Há um misto de desinformação, diria intencional, e análises ideologicamente orientadas que impede um olhar isento sobre o resultado das eleições municipais

 

Denis Lerrer Rosenfield

 

A derrota fragorosa do bolsonarismo e do petismo, a polarização que vinha orientando a política, deu lugar à moderação e a posições democráticas que se situam primordialmente do lado da direita, que obteve significativos ganhos. Se considerarmos que os tucanos são considerados de direita pelos petistas, esse avanço é ainda maior.

 

Falta aqui uma distinção essencial. Perdedora foi a extrema direita, varrida do mapa eleitoral municipal – são poucas chances de sucesso no segundo turno com Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, base da família Bolsonaro. A direita, em suas várias vertentes, conservadora, liberal e fisiológica, obteve ganhos importantes, colocando-se, se souber unir-se, como protagonista para 2022. Não precisa mais atrelar-se ao bolsonarismo, como nas eleições de 2018. Na capital paulistana, seu candidato, Celso Russomano, nem ao segundo turno conseguiu ir, ficou em quarta posição, competindo com Arthur do Val Mamãe Falei, candidato do MBL, que por pouco não o alcança, tendo ele vencido o PT.

 

A esquerda petista, por sua vez, foi um fracasso. Não chegou ao segundo turno em São Paulo e no Rio de Janeiro e ficou atrelada, em posição secundária, ao PCdoB em Porto Alegre, enfrentando um forte candidato do MDB, Sebastião Melo, com chances fortes de vitória. O PCdoB, aliás, não demonstrou presença eleitoral no Maranhão, seu reduto, com o governador aspirando à posição de presidente da República, ou vice. E não adianta o PT alardear que comparece com vantagem no Recife, contra o PSB, pois lá, mais do que uma disputa partidária, trata-se de uma disputa familiar, interna à família Arraes. Está mais para a psicanálise do que para a política. Ademais, tem o efeito colateral de afastar o PSB do PT. O antigo líder demiúrgico já não produz milagres, como os profetas do Antigo Testamento, que, uma vez cumprida a sua “missão”, voltavam a ser pessoas comuns, perdendo o dom da profecia.

 

A esquerda órfã, ávida de utopias desconectadas da realidade, está agora inventando um substituto na figura de Guilherme Boulos, do PSOL, que seria, de certa forma, o consagrado oculto – embora nem tão oculto – de Lula. Certos intelectuais e artistas que adoram viver em suas fantasias estão alardeando a “novidade”. A única vantagem de Boulos consiste em representar um PT sem folha corrida policial, porque no mais expressa o atraso no nível das ideias. Querer apresentar-se agora como voz “moderada” beira o escárnio, por ser líder de invasões de propriedades, representando a versão urbana do MST, com a utilização dita “pacífica” da violência. Ou seja, “violência pacífica”! Seu movimento poderia invadir as propriedades dos riquinhos politicamente corretos que o apoiam.

 

O centro, isto é, a direita em seus distintos matizes, alcançando os tucanos, aumenta a sua capilaridade em todo o País, elegendo prefeitos, vice-prefeitos e milhares de vereadores, um ativo nada desprezível para as próximas eleições.

 

O MDB continua sendo o maior partido brasileiro pelo número de prefeituras, apesar de ter perdido posições, algo normal dada a sua proeminência nacional nos governos anteriores. Elegeu 774 prefeitos, além de enorme quantidade de vereadores, e pode ainda conquistar prefeituras importantes no segundo turno, como Porto Alegre, Goiânia e Teresina. O DEM conseguiu emplacar vitórias importantes no primeiro turno, como em Salvador, Curitiba e Florianópolis. Ademais, seu candidato no Rio de Janeiro, Eduardo Paes, tem enormes chances de vitória em segundo turno. O partido ganha musculatura, apostando num protagonismo maior nas eleições de 2022.

 

O PP é, pelo número de prefeituras, o segundo partido do País, com 682 vitórias, reafirmando sua presença nacional. Sua liderança no Centrão tende a crescer, assim como sua influência política. Com 650 prefeituras, o PSD teve importante desempenho, ganhando maior protagonismo nas tratativas relativas ao próximo pleito eleitoral. Sua vitória em Belo Horizonte, com Kalil, é da maior relevância, além da conquista de Campo Grande.

