Nascido em Uberlândia, o menino Túlio César foi criado pela mãe, costureira, após o falecimento de seu pai. Com poucos recursos disponíveis, e após muito esforço e dedicação nos estudos, a aprovação no vestibular para Medicina na Universidade Federal de Goiás foi apenas o primeiro passo de uma carreira exitosa e cheia de méritos. O jovem Túlio César foi aprovado, também, para residir na Casa do Estudante, fato preponderante para que pudesse se manter em Goiânia e continuar sua formação.
Por Edson Rodrigues
Foi lá que tomou conhecimento do movimento separatista pelo Estado do Tocantins, e começou a se interessar pela causa – e pela oportunidade que se descortinava à sua frente.
Por dois anos, já no fim do curso, o já chamado Dr. Túlio César deu plantão no Hospital Evangélico de Anápolis como clínico geral (à época, era permitido que estudantes prestes a se formar dessem plantão nos hospitais), período em que conseguiu fazer um pé de meia e até comprar um carro - “um Fiat 147” como se orgulha em dizer – para que tocasse sua vida entre a capital goiana e a cidade onde trabalhava.
“Por dois anos eu dava plantão aos fins de semana no Hospital Evangélico. O hospital ficava, praticamente, em minhas mãos. Depois de formado, o Tocantins ainda não havia sido criado. Eu resolvi me especializar em oftalmologia, e fui para o Rio de Janeiro. Tive que vender meu carro para poder me manter. Coloquei o dinheiro na poupança, que naquela época rendia bem, e pagava para um amigo que fosse à banca da Praça Tamandaré, única onde circulava o ‘Jornal do Tocantins’, que tinha periodicidade bimensal, e me mandasse pelo correio, para que eu pudesse acompanhar a luta separatista. Estado criado em cinco de outubro de 1988, pela Assembleia Nacional Constituinte, Siqueira Campos eleito governador e veio a história da criação da Capital. Miracema virou Capital Provisória. 80% das pessoas envolvidas acreditavam que a provisoriedade iria virar permanente, como a maioria das coisas no Brasil. Mas, eu fui um dos 20% que acreditaram em uma nova Capital para o Tocantins. O Siqueira assumiu o governo em 1º de janeiro de 1989 e eu cheguei à Miracema em três de janeiro do mesmo ano. A imprensa divulgou que o governador iria sobrevoar três áreas para decidir onde seria construída a nova Capital. No dia 13 de fevereiro, veio a decisão. Foram quase 45 dias em Miracema, mas, enfim, eu sabia onde construiria meu consultório. E foi na cidade mais próxima de onde seria Palmas. E essa cidade era Porto Nacional”.
CIENTISTA POLÍTICO E PROJETO ADIADO
E o Dr. Túlio César, sem nenhum viés de autopromoção, acrescenta o termo “cientista político” às suas habilidades (soft skills, para o pessoal do RH dos dias de hoje), e conta como isso começou.
“Eu posso me considerar um cientista político desde aquela época, em Miracem, pois eu calculei que a cidade foi escolhida para ser Capital Provisória pelo fato de ser pequena. Se o Siqueira tivesse escolhido Porto Nacional, Gurupi ou Araguaína, na hora que ele quisesse partir para a nova Capital, haveria uma resistência muito grande dos políticos locais em perder o status de Capital. Por isso eu sempre acreditei que Palmas seria erguida. Então, fui para Porto Nacional – livre das pinguelas de Miracema e da balsa, para Paraíso – e quando em 1º de janeiro de 1990, o Siqueira trouxe a Capital para Palmas, eu vim junto. Era uma Capital de Estado, que estava sendo erguida, sem mão de obra especializada, praticamente, em todas as áreas. Ainda no Rio de Janeiro eu calculei que isso aconteceria, então a minha formação em clínica geral não seria suficiente. Então, lá, eu me especializei em oftalmologia, que era o meu sonho, e também em Medicina Legal, aquele que participa da coleta de provas médicas para sustentar a materialidade do crime, e em Medicina do Tráfego, que cuida da avaliação dos candidatos a tirar carteira de habilitação. Logo, quando pus os pés em Palmas, eu era o único médico com três especializações do Tocantins!”
Segundo Dr. Túlio César, seu projeto era montar um centro de referência em oftalmologia em Palmas, mas seu projeto pessoal teve que ser adiado para que suas outras especializações pudessem contribuir para o desenvolvimento do Estado.
“Por oito anos eu tive que adiar meus projetos pessoais. Esse período eu dediquei a suprir as carências da administração estadual, que precisava implantar o Instituto Médico Legal”.
