O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Edson Fachin, enviou manifestação ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em que afirma que o Código Eleitoral que deve ser votado pelos senadores nas próximas semanas esvazia as competências da corte e pode ameaçar a separação entre Poderes
POR DANIELLE BRANT E RANIER BRAGON
Em manifestação de dez páginas, Fachin aponta riscos identificados pela Justiça Eleitoral no projeto de lei complementar que tem 898 artigos e revoga toda legislação eleitoral.
Entre outros pontos, o ministro diz que o projeto deixa de contemplar competência administrativa atribuída ao TSE e aos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de responderem às consultas feitas sobre matéria eleitoral.
"É um retrocesso que vitima os avanços e as conquistas de estabilidade e previsibilidade projetadas para o processo eleitoral", escreve Fachin na manifestação enviada a Pacheco.
O ministro aborda ainda um dos dispositivos mais contestados pelo TSE no código, a possibilidade de sustar a eficácia de atos regulamentares publicados pela Justiça Eleitoral.
Ele lembra que lei dá à Justiça Eleitoral o poder de regulamentar matérias de sua alçada e afirma que a produção de normas pelo Legislativo não deve "descer às minúcias dos procedimentos endereçados pelos regulamentos, seja em razão da necessidade de se manter uma textura minimamente aberta na lei, permitindo a sua interpretação diante de nuances do caso concreto, seja para evitar o engessamento desses dispositivos a desafiar a renovação do processo legislativo para promover os ajustes devidos para o acompanhamento das mudanças percebidas no cotidiano da prática dos atos regulamentados."
Fachin defende que o uso do poder regulamentar é ferramenta de uso cotidiano da Justiça Eleitoral "e, inquestionavelmente, essencial."
Segundo ele, a possibilidade de o Congresso sustar regulamentos publicados pela Justiça Eleitoral "importa renovação de juízos de valor atribuídos exclusivamente à competência da Justiça Eleitoral e, por consequência, traduz a possibilidade de exercício dessa competência por Instituição da República que lhe é estranha, afora de representar um desafio interpretativo aos limites da separação de poderes."
O ministro também cita risco de insegurança jurídica provocado pelo fato de o código não prever limite de tempo para que se possa exercer o que Fachin chama de "faculdade substitutiva do Congresso Nacional na competência exclusiva da Justiça Eleitoral".
"A restrição da competência da Justiça Eleitoral, da forma como exposta, não se revela consentânea com a racionalidade da separação dos poderes assentada na Constituição Federal e tampouco com o princípio da segurança jurídica", escreve o ministro.
Fachin critica também o prazo para entrada em vigor dos 898 dispositivos, que seria a partir da sanção presidencial. Ele diz que a solução não é a melhor e defende o princípio da anualidade.
"Apenas para ilustrar, ainda que de forma incipiente, a extensão do debate a ser travado apenas sob esse signo, a expressão processo eleitoral não é sinônima de leis processuais eleitorais, tampouco se reduz a um conjunto reduzido de leis eleitorais de conteúdo material, exigindo-se na análise de cada novo dispositivo normativo os seus impactos na cadeia de atos necessária para a realização de eleições no primeiro domingo de outubro do ano de 2022, e para a futura diplomação dos eleitos."
O ministro diz que o código exigiria a criação de um grupo de trabalho para analisá-lo na íntegra e para fazer as adequações e reformas das resoluções já editadas pelo TSE para as eleições 2022.
"Diante do exíguo período até o início do período das convenções partidárias, em 20 de julho de 2022, não se revela possível afirmar que um estudo dessa magnitude poderia ser concluído e submetido a julgamento pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral em tempo hábil para o próximo certame eleitoral."
Ele defende que a entrada em vigor do código seja adiada para 1º de janeiro de 2023.
Fachin aborda ainda a proposta de um novo sistema de prestação de contas, que, na avaliação do ministro, comprometem de maneira irreparável a competência da Justiça Eleitoral.
Para o presidente do TSE, a possibilidade discricionária do prestador de contas em optar por subtrair do exame técnico da Justiça Eleitoral os documentos e elementos que informam o gasto de recursos públicos, substituindo-os por relatório elaborado por instituição externa de auditoria, "constitui esvaziamento da competência da Justiça Eleitoral e a sujeita a ser mera chanceladora do exame de contas realizado por terceiros."
"O exame das prestações de contas é substancialmente distinto do recebimento de relatório externo sobre o qual se exercerá análise formal prévia ao ato de chancela."
VEJA ALGUMAS MUDANÇAS PREVISTAS NO PROJETO
Pesquisas eleitorais
Como é hoje
Podem ser divulgadas inclusive no dia da eleição
Como ficaria
Só podem ser divulgadas até a antevéspera da eleição. Além disso, é preciso publicar um percentual de acertos das pesquisas feitas nas últimas cinco eleições
Fundo partidário
Como é hoje
Lei estabelece restrição ao uso do cerca de R$ 1 bilhão distribuído anualmente às siglas
Como ficaria
Partidos têm ampla autonomia para usar a verba de acordo com suas conveniências, inclusive para pagar multas eleitorais
Prestação de contas
Como é hoje
Justiça analisa a prestação de contas de partidos e candidatos, aplicando punições e determinando devolução de recursos em casos de irregularidades. Prazo para análise das contas partidárias é de até 5 anos
Como ficaria
A análise deverá se restringir ao cumprimento de regras burocráticas. Sistema de prestação de contas é desmantelado. O prazo para análise cai de cinco para dois anos, o que eleva a chance de prescrição.
Resoluções do TSE
Como é hoje
Tribunal pode editar resoluções sobre as eleições e responder a consultas dos partidos a qualquer tempo
Como ficaria
Para valer nas eleições, essas resoluções terão que ser emitidas com antecedência mínima de 1 ano. O Congresso passa também a ter o poder de cassar resoluções do TSE