 

O PSDB tem um candidato muito competitivo para a Prefeitura de São Paulo, Bruno Covas, além de conquistas importantes em prefeituras de todo o Estado, como em Santos e no ABC. Mantém sua base eleitoral tradicional e também avançou em Natal e Palmas. Conserva sua característica de partido forte em São Paulo e fraco nacionalmente.

 

As mídias sociais, por sua vez, não se impuseram, perderam o protagonismo que tiveram nas últimas eleições – isso quando poderiam ter sido beneficiadas pela pandemia. Candidatos de alto desempenho digital não tiveram ganhos correspondentes. A extrema direita e a esquerda petista já não polarizaram as eleições. Os radicais não conseguiram firmar a sua lógica do inimigo a ser abatido. Houve um nítido deslocamento para o centro do espectro político, em proveito de posições democráticas.

 

Posted On Segunda, 23 Novembro 2020 04:41 Escrito por

“A vitória não ensina nada. O que ensina é a derrota” 

CHICO ANYSIO

 

Por Edson Rodrigues

 

A radiografia dos resultados das urnas deixou muitos falsos líderes “nus” perante a comunidade tocantinense e aos eleitores de vários municípios, principalmente Palmas e Porto Nacional, onde um grupelho de candidatos derrotados correu às redes sociais para anunciar supostas fraudes nos resultados finais.

 

Um candidato a vereador em Palmas ou Porto Nacional que alega que teve seu nome prejudicado com o roubo de seus votos, que não apareceram nas urnas, nada mais é que vítima da sua própria incompetência no convencimento do eleitor e de sua fraca representatividade junto à sua comunidade que tentou representar em seu município.

O candidato que acusa qualquer tipo de fraude nas eleições municipais tem que, antes de fazê-lo, caprichar no óleo de peroba para passar na cara, pois só com uma imensa e deslavada “cara de pau” para ter coragem de justificar a vergonha que passaram com a votação que receberam com uma suposta fraude.

 

Nenhum desses candidatos é capaz de falar que suas famílias têm mais componentes que a soma de seus votos, ou seja, nem seus parentes tiveram coragem de votar neles.  Em casos mais extremos, houve candidatos casados e com filhos maiores de idade que tiveram apenas um (1) voto, ou seja, nem esposa e filhos votaram neles! O mais triste é que esses candidatos não aceitam ou não percebem que não são confiáveis aos olhos alheios.

 

OS REAIS PREJUDICADOS

 

Já outros candidatos não tiveram, na verdade, o respaldo de seus partidos ou não receberam deles estrutura suficiente para que pudessem desenvolver campanhas sólidas e competitivas.  Esses candidatos formam um grupo que realmente foi injustiçado, mas, não, pelas urnas.

 

Eles realmente tiveram a indicação de que poderiam ser representantes de suas comunidades e partiram, bravamente, em busca do voto, dando o sentido verdadeiro de democracia ao último dia 15 de novembro.  Foram homens e mulheres que gastaram sola de sapato, saliva e suor, confiando na democracia e na possibilidade de poder colocar seus conhecimentos a serviço do povo de suas cidades.

 

Estes souberam respeitar a vontade soberana das urnas e aceitaram o eco democrático que elas emitiram após as 17h do último domingo e são dignos do nosso respeito e admiração.

 

Já os falsos líderes, os apegados ao poder, que veem eleição como possiblidade de enriquecimento pela proximidade com o poder, esses esperneiam, apontam fraudes onde não existem, tentam desacreditar a Justiça Eleitoral e se submetem à possibilidade de entrar na mira da Polícia Federal, ao invés de admitir, pura e simplesmente, que são uns candidatos “porqueiras”.

 

Tão “porqueiras” que nem se atentam que podem acabar virando alvo da Polícia Federal por denunciação caluniosa contra a Justiça Eleitoral e acabar a eleição sem cargo e com uma temporada “grátis” atrás das grades.  Talvez, esse seja o único remédio para sem-vergonhice.

