Deu tudo errado para a base governista no Congresso Nacional, mas decisão de ministro do Supremo dá novo fôlego a governistas
Por Edson Rodrigues
Tudo começou bem para a oposição na Câmara Federal. Em votação secreta, os deputados elegeram, por 272 votos a 199, a chapa alternativa integrada por deputados de oposição e dissidentes da base governista para a comissão especial do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A sessão que definiu os nomes dos deputados responsáveis por analisar o pedido de afastamento da chefe do Executivo foi marcada por tumultos no plenário.
A chapa vencedora, batizada de "Unindo o Brasil", foi protocolada por parlamentares oposicionistas e dissidentes da base governista na tarde desta terça com a adesão de 39 deputados de PSDB, SD, DEM, PPS, PSC, PMDB, PHS, PP, PTB, PEN, PMB, PSB e PSD
Ao final da votação desta terça, os deputados oposicionistas que derrotaram o governo comemoraram intensamente no plenário. Depois, cantaram o Hino Nacional erguendo uma bandeira do Brasil.
CARTA BOMBA
Enquanto isso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, arrumou tempo para comentar a “carta-bomba” enviada pelo vice-presidente, Michel Temer, à presidente Dilma Rousseff. Ele avaliou que a carta é a "largada" para saída do PMDB do governo. Para o peemedebista, o texto de Temer "marca" um posicionamento de distanciamento do PMDB do governo. Cunha, contudo, não quis se manifestar sobre a atuação de uma ala do PMDB para destituir o líder da sigla na Casa Leonardo Picciani, fato tido como irreversível, dado o apoio demonstrado por Picciani ao Palácio do Planalto.
Para Cunha, a carta foi a "expressão" de uma série de fatores por meio dos quais Temer entende que há um "menosprezo" da situação dele como vicepresidente e um "juízo político" de que o PMDB "não merece a confiança de quem está no poder". "Então, o que ele colocou na prática é o juízo daqueles que defendem o afastamento do PMDB do governo", afirmou.
Cunha voltou a defender que a relação do PMDB com o governo tem de ser discutida, independentemente do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, considerado pelo presidente da Câmara como algo "constitucional". "Independentemente do processo de impeachment, essa carta é uma largada para a saída do PMDB do governo", disse.
No texto, Temer relata uma série de episódios que demonstrariam a "absoluta desconfiança" que Dilma sempre teve e terá em relação a ele e ao PMDB. Cunha ressaltou que muitos desses pontos ele já vinha colocando publicamente. "Eu mesmo cansei de vir aqui, quando ele (Temer) estava na coordenação política, falava para vocês que havia uma sabotagem a ele na coordenação política", comentou.
O conteúdo da carta causou reflexos imediatos no Planalto e a presidente Dilma se viu obrigada a convidar seu vice para “discutirem a relação”.
A presidente Dilma Rousseff e o vicepresidente Michel Temer vão se encontrar pessoalmente nesta quartafeira (9), assim que a petista voltar de sua viagem a Roraima, onde participa da entrega de unidades do Minha Casa, Minha Vida.
O encontro deve ocorrer no início da noite no Palácio da Alvorada. Com o aval de Dilma, o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) procurou nesta terça a um assessor de Temer para agendar uma conversa entre o peemedebista e a presidente.
Apesar de uma ala do Palácio do Planalto defender que Dilma não responda nem procure Temer já que, na avaliação desses assessores, a carta significou "um rompimento total" por parte do vice, Dilma deu o aval para que o ministro marcasse um encontro para que ela conversasse pessoalmente com Temer.
RECESSO PODE SER ADIADO
Pelos lados do Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros deu a sua contribuição para complicar ainda mais a vida do governo. Renan sinalizou que o Congresso poderá ter seu recesso parlamentar de final de ano suspenso. "Cruzar os braços nesse momento significa fragilizar a representação política e agravar as crises que estão postas. Não podemos fazer isso", afirmou Renan ao chegar ao Senado no fim da tarde. A opinião do peemedebista era alvo de especulações desde que o governo indicou querer acelerar o processo do impeachment.
O senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, propôs a Renan uma alternativa intermediária de se antecipar o início do próximo ano legislativo, que começaria no meio de janeiro ao invés de começar em 2 de fevereiro, como prevê a Constituição.
"Assim, não deixaríamos o país em suspenso mas ao mesmo tempo permitiríamos que houvesse uma mínima organização da sociedade, daqueles movimentos que querem acompanhar esse processo", disse. De acordo com o tucano, se Renan concordar com sua proposta, ele irá convencer os demais líderes da oposição para fechar o acordo. "Se houver entendimento de que esse é um bom caminho, eu me dispus a conversar com os oposição para que possamos, não pelo caminho da não votação da LDO, que nos parece inconstitucional, proposto por algumas lideranças da base", disse.
DELCÍDIO FECHA ACORDO DE DELAÇÃO
Se a coisa não andava bem em Brasília, veio de Curitiba outra notícia que deixou os cabelos do governo mais em pé que nunca.
O senador Delcídio do Amaral (PTMS) decidiu partir para um acordo de delação premiada depois de se sentir abandonado pelo PT. Ele contratou o advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, que cuidou de mais de uma dezena de acordos de delação na operação Lava Jato, entre eles o de Alberto Youssef.
