O 5G nem começou a funcionar pra valer e o Brasil já se tornou palco de uma disputa tecnológica bilionária entre operadoras de telefonia e big techs como Facebook, Google e Apple.
POR JULIO WIZIACK
Em jogo está um mercado de US$ 112 bilhões até 2030 que, segundo as teles, poderá ser dominado pelas gigantes da tecnologia, ameaçando a evolução da telefonia de quinta geração especialmente para aqueles que só precisam de acesso à internet.
Essa disputa local reflete uma batalha mundial em torno de frequências --avenidas no ar por onde as empresas fazem trafegar seus sinais
No ano passado, as teles decidiram arcar com ao menos R$ 47 bilhões para montar as redes 5G, a tecnologia que permite velocidades de navegação tão elevadas que viabilizará o surgimento de veículos autônomos, sistemas de realidade aumentada, cirurgias à distância, dentre tantas outras funcionalidades.
O serviço deverá ser iniciado oficialmente no final de julho deste ano nas principais capitais do país e as operadoras correm contra o tempo para construir suas redes.
O problema é que, ao mesmo tempo em que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) leiloou as frequências de 5G, também destinou --sem custos-- um megabloco de frequências de 6GHz (Gigahertz) para empresas interessadas em prestar serviços pelo chamado Wifi6E --tecnologia que habilita super hotspots de wifi.
As teles passaram então a pressionar a Anatel. Com exceção da Oi, Vivo, Claro e Tim reclamam da decisão do regulador porque essas frequências são contíguas às do 5G "puro-sangue" (que opera em 3,5 GHz) e, até o momento, poucos equipamentos e soluções em wifi estão disponíveis no mundo.
Técnicos da Anatel informam que nenhum equipamento foi certificado, embora haja dezenas de pedidos de homologação em curso há mais de um ano.
Mesmo assim, o Brasil seguiu os rumos dos EUA e se antecipou na destinação da faixa para o wifi. Europa e Ásia ainda aguardam a evolução do 5G para tomarem decisão.
As teles avaliam que a Anatel destinou muita frequência para as redes wifi --poderiam ter destinado 500 MHz, por exemplo-- e que, no futuro, essa faixa de frequência precisará ser usada pelo 5G, o que causará problemas técnicos porque essa faixa estará ocupada.
Nos bastidores, as teles afirmam que as bigtechs pressionaram a Anatel e conseguiram uma espécie de "reserva de mercado".
Ainda segundo representantes dessas empresas, as gigantes da tecnologia querem construir redes wifi próprias para que seus produtos funcionem somente por essa infraestrutura.
Um óculos de realidade aumentada do Google, por exemplo, funcionaria pela rede wifi do Google. Usuários de equipamentos da Apple com serviços avançados de medicina, por exemplo, só veiculariam seus dados por essa rede restrita.
As operadoras acreditam que haverá um corrida das bigtechs na construção de redes paralelas competindo com o setor pelo filé mignon da clientela, aqueles de alto poder aquisitivo.
Hoje, esses clientes contam com as redes das operadoras para utilizar os equipamentos, aplicativos e serviços das bigtechs.
Essa situação colocou em campos opostos fabricantes de equipamentos 5G e de chipsets. A gigante Huawei, por exemplo, defende o uso dessa faixa para o 5G. A Qualcomm e a Cisco pendem mais para as redes wifi como forma de estimular inovações.
Segundo a Anatel, essa foi a justificativa para a destinação das frequências de 6GHz para o wifi.
Desde o início de março, surgiram rumores de que a agência mudaria sua decisão. O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse à Folha que não existe a menor possibilidade de revisão neste momento.
"Existe e a pressão", disse Baigorri. "Mas não vamos rever a decisão, especialmente com um argumento tão frágil. Se lá na frente a gente perceber que, de fato, esse mercado não cresceu a própria Anatel vai avaliar o que fazer com a frequência."
Em março deste ano, durante o Mobile World Congress, principal evento do setor, a GSMA --associação global das operadoras de telefonia-- defendeu maior destinação de frequências para o 5G diante da incipiência do wifi6E.
Nesse campo, sua rival Dynamic Spectrum Alliance, associação formada por multinacionais, instituições acadêmicas, dentre outras organizações de todo o mundo, defende que o ambiente wifi6E já é uma realidade e "continua crescendo".
Em 2020, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) certificou o primeiro chipset wifi6E e o primeiro aparelho wifi na faixa de 6 GHz. Vários pontos de acesso wifi também foram certificados pelo regulador dos EUA.
Em janeiro do ano passado, teve início a certificação dos dispositivos wifi6E. Atualmente, existem cerca de duas dezenas deles com certificação.
A coreana Samsung anunciou, por exemplo, um smartphone que também funciona nessa tecnologia.
Ainda segundo a associação, uma pesquisa do IDC --principal instituto de monitoramento do mercado de tecnologia-- mostra que haverá uma explosão no crescimento de equipamentos wifi nos próximos três anos. Hoje, são 316 milhões de dispositivos.