 

Que seja dita a verdade!!

 

Posted On Quinta, 19 Novembro 2020 05:23 Escrito por

Por Fausto Oliveira

 

Desde o início do projeto Revolução Industrial Brasileira, sempre nos chegaram solicitações de abordar o impacto da Laja Jato sobre a economia brasileira e o processo de desindustrialização. É um assunto ao mesmo tempo cheio de evidências e complexidades, por envolver tanto uma visão econômica quanto jurídica. O lançamento do livro “Democracia em Crise no Brasil”, do advogado professor Claudio Pereira de Souza Neto, nos deu o ensejo para entrar no assunto.

 

Claudio é um experiente advogado constitucionalista que hoje atua nos tribunais superiores em Brasília. Além disso, é professor de Direito Constitucional na Universidade federal Fluminense (UFF). Ex-secretário geral da OAB entre 2013 e 2015, ele acompanhou de perto todo o desenrolar da grande crise brasileira desta década, e reuniu tudo o que viu no livro que está lançando. O que talvez seja mais especial em todo seu relato é que ele abrange tudo o que ocorre no país desde 2013 até as reações do governo Bolsonaro à pandemia em 2020. Um leque temporal que até aqui talvez nenhuma análise mais profunda tenha ousado fazer.

 

 

A obra de Claudio Pereira de Souza Neto, recém lançada.

Na entrevista abaixo, no entanto, ele se concentra em comentar o impacto da Lava Jato sobre a economia brasileira, sobre as empresas do setor de construção e infraestrutura, e como a operação sabotou significativas potencialidades de desenvolvimento econômico do Brasil.

 

RIB – Está se disseminando no Brasil a percepção de que a Lava Jato, apesar de suas intenções, acabou desestruturando setores econômicos importantes. Qual sua visão sobre isso, considerando tanto o fator corrupção como a questão da economia nacional?

 

Claudio Pereira de Souza Neto – Existe um impacto enorme da Lava Jato na esfera econômica. As consultorias econômicas tradicionais dão conta de que em 2015 este impacto teria chegado a 2,5% do PIB. E nos anos seguintes, o impacto foi se avolumando. É natural, a Lava Jato atingiu as principais empreiteiras brasileiras e a Petrobras, que era a maior contratante dos serviços de engenharia no país. A Petrobras interrompe a execução dos contratos e novos processos licitatórios. Mas os três entes da Federação também começam a sentir a ameaça de que operações análogas os alcancem também. Então eles também interrompem licitações e execução de obras, e assim a construção civil é muito afetada no período, com grande impacto na cadeia produtiva da construção e no emprego.

 

Um problema importante é sobre a necessidade do impacto. A política se caracterizava por uma relação não republicana entre empresas e Estado, e isso era quase uma exigência sistêmica decorrente do sistema de financiamento eleitoral implantado no Brasil. Era possível o financiamento por empresas, e isso só deixou de ocorrer por decisão do Supremo Tribunal Federal no mesmo período em que eclode a Lava Jato. Então, políticos obtinham financiamentos junto às empresas e as empresas queriam retorno. O Supremo declarou isso inconstitucional, o sistema estava mudando. E a Lava Jato começa olhando para o passado mais do que para o futuro. Então, um ponto é saber se de fato a relação entre empresas e política no Brasil era um problema do ponto de vista da moralidade pública.

 

Mas a Lava Jato tinha que ter se conduzido em conformidade com a legislação, e isso não aconteceu. A Lava Jato praticou muitas ilegalidades, como vazamento de delações, prisão de suspeitos para forçar delações e a seletividade em certos setores da vida política nacional e sobre os setores econômicos. A Lava Jato focou na construção civil, mas os bancos também doavam para as campanhas eleitorais em valores equivalentes aos das construtoras. E os bancos não foram afetados.

 

 

Antes a maior construtora da América Latina, Odebrecht passou de 276 mil empregados em 2014 para cerca de 48 mil em 2019.