O PARALELO 13: Como foi a implantação do seu primeiro consultório em Palmas?
TÚLIO CÉSAR: “Eu estava tão convicto da criação de Palmas que, quando o Siqueira Campos veio fazer o lançamento da Pedra Fundamental, eu estava presente com minha esposa e com meu primogênito, que estava com três meses. Era dia 20 de maio de 1989. Tenho fotos com a placa sem ser descerrada. Nós presenciamos o primeiro hasteamento de bandeira em solo palmense. Como Palmas estava sendo criada, ainda não tinha a bandeira oficial da Capital, então foi hasteada uma bandeira branca. Como eu estava com meu filho de três meses, eu previ possíveis atrasos na cerimônia – o que aconteceu, de fato, pois houve até distribuição de comida - eu trouxe uma barraca e, pode-se dizer, foi a primeira barraca de camping montada em Palmas.
Não tínhamos material de construção que atendesse à demanda de Palmas. E chegou um rapaz, com uma carreta carregada de casas pré-moldadas de madeira. E ele andava pra lá e pra cá com essa carreta e não vendia. Eu chamei ele e fiz a seguinte proposta: quanto custa uma casa dessas? 50 mil? Eu te pago 30 mil e você constrói a minha casa. Ele me perguntou se eu estava doido ou achando ele com cara de idiota. Mas eu insisti e falei: ‘seja inteligente. Eu sou o primeiro médico aqui em Palmas, meu consultório vai ser essa casa. Você me vende por 30 mil, constrói a minha casa e todo mundo que vier consultar vai querer compra uma casa dessas. Foi dito e feito! Minha casa/consultório estava pronta em 10 dias! Eu fui o primeiro médico, montei a primeira barraca, fui o primeiro publicitário, com essa história da casa e coloquei o primeiro outdoor da Capital, com o slogan que é o do Hospital dos Olhos até hoje ‘veja Palmas com bons olhos’. De 20 de maio até 31 de dezembro de 1989, foi feito um isolamento no quadrilátero que abrangia Palmas. Ninguém podia entrar para atrapalhar as obras. O Siqueira abriu a primeira licitação para a venda de lotes em agosto. E as pessoas compravam os lotes sem muito conhecimento. Com muita habilidade, eu fiz amizade com um dos assessores do Grupo 4, empresa que fez o projeto de Palmas, e ele me passou uma planta de Palmas, pois eu queria comprar um terreno que não ficasse longe do crescimento da cidade. Identifiquei um ponto entre o Palácio Araguaia e a Prefeitura e dei meu lance. Saiu o resultado da licitação em dezembro, eu mandei fazer um outdoor – o primeiro instalado em palmas! –, e instalei onde, até hoje funciona o Hospital de Olhos de Palmas. E “veja Palmas com bons olhos” serviu de incentivo para trair mais pessoas, pois elas chegavam aqui, aquela poeirada toda e logo queriam ir embora, mas passavam pelo outdoor, liam, e se perguntavam: será que ele viu alguma coisa que eu não vi? E acabavam ficando...
Quando eu acabei de construir meu consultório, a única visão que se tinha ao longe, além do cerrado, era o esqueleto do Palácio Araguaia. Por causa da poeira, minha família só veio, definitivamente, em 1993”.
O PARALELO 13: O senhor era o único médico capacitado para implantar o Instituto Médico Legal do Estado. Como foi esse convite, que acabou fazendo com que seus projetos pessoais fossem adiados?
TÚLIO CÉSAR: “Quando o governador tomou posse e foram instituídas as secretarias, uma delas foi a da Segurança Pública. Uma das atribuições dela é fornecer a prova da materialidade do crime para o poder Judiciário e o Ministério Público colocar os criminosos na cadeia. Goiás já não tinha mais vínculo nem obrigação de fazer as provas periciais dos crimes que estavam acontecendo em todo o Tocantins, logo, foi levada ao governador a necessidade de se construir um IML. Precisando de um especialista em Medicina Legal, meu nome foi levado até o governador que retrucou: ‘não, mas, o Túlio César é o oftalmologista!’. Sim, mas ele também é especializado em Medicina Legal, informaram a ele. ‘Chama ele lá, então’!
