A liturgia do Congresso Nacional é diferente e precisa ser compreendida
Por Murilo Ramos da Revista Época
O presidente eleito Jair Bolsonaro desmarcou reunião que teria com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), na terça-feira (13). Não disse o motivo da desistência, mas todos sabem estar relacionada ao fato de Eunício ter colocado o projeto do aumento do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em pauta na semana passada e o assunto ter sido aprovado. Antes da votação, Bolsonaro afirmou que não era o momento para aprovar medida assim. O resultado mostra que, apesar dos milhões de votos recebidos nas urnas há duas semanas, o capitão reformado do Exército foi ignorado pela maioria dos senadores. Eunício, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo , foi além: “não estou preocupado se Bolsonaro vai gostar ou não. Qual o motivo de eu, como presidente de um Poder, procurar o presidente eleito de outro Poder para perguntar o que ele quer?”
A partir dessa declaração, muitos poderiam afirmar tratar-se de uma picuinha de um despeitado Eunício com Bolsonaro e que o problema será sanado em 2019, quando o político cearense deixar o Senado. Ledo engano. Eunício deu uma lição em Bolsonaro, em três passos:
1. A pauta-bomba dos ministros do STF resultará, caso o presidente Michel Temer não a vete, em gastos adicionais de R$ 5 bilhões aos cofres públicos por ano. Em 2019, Eunício estará cuidando de seus assuntos particulares, mas caberá a Bolsonaro encontrar a fórmula para quitar a fatura. Bolsonaro e sua equipe, está provado, não se prepararam devidamente para desarmar a bomba. Nem mesmo um de seus principais aliados, o senador Magno Malta (PR-ES), compareceu para votar contra o aumento. Indicações de ministros – que só tomarão posse daqui a dois meses – foram priorizadas em detrimento de um assunto tão urgente e sensível para os próximos quatro anos;
2. Há outras pautas-bombas prestes a explodir. Se Bolsonaro não se apressar, corre o risco de ver o estrago ficar ainda maior. Desmarcar um compromisso com a autoridade que se mostrou capaz de derrotá-lo (sim, a aprovação do aumento para os ministros do STF foi uma derrota para Bolsonaro) é uma estratégia arriscada. A declaração do guru econômico de Bolsonaro e futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de que é preciso dar uma “prensa neles” (parlamentares) a fim de que aprovem pontos da reforma da Previdência só agrava o quadro;
3. Os comportamentos de Eunício e companhia revelam que o Poder Legislativo, quando quer, pode ser independente – para o bem e para o mal – do Executivo. Bolsonaro, parlamentar desde o final dos anos 1990, parece ter se esquecido de que deputados e senadores também são eleitos pelo povo e se orgulham disso. O presidente eleito precisará de um forte articulador no Congresso Nacional a partir do ano que vem. Esse articulador terá de se entender com os comandantes e lideranças das duas Casas. Ele precisa expor as necessidades do Planalto e compreender as necessidades dos congressistas. A mágica consiste em atingir bons acordos para os seguintes lados: presidente da República, parlamentares e os mais de 200 milhões de brasileiros.
Será que Bolsonaro vai tirar algum proveito da lição de Eunício?