Quando houve a divulgação das conversas telefônicas pelo The Intercept, a sociedade brasileira soube que esta exclusão dos bancos da Lava Jato foi proposital. O próprio Deltan Dallagnol menciona o propósito de evitar uma crise sistêmica na economia. Se fosse conduzida de maneira mais imparcial e respeitando o devido processo legal, o impacto seria muito menor.

 

Mas tem ainda outros aspectos importantes, sobretudo em relação aos institutos da delação premiada e do acordo de leniência. O acordo de leniência tem por objetivo permitir que as empresas virem a página, que demonstrem os delitos de que participaram, apresentem provas e firmem um acordo para ressarcir os cofres públicos e possam seguir dali em diante sua vida empresarial com normalidade. Isso não ocorreu. Foram feitos vários acordos, mas o Estado brasileiro não reconhecia estes acordos, de maneira que as empresas respondem até hoje por atos que vieram a público em decorrência de suas próprias colaborações, sejam de seus executivos ou das próprias empresas.

 

Então, havia a possibilidade de que o Brasil virasse a página no contexto da proibição de financiamento eleitoral por empresas. Que se aproveitasse esses acordos para criar um novo começo na relação entre o Estado e os empreendedores privados, mas ao invés disso no enredamos em processos criminais sem fim, e em processos administrativos que vão nascendo a partir desses processos criminais. Até hoje a economia brasileira não conseguiu superar esse momento. E não conseguirá enquanto não tivermos a capacidade de inaugurar um novo momento na vida econômica nacional. 

 

Em outros países, quando grandes empresas são pegas em escândalos, separa-se o CNPJ do CPF, para punir diretores e manter as empresas vivas. Assim aconteceu em casos recentes com a Volkswagen e a Samsung, por exemplo. Por que no Brasil não agimos assim?

 

Nenhum país do mundo abre mão de um setor inteiro da economia que lhe seja estratégico para o desenvolvimento nacional. Isso é uma temeridade absurda, impensável. A Volkswagen se envolveu em dezenas de problemas com a Justiça. Um dos casos recentes e gravíssimos foi a falsificação de testes de emissão de um tipo de motor a diesel, que era apresentado como revolucionário por emitir muito menos do que um motor tradicional. Mas depois se descobriu que a empresa havia falsificado o teste. A Samsung foi responsabilizada por ter pagado propina para o presidente da República da Coreia do Sul. No entanto, a Alemanha nunca iria pensar em abrir mão da Volkswagen, e muito menos a Coreia do Sul da Samsung.

 

 

As grandes obras de infraestrutura são demandantes de tecnologias, indústria e mão de obra qualificada.

Alguém poderia questionar que as nossas grandes empreiteiras não se comparam à Samsung. É comparável sim! Essas grandes empreiteiras brasileiras prestavam serviços de engenharia em todo o mundo. A Odebrecht era a maior na área de represas para usinas hidrelétricas. Era a maior empreiteira da América Latina. Por meio dessas empresas, os interesses estratégicos do Brasil se projetavam globalmente. Só uma ausência total de discernimento a respeito dos interesses nacionais pode ter permitido reduzir em muito a capacidade de empresas como estas.

 

A persecução criminal é muito importante porque ela concorre para a moralização das práticas administrativas do Brasil, mas ela tem uma importância que não supera a de preservar nossa soberania econômica, que envolve a presença de empresas capazes de realizar grandes obras públicas de infraestrutura. Vamos tornar o Brasil dependente de outros países no setor de infraestrutura, quando já havíamos desenvolvido e organizado as tecnologias e o pessoal necessários para dar conta dos grandes desafios envolvidos nas obras de grande complexidade? Isso só pode ser insanidade nacional, em que o país atua contra os próprios interesses.

 

Deveríamos ter feito com muita clareza a separação do CPF e do CNPJ. Que se processem as pessoas. A solução que foi aventada assim que a Lava Jato eclodiu foi que o próprio Estado encampasse os projetos através do controle acionário das Sociedades de Propósito Específico, e de imediato assim que fosse possível vendê-las de novo no mercado. Seria uma estatização temporária de modo a permitir a continuidade das obras.