Foi assim. E ele falou que estava me nomeando com a missão de implantar o IML do Estado. Eu abracei a causa, de certa forma, até exagerada. O consultório de madeira, que era pra ser provisório, acabou virando meu local de clinicar a oftalmologia por oito anos. Comecei a decidir a área onde seria construído o IML. Havia uma área reservada para a Polícia Militar, onde hoje é o QCG. Naquela época, o secretário de Segurança, que era o Napoleão de Souza Luz Sobrinho, tinha uma grande influência, e eu falei direto com o Napoleão que precisava dessa pequena área para fazer o IML, e ele falou: ‘deixa comigo’. Aí veio o desafio de fazer o projeto. Eu saí do Estado e fui para Curitiba, Brasília, Goiânia, São Paulo e Salvador, vendo os modelos que se encaixavam á nossa realidade. Fiquei meses fazendo esse estudo, mas o governo falava, sempre, que tinha outras prioridades e ia deixando a construção do IML de lado.
O Siqueira terminou os dois anos dele, e veio o Moisés Avelino, cuja primeira medida foi exonerar todos os cargos de confiança do governo anterior. E eu fui nesse bolo, mas fiquei na minha. Depois, ele mandou um recado pra mim, que queria falar sobre o IML, só que lá em Paraíso. Aqui entra um parêntese do Túlio César cientista político. O Avelino, quando assumiu o governo, fez de tudo para não despachar de Palmas, tipo, tentando inviabilizar. Ele estava com a chave do Palácio, mas despachava de Paraíso, mas quando ele viu que essa estratégia estava se revertendo, negativamente, ele mudou de ideia.
Foi em Paraíso que houve a nossa reunião. E ele falou que estava precisando que eu continuasse com o andamento do IML. Aí foi a minha vez de falar. Eu disse que quando assumo uma tarefa, eu faço um trabalho para o Estado e, não, para o governante. Existe uma corrente que está dividindo entre siqueirista e avelinista, e já estão me enchendo o saco com isso. Quando o senhor me nomear, já vão pedir a minha cabeça. Então o Avelino falou que quem estava me nomeando era ele e que ninguém iria me tirar.
Pois eu fiquei os quatro anos do Avelino, mas a obra evoluiu pouco, sempre por conta das ‘prioridades’ do governo.
Aí volta o Siqueira, de novo. Aí foi a turma do Siqueira que começou a falar que eu era avelinista. O Siqueira falou ‘negativo’! Ele me incumbiu de continuar com o projeto do seu primeiro governo. Acho que fui um dos poucos cargos de confiança a sobreviver a esses três primeiros mandatos. Fiquei 10 anos como Diretor do IML. Aí o Siqueira foi reeleito e eu levei lá na obra a Procuradora-Geral, na época a Vera Nilva, depois levei o prefeito, saudoso Odir Rocha – que foi eleito com apoio do Siqueira Campos – , levei o Ddr. Pedro Nelson, o secretário de Segurança Pública, General Athos Costa de Faria, e o presidente do Tribunal de Justiça e, certamente, eles falaram muito na cabeça do Siqueira, tanto que terminei a construção do IML, fui lá no Palácio e entreguei a chave pro governador. O Siqueira me perguntou: ‘uai? Agora você vai embora?’. E eu falei: ‘sim. Eu não quero é mais cargo de direção. O senhor me pediu pra construir, tá construído. Agora vou cuidar da minha vida particular, que é o meu consultório’.
Então, eu passei incólume por todas essas questões políticas, antes de começar, de vez, a tocar a minha vida. Eu era o único médico especializado em Medicina Legal no Tocantins. Por isso aceitei a missão. Eu me preparei pra isso.
Terminei a construção do consultório, fiz, também a minha casinha, a primeira da ARSE 71, trouxe a minha família e hoje o Hospital de Olhos de Palmas está aí”.
O PARALELO 13: Ainda falta falar sobre a implantação do sistema de perícia do Detran do Estado. Como foi a sua participação?
TÚLIO CÉSAR: “Assim que foi criada a secretaria de Segurança Pública, a quem o Detran era subordinado, comandada pelo Delvon Prudente, e o deputado Geraldo Vaz, era o superintendente do Detran. E até então, Goiás vinha fazer bancas examinadoras do Detran uma vez por ano. Um ano em Gurupi, outro ano em Araguaína. Era um abandono só, e tinha uma demanda reprimida enorme. Se você quisesse tirar carteira de motorista rápido, tinha que ir pra Goiânia. E a primeira resolução do Detran do Tocantins foi fazer bancas examinadores nas cidades do interior do Estado. E partiram em busca de um médico especializado. Aí, novamente, meu nome chega ao Siqueira. ‘Mas ´Túlio César não é o oftalmologista e médico legal do IML’? Sim, mas ele também é especializado em Medicina do Tráfego. ‘Então traz ele aqui’. Aí foi aquela história de novo... toda semana lá estava eu em uma cidade do interior, um examinador, eu, médico, um psicólogo e um motorista, ajudando o povo a tirar carteira de habilitação.
