. No entanto, ele tem sinalizado que o texto poderá passar por mudanças.
Braga já afirmou que o valor definido para o Fundo de Desenvolvimento Regional, de R$ 40 bilhões, é considerado baixo por governadores e que a demanda deve ser levada em consideração pelo governo federal. O senador também citou que o formato a ser definido para o Conselho Federativo deve contar com garantias para estados e municípios.