 

Existe um livro da década de 1940, escrito nos Estados Unidos sobre a corrupção no país. Neste livro se formou o conceito de crime de colarinho branco. O autor estuda as 40 maiores empresas norte-americanas e verifica os processos judiciais em que elas estão envolvidas. A grande maioria esteve envolvida em processos de natureza criminal, como a General Motors, a Swift e várias outras. Mas, não fossem essas empresas, os Estados Unidos não seriam o que são. A substância econômica daquele país está muito associada às grandes multinacionais que construíram. E apesar dessas empresas terem se envolvido na prática de ilícitos, ninguém nos EUA imaginaria abrir mão da General Motors.

 

O meio jurídico brasileiro tem muitas disfunções, e uma das mais graves é a profunda ignorância a tudo o que não diz respeito à interpretação das leis. E a ignorância se soma à pretensão de saber tudo. Juízes nunca entraram numa fábrica, não sabem o que é processo produtivo. Não reconhecem a complexidade tecnológica de uma grande obra de infraestrutura. E assim, trataram essa preciosidade do Brasil que são seus engenheiros como se fossem algo descartável.

 

Os defensores da Lava Jato afirmam que a operação recuperou muito dinheiro desviado. Você saberia fazer a comparação entre o que se recuperou e o que se perdeu com a desmobilização dos setores da economia?

 

Não tenho números exatos, mas talvez tenha se recuperado 2% do que se perdeu. Não tem comparação, as grandezas são absolutamente desproporcionais. O único ganho que se poderia atribuir a uma operação de combate à corrupção não é o dinheiro resgatado, já que só em 2015 o PIB brasileiro caiu 2,5% só por causa da Lava Jato. E isso quem reconhece são consultorias como Tendências e companhia. Nessa comparação, a Lava Jato perde, pois as grandezas não são sequer comparáveis.

 

 

Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro. Grande obra da Petrobras que poderia ter sido mantida através de estatização temporária da SPE.

Um argumento que pode fazer sentido é que a moralização das práticas administrativas qualifica o ambiente de negócios, e daí poderia resultar um crescimento econômico de longo prazo. Quem acha que a corrupção é uma das razões do subdesenvolvimento pode sustentar essa tese. Mas o fato é que esses processos são sempre concomitantes. Os países nórdicos eram muito corruptos no início do século 20, assim como os Estados Unidos também eram. Mas estes países vão se desenvolvendo economicamente, culturalmente e institucionalmente, e daí resulta o aprimoramento na esfera da administração pública.

 

O Brasil vinha numa melhora crescente. Antes do advento da Lava Jato, aconteceu a Lei de Organizações Criminosas, a Lei Anticorrupção, a Lei da Transparência, a Lei da Ficha Limpa, a adesão do Brasil aos acordos internacionais de enfrentamento da lavagem de dinheiro. Isso é um histórico que começa na CPI dos Anões do Orçamento, ininterrupto, com inovações legislativas uma atrás da outra.

 

Essa ideia de que a Lava Jato é um marco positivo no enfrentamento da corrupção no Brasil me levanta dúvidas. Nós tínhamos um processo gradual de aperfeiçoamento institucional conduzido por meio de diálogo entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E no meio disso, a Lava Jato aparece e é capturada por procuradores e um magistrado voluntaristas, viciados no aplauso da massa inflamada. Eles se viciaram no aplauso. E viram que atacar certos setores da política e da economia produzia aplauso e notoriedade pública. E com isso, o processo gradual que vinha se acelerando de forma significativa foi na verdade interrompido em razão da atuação demagógica e inconsequente de não se preocupar com a preservação de atividades econômicas estratégicas para um projeto nacional de desenvolvimento, como eram a construção civil e a engenharia brasileira como um todo.

 

Na sua resposta anterior, você indica que o aperfeiçoamento institucional é concomitante ao desenvolvimento. Chegaria a dizer que o desenvolvimento econômico é uma condição para o aperfeiçoamento das instituições?