Nos três primeiros anos do Tocantins, eu era o único médico, num raio de 400 quilômetros, especializado em oftalmologia, Medicina Legal e Medicina do Tráfego. Dos 128 municípios da época, passando a 137 logo depois da criação do Estado, eu conheço 126 municípios, viajando pelas bancas examinadora do Detran. Continuei como médico do Detran, mas só aqui em Palmas, durante um bom tempo e, depois, pedi afastamento, pois eu quero curtir a minha longevidade – estou com mais de sete ponto zero – com mais tempo para a família e para cuidar da minha saúde. A minha juventude foi gasta com toda essa correria que acabei de contar”.
O PARALELO 13: Depois de tantas boas histórias que o senhor acabou de contar, o que o senhor tem a dizer? Valeu a pena, toda essa luta? A Palmas de hoje é a que o senhor sonhou?
TÚLIO CÉSAR: “Eu sou suspeita para falar sobre Palmas, porque eu acreditei nesse sonho quando ainda era acadêmico de Medicina. Quando eu cheguei aqui, vi que tinha tomado a decisão certa, porque o Estado estava precisando dos meus préstimos profissionais, pois estava carente e desprovido de mão de obra especializada. E, com toda a sinceridade, se fosse pra fazer de novo, eu faria, talvez, com muito mais ênfase.
Para você ter uma ideia, eu tive participação, também, na implantação da Universidade Federal do Tocantins. Já tínhamos a Unitins, que é estadual, e o carro chefe era o curso de Direito. Como eu tinha as noites livres, resolvi me formar em Direito. Iniciei o curso e, em dado momento, chegou o momento da primeira turma ter aulas de Medicina Legal e, na própria reitoria da Unitins, eu figurava em todas as listas que chegaram. Veio o convite e o reitor me deu uma semana para pensar. Imediatamente eu disse não! ‘O senhor não vai aceitar’? Perguntou o reitor. Eu respondi: ‘não, eu não preciso de uma semana para pensar. Eu aceito’. E passei, então, a dar aulas de Medicina Legal no curso onde eu próprio era aluno.
E eu aceitei entrar no corpo docente, para filtrar o que eles pensavam a respeito de ter uma universidade federal no Tocantins. Porque eu achava que uma Capital de Estado deve, obrigatoriamente, ter um curso de Medicina, porque a Medicina atrai alunos de todas as partes do Brasil, e até do exterior, porque ninguém sai daqui pra fazer Direito ou Administração em outro estado. Isso o pessoal só sai pra fazer especialização. Já a Medicina, não. Onde a pessoa passa no vestibular ela faz!
Aí começamos a despertar as pessoas sobre a necessidade de uma universidade federal com curso de medicina em Palmas. Levamos várias vezes o pedido para o governador para a instalação do curso de Medicina e a resposta era que ‘o gasto com o curso de Direito já era alto. Um curso de Medicina vai ser 10 vezes mais.
Então, a única maneira de ter Medicina seria com a universidade federal, porque o custo fica com o governo federal.
Então conscientizamos os professores e descobrimos que, na época, o governo estava abrindo as portas para mais faculdades de Medicina no País, mas com a condição de que a parte física ficasse a cargo dos estados.
A Unitins tinha o campus avançado, com três prédios construídos. Então eu falei pro pessoal, que os prédios da Unitins eram o nosso trunfo. Se conseguíssemos convencer o governador e o reitor a doar esses prédios para a implantação da universidade federal, vamos juntar a fome com a vontade de comer. O governo vai ter uma faculdade de Medicina e não terá custo.
Levamos a proposta à Brasília, discutimos com o ministro da Educação e ele aprovou. Temos, hoje, nosso curso de Medicina e uma Universidade Federal.
Continuei professor por mais oito anos no curso de Direito e na Faculdade de Medicina em Porto Nacional, na cadeira de oftalmologia. Ou seja, tenho um centro de referência em oftalmologia e outras empresas que geram empregos e arrecadação para meus concidadãos, fiz um mestrado em Ciências Políticas, e passei pelo momento mais sublime que um pai pode ter. Tenho três filhos, os três formados em Medicina, os três oftalmologistas.
Então, você acha que eu tenho algo a dizer sobre o meu sonho de Palmas? Ele está totalmente realizado”!