Segundo advogados que atuam no caso, Figueiredo Basto teve uma conversa preliminar com representantes de Delcídio do Amaral em Brasília há cerca de uma semana, mas fechou a condução do caso nesta terça (8).
Ele atuará com Adriano Bretas, que também conduziu vários acordos de delação premiada na Lava Jato. Entre os clientes dos dois advogados estão também o dono da UTC Ricardo Pessoa, o lobista Julio Camargo, e outros.
O advogado Maurício Silva Leite, que defende o senador Delcídio desde a sua prisão, no ultimo dia 25, vai continuar atuando em defesa do parlamentar no tocante a um pedido de revogação da prisão de Delcídio que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal). Basto e Bretas vão atuar nos inquéritos movidos por iniciativa da PGR (Procuradoria Geral da República) no STF.
A MÃO AMIGA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Mas, para aliviar as derrotas de ontem, veio, à noite, enfim, uma notícia boa para o Palácio do Planalto.
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicado pelo PT, decidiu suspender a formação e a instalação da comissão especial que irá analisar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Fachin determinou que os trabalhos sejam interrompidos até que o plenário do Supremo analise o caso, votação que está marcada para a próxima quarta (16).
Segundo o magistrado, ele suspendeu todo o processo do impeachment para evitar novos atos que, posteriormente, possam ser invalidados pelo Supremo, inclusive prazos.
A decisão do ministro do STF também impede os demais procedimentos previstos no processo: eleição de presidente e relator do pedido de impeachment, bem como abertura do prazo para Dilma apresentar sua defesa.
A assessoria de imprensa do presidente da Câmara informou que Eduardo Cunha só irá se manifestar após ser formalmente comunicado da decisão da mais alta corte do país.
NOSSO PONTO DE VISTA
A terça-feira não foi fácil para a presidente Dilma. Seu calvário começou ainda na segunda-feira, com a divulgação do teor da carta de Michel Temer e se prolongou melancólico no dia de ontem.
A vitória esmagadora da chapa oposicionista na formação da comissão que irá analisar o pedido de impeachment foi a primeira conseqüência da carta de Temer e uma clara demonstração que, em Brasília, ninguém é líder de ninguém, nem governadores, nem presidentes de partidos, muito menos “líderes” de bancadas.
A eleição da chapa “oposicionista” revela, também a fragilidade e a falta de controle do Planalto sobre sua “base aliada”.
Não podemos, porém, deixar de levar em conta a “patriotada” do ministro do Fachin, do STF, que suspendeu os trabalhos relativos ao impeachment. Mesmo sendo uma escancarada intervenção “amiga” da Justiça no Poder Legislativo, e provisória, é uma ação legítima e pode dar um novo fôlego ao Planalto.
Temos que levar em consideração que, em sendo levada adiante, a formação definitiva da comissão redundará no afastamento da presidente Dilma por 180 dias. Durante esse período, quem assumiria seria Michel Temer, o vice-presidente, que teria plenos poderes para exonerar e nomear quem bem entendesse.
Dessa forma, as vagas abertas pelos exonerados, funcionariam como “mel” para os componentes dos partidos “nanicos”, que passariam a compor a base aliada do presidente Temer e definiriam de vez os rumos do processo de impeachment.
MICHEL TEMER
O vice-presidente, Michel Temer, é um político calejado e experiente. Além dos 10 anos como presidente do PMDB, trás em sua bagagem a atuação como jurista, que o transformou em um político sem qualquer ranço de autoritarismo.
Isso nos dá a certeza que, ao encaminhar a “carta-bomba” ao Palácio do Planalto, não o fez sem antes ter consultado os principais caciques do PMDB, seus pares na Câmara Federal e juristas de notório conhecimento, além, é claro, dos líderes dos principais partidos de oposição.
A “carta-bomba” estava assinada por Temer, mas levava em seu conjunto a insatisfação e o sentimento de alijamento de milhares de lideranças políticas espalhadas pelo Brasil afora.
A carta teve vários significados, mas só o tempo poderá avaliar o alcance do seu poder destrutivo, pois a partir de agora, fatos e mais fatos irão se suceder no rastro de suas conseqüências. A irreversível queda de Leonardo Picciani da liderança do partido será apenas o primeiro de uma sucessão de mudanças conceituais no PMDB.
Por outro lado, sabe-se, também, que a ação do ministro Fachin em suspender os trabalhos referentes ao impeachment é apenas a primeira intervenção do STF no processo.
Caso ele siga a tramitação normal e chegue a uma votação final, a sessão plenária que abarcará esse momento histórico na política brasileira, certamente será presidida pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, outro indicado pelo PT.
O desenrolar dos fatos desencadeados no Congresso Nacional ainda reserva muitos e muitos rounds entre governistas e oposicionistas, entre apadrinhados e banidos, entre bem-intencionados e oportunistas. Mas uma coisa pode-se afirmar com toda a certeza: se o processo de impeachmet chegar até o ponto do afastamento das presidente Dilma Rousseff, ela jamais voltará a assumir o poder.
Quem viver verá!