 

Me parece que são processos concomitantes. O desenvolvimento é multidimensional, e estas dimensões se interpenetram. O desenvolvimento humano produz o desenvolvimento institucional e econômico. O desenvolvimento econômico produz desenvolvimento político. Há estatísticas inquestionáveis. Por exemplo, o país mais rico em que ocorreu um golpe de Estado com ruptura institucional na segunda metade do século 20 foi a Argentina. Desde o golpe argentino da década de 1970 para cá, nenhum país em que fosse maior o PIB per capita vivenciou um golpe de Estado. A estabilidade política está estatisticamente associada ao PIB per capita. A superação da corrupção é um processo vinculado a isto. Não estou dizendo que nações pobres sejam nações corruptas, mas em nações desiguais é comum a prática da corrupção.

 

Houve uma interferência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na Lava Jato, visando atingir nossas empresas de construção de infraestrutura?

 

O livro é todo baseado em evidências. Ele busca não incidir em nenhum momento em teorias da conspiração. Como eu não tinha evidências sobre isso, e também porque o livro não é apenas sobre a Lava Jato, não se afirma isso no livro. Mas a minha percepção é de que pode ter havido uma interferência norte-americana. A interferência se daria pela via da colaboração jurídica. Os EUA são um país guerreiro; em toda sua história, em apenas 16 anos o país deixou de estar envolvido em guerras fora de seu território. E é natural que este país queira fazer valer seus interesses estratégicos por meio de formas menos custosas do ponto de vista econômico e humano. Eles tentarão lutar guerras por outras vias, e uma delas é o chamado lawfare. Que é justamente a utilização do Direito como instrumento de guerra.

Posted On Terça, 13 Outubro 2020 16:31 Escrito por

Antonio Lavareda -Editora Três

 

 Deveríamos ter “eleições críticas”, realizadas em um cenário de crise econômica e polarização ideológica, com forte presença do bolsonarismo, realinhando a distribuição do poder nos municípios. Porém, elas ameaçam ser o que a ciência política chama de “mantenedoras”, com recondução de grande número de prefeitos. Na crise sanitária eles concentraram os holofotes e assumiram com os governadores a reação ao coronavírus.

 

 

Nas capitais mostradas, oito, dos 11 que as disputam, lideram hoje as pesquisas. Mas a evolução da doença é incerta e só agora começam as campanhas. Embora atípicas, com menor presença nas ruas, não faltará propaganda nas redes sociais, na televisão e no rádio. Leia aqui, semanalmente, a evolução dos números nessas cidades e as tendências gerais do País. E em tempo real no blog #EleiçõesComLavareda.

 

As eleições ameaçam ser o que a ciência política chama de “mantenedoras”, com recondução de grande número de prefeitos

 

 

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Posted On Segunda, 28 Setembro 2020 05:06 Escrito por

Por Roberto Livianu

 

Somos pentacampeões mundiais de futebol, mas também em lavagem de dinheiro. São conclusões da 11.ª edição do Relatório Global de Fraude & Risco da Kroll. A prática é testemunhada em 23% das empresas brasileiras, quase 50% acima da média global, de 16%.

 

Ciência penal e criminologia incluem esse delito econômico no grupo dos crimes de colarinho-branco, ao lado das graves modalidades de corrupção, da sonegação fiscal (que levou à prisão o mafioso Al Capone), cartel e outros tantos crimes financeiros.

 

Há décadas a lavagem se concretiza pela dissimulação, busca de disfarce ou esconderijo da fonte ilegal de recursos obtidos criminosamente. Para justificar a origem da riqueza e evitar suspeitas. Diante da transnacionalidade do crime organizado, cujos efeitos se espalham pelo mundo globalizado num clique, busca-se abrigo impune em paraísos fiscais e suas regras convidativas pela vulnerabilidade e leniência.

 

Integrantes de quadrilhas pedem empréstimos bancários dando como garantia bens obtidos com dinheiro sujo, sem checagem efetiva pelos bancos. Os novos ativos são reinvestidos na compra de armas para novos crimes. Comerciantes de joias, pedras preciosas e obras de arte vendem seus produtos sem questionar a origem do dinheiro utilizado na compra, permitindo aos clientes “lavar” recursos ilícitos na revenda do que foi comprado com nota fiscal.

 

Empresas de fachada existem apenas para legitimar recursos. Floriculturas, universidades, lavanderias de roupas, quitandas ou açougues. Investigação profunda averiguará se havia, de fato, atividade econômica real ou se se trata de universidade com alunos fictícios, de açougue que declara vender toneladas de carne em plena quaresma em bairro habitado apenas por católicos fervorosos ou de floricultura que nunca aumenta suas vendas no Dia dos Namorados, mas, misteriosamente, tem fluxos de negócios em valores de vendas altíssimos, incompatíveis com o preço unitário dos produtos.

 

Em dimensão gigantesca, acaba de ser revelado um escândalo de lavagem de dinheiro internacional envolvendo US$ 2 trilhões, em que há graves evidências incriminando cinco grandes bancos estrangeiros, movimentando criminosamente recursos para redes ligadas à máfia, a fraudadores e a regimes políticos corruptos, da Malásia, da Venezuela e da Ucrânia, mesmo após advertências e multas do banco central americano (Fed) no sentido de conter os fluxos de dinheiro sujo. Quem não se lembra dos Panama papers?

 

A lavagem de dinheiro pressupõe crime antecedente (qualquer delito). Como no caso da receptação, em que se pune quem recebe alguma coisa que sabe ser produto de delito. Até porque a punição se justifica pelo ato de querer enganar o Estado e seu sistema de Justiça, forjando situações para legitimar recursos obtidos criminosamente.

 

Hoje o Brasil tem lei de terceira geração (12.683/12), nível considerado o mais moderno do planeta nesse quesito, em que se pune o crime de lavagem de dinheiro sem restringir a espécie do crime antecedente, caracterizando o delito de lavagem qualquer que seja o delito pressuposto. Isso representa evolução significativa em relação à Lei 9.613/98, de primeira geração, que restringia as espécies de delitos pressupostos. Não podemos retroceder.

 

A OCDE, na qual postulamos ingresso, e o Gafi têm emitido recomendações recorrentes aos países sobre a necessária efetividade no combate à criminalidade econômica, em razão de suas desastrosas consequências sociais.

 

É absolutamente compreensível tal postura desses organismos multilaterais, especialmente pela relevância estratégica de ambos na perspectiva macropolítica mundial. Além disso, a OCDE detém o controle de uma das torneiras mais poderosas do mundo em matéria de liberação de recursos financeiros internacionais, dependendo de seu aval a concessão de empréstimos aos países, o que a torna ainda mais relevante nesta nova realidade econômica dificílima pós-pandemia.

 

O Gafi virá ao País neste semestre verificar o grau de efetividade do nosso combate à lavagem de dinheiro e a outros delitos financeiros. Mesmo assim, acaba de ser instalada comissão de juristas para atualizar a lei. A comissão é presidida pelo ministro Reynaldo Soares, do STJ, que declarou, ao abrir os trabalhos, que o Brasil lava US$ 6 bilhões/ano, mas o Banco Central informa oficialmente que o número é 4.733% maior – US$ 290 bilhões/ano.

 

O relator da comissão é o desembargador Ney Bello, famoso por conceder prisão domiciliar a Geddel Vieira Lima, preso com R$ 51 milhões em dinheiro vivo (a quantia maior da nossa história) e que foi relator na absolvição sumária de Michel Temer por obstrução da justiça, entre outros casos.

 

Sendo o Brasil campeão mundial do crime de lavagem, não podemos recuar e todo cuidado é pouco ao repensar a lei, assim como a Lei de Improbidade, que alguns pretendem enfraquecer pelo substitutivo Zarattini ao PL 10.877/18, suavizando punições de corruptos e eliminando condutas puníveis. Isso pode trazer muito mais impunidade e atear fogo no que resta de nossa sofrida República.

 

DOUTOR EM DIREITO PELA USP, PROCURADOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, IDEALIZOU E PRESIDE O INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

 

Posted On Segunda, 28 Setembro 2020 04:59 Escrito por
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